sábado, 11 de dezembro de 2021

[#789][SNES] NINJA GAIDEN TRILOGY [Agosto de 1995]


Vivemos hoje uma era em que é fato bem sabido e documentado que poucas coias vendem mais seguramente do que nostalgia. Se algo fez sucesso no passado, apenas meta uma embalagem novas e venda de novo porque as pessoas vão pagar para reviver "os bons e velhos tempos" - que frequentemente não são nem remotamente nem tão bons ou sagrados como vc lembra. Não, sério, Ghostbusters e Indiana Jones não são tão incriveis quanto vc lembra que são - são legalzinhos e tá bom.

Agora, sabe qual é a primeira memória de alguém tentar algo desse tipo de fazer uma grana em remakes? Da Nintendo. Pois é, a Nintendo que nunca lança um jogo ruim (pelo menos até agora) decidiu "hm, vamos dar uma mão de tinta em jogos antigos e vender de novo pq foda-se!". E quer saber? Porque a Nintendo é a fucking Big N, acabou ficando muito legal. Não, sério, SUPER MARIO ALL-STARS ficou bem legal mesmo: pegaram os jogos do Mario do NES (os três dele) e refizeram os gráficos, trilha sonora e deram uma guaribada na jogabilidade para serem um jogo de SNES de 1993. Algumas edições ainda adicional Super Mario All-Stars, fazendo esse jogo uma escolha sólida para qualquer dono de SNES. Três bons jogos do Mario (as vezes 4) com gráficos, musica e controles dignos de SNES? Fuck Yeah! SUPER MARIO ALL-STARS é um excelente remake.

Mas aí é que as coisas ficaram loucas: em 1995 a Tecmo olhou isso e ficou pensando "hey, nós podemos fazer isso que a Nintendo fez. Quer dizer, pegar três jogos de NES e dar um tapa pra fazer eles parecerem jogos de SNES? Easy breezy, lemon squeeze!".


Bem, não é algo impossível de ser feito afinal: um jogo de NES tem aproximadamente 25kb a 50kb de tamanho, um jogo de SNES tem de 2MB a 5MB de tamanho. Ou seja, espaço até sobra. O que nos remete a pergunta: o quão dificil essa tarefa realmente pode ser, não é verdade?

Então... muito. Porque, acredite ou não, eles conseguiram a façanha de fazer o jogo parecer PIOR no SNES do que era no NES. Com efeito, ele não apenas está mais feio, o som está muito pior, as fases estão com glitches e bugs que o original não tinha e a jogabilidade foi piorada também. Uau, parabéns a todos os envolvidos, apenas parabains! Parece tão fácil quando a Nintendo faz, não é?


I'm dead fucking serious, no remake o personagem tem o peso estranho, ele não chega onde você imaginou que ele chegaria e ele não "agarra" nas coisas como você achou que ele deveria agarrar. O que, em jogos que são lembrados por sua dificuldade parangaricotimirirruanta, é imediatamente uma sentença de morte.

Os gráficos também não estão legais, sai o visual iconico do NES e no lugar tem um personagem levemente menor com gráficos que claramente não são o NES... mas também não são gráficos dignos do SNES, com certeza não um jogo de SNES de 1995. Então eles conseguiram a façanha de fazer algo que não tem o certo charme do original com suas limitações... mas também não é um remake propriamente completo. O pior de dois mundos.


As linhas básicas da história - e Ninja Gaiden sempre foi um jogo muito cinematográfico - para todos os três jogos permaneceram inalteradas. Mais ou menos. Em Ninja Gaiden 1 Ryu agora tem a fala, "É desse o inferno que Malth estava falando", e Jaquio responde: "Damn!" em vez de "Argh!". Sim, descensuraram o "Damn", yay...

Mas aí você pensa "okay, isso não é muito, mas é alguma melhoria, certo?". Então, não. Quer dizer, por que diabos o sangue foi censurado em Ninja Gaiden 2? Como é possível que a versão NES tenha passado com sangue vermelho em 1989, mas em 1995 o sangue agora é verde na versão Super NES? Aqui sua censura é particularmente problemática - isso não é o sangue gratuito de Mortal Kombat que tem sangue apenas pq é legal ter sangue, sua presença na cena é essencial para a história! Se você não jogou o original talvez nunca saiba que a bolha verde gigante escorrendo pelo chão era para ser sangue e que isso tem um papel muito importante na cena que aparece!


Além de todas essas decepções, NGT tem uma longa lista de outros problemas: o jogo tem várias glitches e às vezes trava - o que, como eu comentei, não acontece no original. Estranhamente também não existem sequências de crédito finais em nenhum dos jogos - não que eu seja um fã ardoroso de nomes rolando nos créditos nem nada, apenas é... estranho. Algo bem mais importante que isso, entretanto, é que algumas cutscenes estão sem música, tiveram sua música alterada, estão faltando animações, não estão sincronizadas corretamente com a música ou encerram antes do que deveriam. Só alegria.

