domingo, 30 de abril de 2023

[#1098][Ago/96] HEIR OF ZENDOR: The Legend and the Land (ou "Gotha 2" no Japão)


Eis aqui um jogo que eu quase pulei pq a Ação Games colocou uma foto que dava a entender que era um shmup, então vida que segue próximo jogo, certo? Bem, então, não. Olhando com mais cuidado vamos ver que ele é um jogo de navezinha sim, mas não é um shmup e sim um RPG Tático de naves.

E, saiba você ou não, um RPG Tático com naves não é algo sequer novo. Com efeito, esse jogo é a adaptação de um boardgame que existe a pelo menos uns 50 anos e tem uma cena bastante considerável dentro do universo dos boardgames. Claro que a Ação Games não sabia disso em 1997, mas esse jogo é uma rara adaptação de um Air Wargame, e é isso que veremos a seguir.


Então, um Air Wargame é um jogo de tabuleiro bastante simples: vc tem aviões com movimentações pré-definidas e alcance/dano dos tiros pré-definidas conforme o modelo do seu avião. Então, como você pode imaginar, existem aviões que causam pouco dano e avançam muito, aviões que causam muito dano e andam pouco e toda sorte de variação entre isso (como carregadores que existem apenas para reabastecer os coleguinhas).

A questão é: COMO você calcula as distancias que um avião anda ou seu tiro alcança em um jogo de tabuleiro? Super simples: com uma fita métrica. Eu quero dizer, literalmente medindo mesmo:


Um toque adicional a esse tipo de jogo é que os tiros também tem um angulo do qual eles podem ser disparados, que novamente depende do tipo de munição (e cada avião já tem pré-definido que tipo de munição ele carrega).

E como você define o angulo de ataque de cada nave? Mais uma vez, medindo:


E obviamente sendo um jogo, existe um fator de incerteza no combate. Assim, cada jogo usa suas próprias regras para determinar se um ataque acertou ou não, mas o mais comum é utilizar dados para introduzir a aleatoriedade.

A maior parte das partidas de um air wargame envolvem destruir o adversário, mas também existem missões de escoltar determinar alvo ou navegar em terrenos dificeis (cadeias de montanhas ou campos de asteroides nos jogos espaciais).

E morreu

HÃ, TÁ, EU ENTENDI POR CIMA COMO SE JOGA UM AIR WARGAME... MAS ERA REALMENTE NECESSÁRIO EXPLICAR ISSO PRA FALAR DO JOGO DE HOJE?

Na verdade é sim. Pq quando você não entende que Herdeiros de Zandor é a adaptação quase literal desse tipo de jogo que eu descrevi, e se você não julgar ele por essa proposta... bem, ele parece meio vazio para um RPG Tático. Que é como a Ação Games julgou ele, saiba você.

A história do jogo é surpreendentemente épica, contando a história de um planeta colonizado e tecnologias antigas descobertas e ressuscitadas - e a guerra que se seguiu por causa dessa tecnologia. A coisa é que o diálogo é ridiculamente filosófico, com discussões de profundidade "tenho 14 anos e isso é profundo" sobre Deus, tecnologia e humanidade. Pra melhorar, essas cenas grandiosas contrastam fortemente com os gráficos simples e pixelados do jogo, e a disparidade é bem cômica. 

A questão que tem que ser feita nesse caso é: esse jogo é bom? Ele funciona? É divertido? Então... pra mim, ver o nome Micronet associado a qualquer jogo me trás flashbacks do Vietnam. O primeiro jogo que joguei deles, HEAVY NOVA, é algo com o que eu ainda tenho pesadelos toda vez que eu fecho meus olhos, o horror que não pode ser imaginado queimado eternamente em minhas retinas.

Depois disso, não toquei em nada deles por alguns anos, até que novamente fui confrontado com outro de seus horrores dantescos,  DEADALUS (ou "Robotica" nos EUA). O nome deles não estava em nenhum lugar da caixa, mas eu devia ter sentido sua aura de sofrimento e dor que emanava como um miasma negro sugando toda esperança do comodo de onde passavam. 


E, com efeito, assim que cheguei à tela de título do jogo, fiquei horrorizado ver o nome deles estampado no canto inferior direito... Malditos sejam esses ninjas! E, como não podia deixar de ser, este jogo também acabou sendo nada senão ... dor. Apenas dor.

