segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

[#790][PC] BIOFORGE [Março de 1995]

A capa com uma mão de warforged radioativa é ultramaneira e chamativa de uma forma positiva, mas colocar na contracapa "o novo FILME INTERATIVO" não evoca bons pressentimentos

Antes de começar essa review, eu creio que seria justo primeiro tirar um momento para referenciar o trabalho dos caras da Origin Systems, já que não é uma empresa muito falada porém de grande, enorme contribuição para os videogames. Isso porque eles trabalhavam sempre com uma meta: "como podemos fazer os jogos irem além?".

Um jogo deles que eu já falei aqui foi ULTIMA IV, o primeiro jogo a não ser apenas um RPG de explorar dungeons e matar coisas, mas tentar ir além e implementar um sistema de moralidade e consequencias para suas ações. Claro que para um jogo de  1985 isso foi feito de forma bastante rudimentar, mas apenas o fato que eles tentaram já diz muito sobre eles.

System Shock, Origin Systems 1994... pareço tão chique colocando referencia, né?

Outro jogo seminal para os videogames deles foi System Shock, a primeira vez que alguém pensou "hmm, e se colocassemos elementos de RPG e narrativa em um FPS?". System Shock tem poderes, magias, sistemas de computador para serem hackeados, escolhas para serem feitas e diversas coisas que hoje são dadas como garantidas em um FPS, mas até então ninguém havia tentado. Com efeito, System Shock é amplamente lembrado hoje graças a seu sucessor espiritual, um jogo feito por ex-funcionários da Origin e que certamente você já ouviu falar:


Isso sendo dito, vamos então olhar para o jogo da Origin de 1995 e perguntar: o que esse jogo trás de novo para a mesa? Bem, a resposta é bastante interessante: eles basicamente olharam o nascente (e ainda incipiente) genero de survival horror e se perguntaram "como fazemos isso ser bom?". BioForge foi a tentativa da Origin de fazer um bom survival horror onde jogos como ALONE IN THE DARK e ECSTATICA falharam.

Então, como eles fizeram isso ser memoravel? Bem, de diversas formas. A primeira, e mais relevante para a história dos videogames, foi o primeiro jogo de ação a empregar captura de movimentos para animar os bonecos 3D. Antes disso tinha sido feito pouquissimas vezes na história dos videogames e sempre em jogos de luta, como VIRTUA FIGHTER e RISE OF THE ROBOTS. Para animar um jogo de ação, nunca. Ah, também foi um dos primeiros jogos que eu lembro que tinha opção para regular o brilho - algo que nenhum jogo começa hoje sem, mas até então era algo bem raro, senão inexistente.


A outra coisa que eles fizeram e que se tornaria um staple do genero é que eles pegaram o espirito do que a Infogrames tentou fazer desde o primeiro ALONE IN THE DARK: pegar uma história e contar ela espalhando fragmentos (cartas, diarios, anotações) pelo cenário para o jogador juntar as peças do que diabos aconteceu ali. A coisa é que embora as intenções da Infogrames sejam boas... vamos dizer que eles não são muito bons nisso, certo?

Então eis o que a Origin fez: sentou a bunda na cadeira e escreveu. E eu quero dizer escreveu bastante e escreveu bem, como se realmente importasse, sabe? Mais jogos podiam tentar isso nessa época, apenas dizendo.

O jogo já começa literalmente te operando sem anestesia, o bagulho aqui é doido

O que rola em Bioforge é o seguinte: vc acorda numa cela sem memória nenhuma e a primeira coisa que percebe é seu corpo foi transformado em um ciborgue, mais máquina do que gente. Então nosso herói precisa fugir da cela e descobrir quem ele é, onde ele está e que caralhas está acontecendo ali. Ah, e eu mencionei que o lugar todo está sofrendo terremotos constantes e claramente esse planeta está indo pro vinagre? Pois é.

Como você tem respostas a essas perguntas lendo logs, datapads e diarios pessoais de maneira geral e é aqui que entra o toque diferencial da Origin: essas coisas são realmente bem escritas, de verdade. Por exemplo, o que rola é que você está numa estação de pesquisa onde uma seita extremista religiosa que prega pela perfeição do ser humano através da pureza do maquinário encontrou ruínas aliens com tecnologia superavançada que permitirá seu sonho de eliminar a carne da equação humana ser real.

E morreu com 3 segundos de jogo, onde está seu Dark Souls agora?


O interessante disso é que você encontra nos logs todo um manifesto com a filosofia da religião Mandite entradas de diário contando sua história, sua relação com o governo galático e até mesmo como foi o incidente que os levou a descobrir essas ruínas alieníginas. E tudo é genuínamente bem escrito, é realmente interessante de se ler.

"O sexo se tornou dispensável no dia que inventaram a linha de montagem", taí algo que eu não achei que leria em um jogo de 1995... ou nunca, na verdade.

Melhor ainda são os relatos dos outros prisioneiros torturados até a insanidade nas experiencias dos Mandites, seus relatos de como eles foram capturados, suas esperanças de fugir, a luta para manter a sanidade em meio as torturas constantes, a saudade da vida que ficou para trás, é tudo bastante triste - especialmente quando vc se dá conta que o cybermutante insano que você acabou de moer na porrada já foi uma pessoa de verdade com medos e sonhos.