Agora, de todas as coisas às quais a Tecmo permaneceu fiel, o posicionamento dos botões no controle  não era necessário. Mas, sim, você realmente usa A para pular e B para atacar, em vez do B padrão para pular e Y para atacar - como é o padrão na maioria dos outros jogos de Super Nintendo. O método A/B é muito estranho em um controle de Super NES.

Como os controles funcionam em 99,9999% dos jogos de Super Nintendo

Como os controles funcionam especificamente em Ninja Gaiden Trilogy

Como dá pra ver, esses ports são catastróficos em todos os aspectos que se possa imaginar - o que podia ser feito de errado nesse jogo, a Tecmo fez e ainda inventou umas merdas novas. Porém, por pior que seja esse port, e ele é bem ruim, existe uma uma razão pela qual não posso dar a ele um "The Worst of": porque o material base ainda são bons jogos. Com efeito, teria sido necessário muito mais esforço da partes dos programadores para estragar Ninja Gaiden 1, 2 e 3. A ação iconica, o level design interessante, tudo dentre o melhor que o NES tem a oferecer está aqui, intacto e não editado de qualquer forma. Então apesar de ser um port hediondo, ainda é um port hediondo de um bom jogo e isso é alguma coisa.

Dito isso, vamos ver esses jogos mais de perto.

NINJA GAIDEN 1(1988)


Esse jogo já foi amplamente coberto antes, na matéria NINJA GAIDEN

NINJA GAIDEN 2: The Dark Sword of Chaos(1990)



No que diz respeito aos jogos de Ninja Gaiden, NG2 certamente não me decepciona... mas com certeza não é tão bom quanto o primeiro. Sabe aquelas continuações que são "o mesmo jogo com novas fases"? NG2 é essencialmente isso, apesar de ser dois anos depois do original (e não no ano seguinte, como usualmente é o caso nesses jogos). Não é ruim RUIM, mas hoje seria visto mais como um DLC do que um jogo inteiramente novo.

Mais uma vez, você está no papel de Ryu Hayabusa, enquanto ele abre caminho através de incontáveis inimigos do Reino do Caos. A jogabilidade é quase idêntica à de NG1, com apenas alguns pequenos ajustes e twists. 


Os gráficos de Ninja Gaiden 2 são um ligeiro avanço em relação ao original, mas como já discutimos nesse port isso não quer dizer tanta coisa assim - pra não falar nada. Mas saiba você que no original eles são menos granulados e, em geral, são mais detalhados e coloridos. O jogo também tem efeitos especiais que não existem no jogo original, como efeitos de paralaxe no background, relâmpagos que iluminam uma fase escura e nuvens que se movem no fundo durante uma luta contra chefe. O level design também está mais criativo - já que boa parte do jogo agora se passa no mundo das trevas - o que nos dá rios de chamas azuis fluindo e, minha favorita, uma fase com corações batendo embutidos nas paredes.

Eu sempre gostei do level design de Ninja Gaiden porque ao invés de plataformas mágicas flutuando no ar (como é em 99% dos jogos de plataforma), eles sempre tentam fazer com que as plataformas façam sentido dentro do cenário da fase e essa técnica talvez seja ainda mais eficaz no Ninja Gaiden 2 do que no NG1. Uma das minhas memórias mais claras do primeiro NG é o primeiro nível, que supostamente se parece com a cidade americana comum, mas tem uma quantidade ridícula de placas e prédios da Coca-Cola que parecem todos iguais. No final deste nível, você acaba na prisão e foge para o que parece ser o Grand Canyon. O que, eu ouso dizer, me faz pensar que TALVEZ os designers japoneses de Ninja Gaiden nunca tenham estado na América. A continuidade locacional em NG2 é um pouco mais realista, embora eu aprecie mais o charme do nonsense do primeiro jogo.

Cara, sério, olha como esse jogo é bonito no Nintendinho

Mas se a a estética de Ninja Gaiden 2 iguala ou ultrapassa a de seu antecessor, a história é onde ela dá um mergulho de boca no chão. Veja, uma das coisas pelas quais o primeiro NG é mais lembrado é que é um dos primeiros jogos a investir pesado em narrativa: todas as fases tem uma cutscene após ela e o jogo se desenrola como um filme (bem brega, verdade) que você veria passando na Band. 

Então tem agentes do FBI, traições, ninjas, cenas ultra bregas que você acha que foi traido mas a pessoa está atirando em alguém que ia te pegar pelas costas, você sabe, a coisa toda.