Depois das minhas experiencias com os jogos da Micronet... eu não posso realmente dizer que estava animado com as perspectivas para esse jogo. Era realmente possível que a Micronet produzisse apenas jogos terríveis? Essa equipe de desenvolvimento foi realmente criada pelo Coração Gelado como parte de outro de seus esquemas malignos para ... cara, não vou dizer que lembro que o que o Coração Gelado queria dos Ursinhos Carinhosos... mas suponho que não era nada bom, isso eu posso dizer!



Enfim, o ponto é que temos aqui um jogo novo da Micronet e vamos descobrir se existe um jogo da Micronet que não seja uma pilha flamejante de lixo. Bem ... mesmo antes de começar o jogo, Herdeiro de Zendor não parece muito promissor. Em primeiro lugar, é um jogo do Saturn do qual eu nunca ouvi falar, o que é incrível porque o Saturn no ocidente não teve tantos jogos assim, então é estanho ter um jogo lançado aqui tão desconhecido. 

Pesquisando sobre o jogo, descobri que é na verdade uma sequência ("Gotha 2" é o seu nome japonês) de um jogo de Saturno que nunca viu a luz fora do Japão, isso ... isso não ajudou a eu me acalmar muito realmente.Ver as imagens do jogo também não ajudou, já que é apenas um monte de ângulos confusos e cenas que não explicavam nada. 


Porém, quando eu comecei a jogar o jogo rapidamente entendi que era um adaptação em videogame de um air wargame... e isso também não fez eu me sentir melhor. O que eu ouvi falar do jogo anterior de "estratégia" deles, Warrior of Rome, não é nada que inspire confiança realmente.

Então, munido de todas essas preocupações eu corajosamente segui em frente, continuei jogando os Herdeiros de Zendor e... acabei jogando por duas horas e meia seguidas. Provavalmente você está imaginando a essa altura que eu continuei jogando pq estava paralisado pelo horror e angustia, como um coelho paralisado na beira da estrada pelos farois de um carro se aproximando em sua direção.

O jogo é surpreendentemente informativo sobre sua movimentação, avisando quando vc está dentro do alcance das suas armas e até se você está numa distancia/angulo que o inimigo pode atirar de volta, então existe uma questão estratégica de pegar os inimigos por trás pra não tomar contraataque na sua jogada


O que eu imaginava que seria o caso antes de jogar o jogo, mas uma vez que eu joguei ele... não. Eu continuei jogando porque estava em completa negação a respeito do que eu estava testemunhando: um jogo da Micronet que não é muito ruim. Eu continuei a fazer isso por mais algumas horas, esperando que algo verdadeiramente ofensivo saltasse na minha cara, esse é um jogo da Micronet afinal, mas no fim o resultado foi sempre o mesmo: o jogo é um air wargame que emula como é jogar em um board game... e não faz nada particularmente errado nisso.

Mais do que isso realmente: esse jogo é realmente longo porém suas missões trazem todo tipo de cenário que você pode imaginar ser explorado com esse genero - e eu vou dizer que até mesmo gostei das missões de escolta, algo que NUNCA acontece em um videogame. Tem algo legal a respeito de defender um transportador lento e pesado, criando linhas de defesa aereas para conter os avanços inimigos. 


Claro, você pode argumentar que um air wargame de 10, 15 horas pode ficar um pouco repetitivo, mas isso não é realmente culpa da Micronet, é? Eles fazem tudo que você pode esperar de um jogo com essa proposta: a movimentação das naves, os angulos de tiro, eles até vão além e criam um sistema de experiencia para premiar as suas unidades que sobrevivem!

No que dava pra fazer com essa proposta de jogo, e eu reconheço que é uma não tão ambiciosa assim... eles fizeram tudo certo! Então, se você quer um título de estratégia longo, simples e baseado em um board game que você não tem amigos para jogar [música triste do Naruto começa], Heir of Zendor é o jogo com o qual você sempre sonhou!


Ok, sim, isso não parece uma grande experiência. Na verdade, Herdeiro de Zendor é puramente um título mediano - que por acaso tem uma boa trilha sonora - no entanto, um jogo mediano que não faz nada errado vindo da Micronet, de todos os desenvolvedores? É um fodendo milagre.

Talvez haja esperança para a raça humana, afinal...

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 120 (Setembro de 1997)



MATÉRIA NA GAMERS
Edição 011 (Setembro de 1996)