O meu ponto aqui é que a escrita desse jogo é interessante e faz você querer saber mais sobre esse mundo, sobre o que aconteceu ali, quem eram os aliens que deixaram essas ruinas, quem são as pessoas que você está matando, isso te motiva a explorar, a querer continuar jogando e isso é uma ótima coisa a ser dita a respeito do jogo. Coisas que a Origin já havia experimentado antes com System Shock, mas que aqui são postas em prática para fazer o que o genero survival horror nasceu para fazer: contar histórias interessantes enquanto vc resolve puzzles e mete pewpew em monstros. O melhor de dois mundos, se vc me perguntar.

Esses fanaticos religiosos insanos... meio que tem um ponto, sabe?

E isso é algo que você PRECISA ler de qualquer forma, porque os códigos e soluções dos puzzles estão espalhados nesses textos e eles são randomizados a cada playthrough. Não que seja um problema devido a qualidade do texto, mas é assim que as coisas são.

Se dependesse apenas da escrita e da construção de mundo, Bioforge seria um The Best Of fácil. Porém não tem como desconsiderar que o jogo não é uma visual novel e sim também um jogo de pew-pew-pew pow-pow... e aí a coisa complica.


Bioforge começa com uma cutscene explicando a história até agora que não explica nada realmente - é propositalmente vago, o que faz sentido com a proposta do jogo afinal. O jogo começa  imediatamente sem um único indicador do que fazer. Na verdade, não há HUD ou IU visível, é só você acordando sem memória trancado em uma sala com um nursebot flutuante de intenções suspeitas.

E assim começa o primeiro de muitos quebra-cabeças: como passar pelo robô sem ser eletrocutado, 
então como passar pela porta fritar nos lasers e por aí vai. O problema não é muito a solução dos puzzles, que meio que fazem sentido e por sorte não são nada nível "a resposta é tomate porque banana não tem caroço" de um SAM & MAX HIT THE ROAD da vida e sim fazer as coisas na prática.


Isso porque esse jogo tem níveis primeiro ALONE IN THE DARK de controles ruins, deus como o combate desse jogo é troncho! Não fosse suficiente que você controla o combate desse jogo como se estivesse tentando digitar no teclado usando luvas de boxe, a quantidade de energia que você tem no jogo é estupidamente limitada. Sério, acho que eu contei uns 3 itens de cura o jogo inteiro - se chegou a tanto.

Isso faz com que vencer o jogo seja uma questão de dar perfect em basicamente todos os combates e com esses controles, não é uma tarefa humanamente fazivel. Embora seja legal o fato que o seu boneco ficar ensanguentado e andar mancando quando se está com pouca fica seja um toque incrível para a época, isso acontece com muita facilidade para o jogo ser aproveitavel. Você pode jogar o jogo com o combate na dificuldade easy, mas isso apenas torna o jogo meramente jogavel e nunca inteiramente apreciavel

Mas os cenários são ducaralho, isso é um fato

E se no combate isso beira a insanidade, na parte da ação (como pular ou correr para resolver puzzles) em que frequentemente você tem tempo limitado para agir é de uma atrocidade indescrítivel. Sério, a sensação de controlar esse jogo é que você está apenas sussurrando instruções na expectativa de que o jogo possa ou não te atender.

O mundo de Bioforge um mundo que constantemente te faz querer seguir em frente e ver o que vem a seguir, para te recompensar com um visual interessante, ou um lore bem escrito... para em seguida te fazer se arrepender de tomar a decisão de explorar esse mundo graças a esses controles.

Você gasta a barra de Energy para repor o seu health, só que não muito como repor o energy então o que você tem é o que você vê

Como com este estúpido quebra-cabeça de bomba cronometrada onde você tem que flutuar usando um artefato alienígena, pular sobre várias plataformas, correr através do fogo inimigo, em seguida, jogue a bomba com cuidado em uma porta e fugir antes que exploda, tudo dentro de alguns segundos.

Então Bioforge é um jogo mentalmente excitado de se ler e pensar sobre ele, mas jogar o jogo ...
O problema é que, em vez de apenas coçar aquela vontade de jogar um survival horror dos bons e velhos tempos do PS1, você frequentemente acabo com uma ferida infectada pelo combate terrível e sequências de quebra-cabeças de ação cada vez mais implacáveis.

Survival horrors não terem hud na tela e você ver o quanto de dano você tomou pela movimentação do personagem, mas foi Bioforge que colocou isso em prática pela primeira vez

É fácil ver tudo de positivo que Bioforge tenta fazer, e faz em muitas vezes, mas ao mesmo tempo, dá pra ver porque esse jogo incita ragequits em massa apenas alguns poucos segundos jogando ele. O que eu quero dizer é que eu respeito muito esse jogo de um ponto de vista artístico e narrativo, eu realmente acho que eles estavam com algo ótimo aqui, mas não chega a ser ótimo devido a própria jogabilidade.

E eles aparentemente sabiam disso, uma vez que houve uma atualização planejada chamado Bioforge Plus programado para sair com um sistema de energia do personagem melhorado, 
melhores armas e melhor combate. Mas as vendas fracas impediram que isso acontecesse, então esse acidente de trem aqui é tudo que temos realmente.

Valeu a tentativa, eu suponho, e hey, se você gosta de colecionar é uma caixa muito legal também para se ter na prateleira... desde que você saiba está se metendo.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 091