Uma tipica cutscene de Ninja Gaiden 1

Em Ninja Gaiden 2... não tem esse charme de filme brega. Somos apresentados a um novo vilão, um demonio malvado chamado Ashtar que era o chefe do vilão do jogo anterior e que  afirma ser o Imperador das Trevas. Ashtar sequestra Irene Lew, a mulher que Ryu conheceu na primeira aventura, e grande parte da história é uma grande perseguição pelo Labirinto das Trevas enquanto você tenta rastrear Ashtar e impedir seus planos malignos. E é isso. Não tem as reviravoltas bregas do Ninja Gaiden original e a coisa toda tem um grande feeling de "yada yada, ninguém se importa"

Not cool, man. Not cool.

... enquanto no Trilogy o jogo parece bem bland para um jogo de SNES

A jogabilidade, como eu disse, é basicamente a mesma do anterior com apenas duas grandes diferenças: Ryu agora pode escalar paredes. No Ninja Gaiden original, Ryu só podia grudar na parede e então pular, agora quando você gruda na parede você pode subir ou descer. O que é muito mais prático e eu realmente tinha esquecido que não foi sempre assim - então pontos pra vc, NG2.
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A outra coisa que esse jogo faz de original é que Ninja Gaiden 2 tem a característica incomum de "shadow ghosts". Agora Ryu mete um jutsu de clone do Naruto e cria dois clones das sombras laranjas que seguem atrás dele e imitam cada movimento seu. O que aumenta sua quantidade de ataques na tela e ganha NARUTAGEM POINTS, então é legal. Narutagem points sempre são legais.


É uma pena que Ninja Gaiden 2 seja meio que "o mesmo jogo com novas fases" e não uma continuação que leve a franquia pra frente, como Castlevania 3 foi por exemplo. Mas ainda é um jogo de plataformas sólido e decente que é totalmente jogavel. Mas eu definitivamente ficaria com o primeiro, as cutscenes de filminho tosco de "sessão Kung Fu" definitivamente fazem muita diferença - especialmente numa época que isso nem existia.

NINJA GAIDEN 3: The Ancient Ship of Doom(1991)


Por um motivo que não me é muito claro, Ninja Gaiden 3 foi o jogo mais popular da franquia no Brasil - qualquer locadora de bairro tinha uma cópia pirata desse jogo e é relativamente simples encontrar gente que cresceu jogando NG3 mas nunca tinha tocado em NG 1 e 2. Alias o mesmo efeito de MEGA MAN 3, aparentemente os importadores paraguaios gostavam de jogos com 3?

Seja como for, Ninja Gaiden 3 foi o único da série que eu efetivamente joguei quando criança e é claro que foi um que eu não consegui passar da primeira fase exceto por uma ou duas ocasiões. Também é o primeiro jogo que eu lembro de ter visto a opção de passwords, e na época eu não fazia a mais remota ideia do que era aquela opção que tinha uns simbolos na tela e nada acontecia - eu tenho claramente a memória de "ficar preso" nessa tela e ter que reiniciar o jogo. Eu não era uma criança muito brilhante, tá bom?

Se parece que The Messenger é especialmente baseado nesse jogo, é porque é mesmo

Seja como for, apesar de ser lançado apenas um ano depois do segundo, NG3 tem bem mais cara de continuação do primeiro do que "mesmo jogo com novas fases". Isso quer dizer, principalmente, que a jogabilidade foi bem mexida aqui: agora Ryu não apenas é mais ágil para responder aos seus controles como pode andar pendurado pelo teto e, mais importante, sua espada pode ser upgradeada para dar um ataque que alcança maior - lembrando bastante o ataque de STRIDER.

As respostas mais rápidas do personagem e uma arma com ataque de maior alcance acabam por fazer deste o jogo menos dificil da série. Claro, o "menos dificil" de Ninja Gaiden ainda é um exercicio de insanidade e molhos flamejantes de tão dificil, mas com certeza esse é o mais gostoso de se jogar dos três.

Novamente, olha como a paleta de cores funciona bem melhor no original do NES

Alem desse essencial, existem inúmeras melhorias na qualidade de vida que tornam esta experiência mais tranquila. As velas que dropam são transparentes, permitindo que agora você veja seu conteúdo antes de pegar o item. Isso é importante porque você pode agora escolher se quer trocar o seu power up ou continuar com o que já está ANTES de atacar a vela pra ela dropar o item, o que te faz perguntar pq não foi sempre assim já que Castlevania fazia isso pelo menos 5 anos antes já. 

Mas talvez a mudança mais importante e que torna esse jogo mais respirável paramim é que os inimigos não respawnam mais se você se mover cinco centímetros. Palavras não podem expressar o quanto isso era necessário, em nome de todos os antigos deuses e dos novos. O grande problema de Ninja Gaiden é que os inimigos sempre respawnavam se você recuasse um milimetro que seja (o que é frequentemente necessário pra evitar se atingido por um projétil) e não ter mais isso trás uma paz de espirito que vocês não tem ideia. 


Para compensar isso, a versão americana do jogo decidiu "compensar" fazendo com que os inimigos causassem mais dano, os continues que eram infinitos (embora você precisasse recomeçar a fase do começo e isso já era punição suficiente) agora são apenas 5 e os passwords foram retirados. Isso porque nessa época, 1991, as videolocadoras já estavam plenamente estabelecidas no ocidente e era comum os jogos serem modificados deixando eles mais dificeis para que a criança fosse obrigada a comprar o jogo, ao invés de conseguir terminar numa sentada só. Não raramente, isso tornava os jogos ocidentais ruins mesmo que a sua contraparte japonesa fosse boa (a Sega adorava fazer isso, vide DYNAMITE HEADDY e STREETS OF RAGE 3), e esse jogo não é exceção. 

A versão japonesa do jogo é a melhor edição de Ninja Gaiden para NES, mas a versão americana beira o injogavel. Não é incomum ver cinco ou seis inimigos surgindo de uma vez, o que na maioria dos casos leva a uma morte rápida mas não indolor.


Do ponto de vista tecnico, poucos títulos NES forçaram o sistema tanto quanto este jogo. Estamos falando de quatro camadas de paralax no background, bem como de objetos de primeiro plano. A maioria dos jogos de 16 bits nem mesmo ousa tentar fazer isso. Não importa o quanto o jogo abarrote de inimigos na tela, ele nunca dá slowdown também - é realmente incrível o quanto a Tecmo foi capaz de extrair do Nintendinho, esse é facilmente um dos dez jogos mais bonitos para a plataforma e tecnicamente roda macio o tempo todo.

Com efeito, a versão desse jogo no Ninja Gaiden Trilogy é a mais bugada das três e é comum o jogo quebrar e você cair pra fora da tela, ou algo assim. Sejá lá o milagre que foi feito para o jogo funcionar no Nintendinho, não era apenas questão de copiar e colar para o SNES e o resultado não é bom.

Nani?!?

Eu deixei a parte narrativa para o fim, porque é a mais polemica a respeito desse jogo. Frequentemente esse jogo é criticado justamente por abandonar suas raízes "filme de ninja brega" e ir estranhamente para uma abordagem "sci-fi de orçamento B", tendo mais haver com Alien e Lovecraft do que com Hattori Hanzo.

Então, é, eu entendo pq as pessoas estão incomodadas com a mudança porque pessoas odeiam mudanças. Mas a coisa é, da forma como eu vejo, que a essencia da experiencia não mudou tanto assim: antes você tinha um filminho brega sobre ninjas, agentes da CIA e traições. Agora você tem um sci-fi trash, mas não menos brega. Mudou o genero, mas a cornyness da coisa continua a mesma e não é isso que importa no fim do dia?

A trágica história do menino Clancy que se perdeu nos tóchikos

Pra mim é.

A história aqui, que se passa entre o 1 e o 2, é que a cocotinha do nosso herói Irene começa o jogo sendo assassinada ... pelo próprio Ryu? Dafuq, man?


Obviamente que o verdadeiro Ryu vai investigar... apenas para se deparar com uma grande conspiração envolvendo dimensões paralelas, clones, lifestream e... the ancient ship of doom? Como isso sequer possivelmente se conecta uma coisa na outra? Bastante simples: dialogos bregas e plot twists bizarros, como realmente esperamos de Ninja Gaiden.

Então é diferente, inteiramente diferente, mas a essencia permanece a mesma. Entende o meu ponto agora?


Assim, somando a tackysse das cutscenes do primeiro jogo com gameplay melhorado, Ninja Gaiden 3 é o melhor dos três jogos de Nintendinho - ao menos a versão japonesa, a americana é injogavel por causa da dificuldade. Não é algo ao nível de um Castlevania 3 da vida (alias eu percebi o quanto esses dois jogos são parecidos), mas até onde a Tecmo é capaz de fazer e até onde Ninja Gaiden é capaz de oferecer no Nintendinho, não tem como fazer muito melhor do que isso realmente.

Se por algum motivo eu tivesse que escolher apenas um Ninja Gaiden para jogar, definitivamente essa é a escolha a ser feita. Em que espécie de situação vc teria que fazer essa escolha, entretanto, seria uma situação bastante especifica.

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Edição 139 (Maio de 1999)


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