sexta-feira, 21 de abril de 2023

[#1091][Jun/96] LAST BRONX

Eu já comentei várias vezes sobre o cenário de jogos de luta nesse período específico de 1997: haviam dois cenários completamente diferentes entre si de joguinhos de pessoas socando-se umas as outras. Nos campos dos jogos 2D a luta era entre a SNK e a Capcom (representadas principalmente, mas nem de perto exclusivamente, pelas séries THE KING OF FIGHTERS e STREET FIGHTER, respectivamente).

Nos arcades de luta 3D, entretanto, a situação era completamente diferente e as duas não davam nem pra saída. Aqui quem mandava era a Namco e sua antiga rival dos fliperamas, a Sega (com as séries TEKKEN e VIRTUA FIGHTER, respectivamente). Esse antigo e equilibrado conflito mudou bastante quando a Namco abalou a boca do balão com seu brilhante e novíssimo jogo de luta 3D baseado em armas, SOUL EDGE

O que foi um puta sucesso e, obviamente, exigia uma resposta da Sega. Essa resposta da Sega nos jogos de luta 3D com armas (estamos entrando em nichos bem especificos aqui, huh?) foi Last Bronx. Porém a Sega sendo a Sega, esse jogo não foi apenas "um jogo de luta para responder a SOUL EDGE", não! Ele foi, acreditem ou não, uma declaração artística a respeito da situação economica do Japão e que foi uma das maiores campanhas de marketing da empresa em todos os tempos!

Então, como de costume, vamos começar aqui do começo e dessa vez eu quero dizer REALMENTE do começo!


Isso pq até a segunda guerra mundial, o Japão era essencialmente um país agrícola medieval. Após tomar um talagasso do tamanho do mundo na guerra e toda estrutura do país ser reduzida a pó (em muitos lugares como Hiroshima e Nagasaki, literalmente), o Japão essencialmente pensou "hmm, vamos tentar uma coisa diferente?".

Usando muito do capital americano, que viu ali uma oportunidade de investimento única (não é todo dia que vc tem uma folha em branco para reconstruir um país inteiro), o Japão então se reconstruiu diferente do que era. Agora, focando em educação, industrialização e tecnologia. E o resultado foi um dos maiores crescimentos economicos e de qualidade de vida da história da humanidade, em menos de 40 anos o Japão passou de um lugar que não era muito diferente do interior de Ceilandia-GO para a capital tecnologica do mundo.

Tanto isso é verdade que toda literatura cyberpunk dos anos 80 se baseia em um futuro que as megacorporações japonesas vão dominar o mundo, deixando mesmo governos no chinelo. Porque até aquele momento parecia que era isso que ia acontecer inevitavelmente. Em dado ponto, a bolsa de valores japonesa representava 40% de todo dinheiro que circulava no mundo.


O que, para surpresa de ninguém, não deixou as grandes potencias do mundo realmente felizes. Nos anos 80 foram tomadas medidas protecionistas na economia mundial que encareceu o ien e dificultou a exportação, fazendo com que a bolha japonesa de crescimento vertiginoso finalmente estourasse.

E quando uma bolha economica estoura, vc sabe o que vem a seguir: empresas quebram, desemprego, economia interna cai, todo um dominó de desgraça que dura alguns anos até a terra arrasada passar e as coisas voltarem ao normal... exceto que o governo japonês não deixou esse movimento natural de dor e cura acontecer.


O governo gastou uma grana federal e mais todos os truques que dispunha (mexer na taxa de juros, cambio, empréstimos, concessões) para manter viva por aparelhos uma economia morimbunda. Se o governo apenas deixasse a coisa estourar a crise seria terrível a um primeiro momento, mas provavelmente as coisas se estabilizariam mais cedo ou tarde. A escolha do governo japonês, entretanto, foi não permitir que isso acontecesse e desde os anos 90 a economia japonesa se encontra em um estado de coma induzido onde nada realmente muda (nem para melhor, mas um tanto para pior) e é efetivamente conhecida como "economia zumbi".

Imagine um país onde é muito dificil empresas fecharem produzam elas algo de valor ou não, e é muito mais dificil ainda novas surgirem não importa que demandas precisem ser atendidas. Um país onde inúmeras empresas existem apenas para receber auxílio do governo e manter as pessoas empregadas em empregos decorativos, sem produção real de valor. Um país onde a única coisa que realmente acontece é a manutenção do status quo morimbundo, num coma induzido que dura 30 anos... esse é o Japão.


Não por acaso, esse período dos anos 90 foi conhecido como "decada perdida", até porque na época ninguém imaginava que essa decada virariam 3 decadas e sem previsão de terminar tão cedo. E, acreditem ou não, The Last Bronx, esse joguinho aqui da Sega, é um jogo sobre isso.

Mais especificamente, sobre a geração dos anos 90 que descobriu que o meme "quando chegou a minha vez de ser adulto" era terrivelmente real.


No original japonês, esse jogo se chama "Tokyo Bangaichi" - algo como "Tóquio Wasteland", numa tradução livre - e é sobre um futuro distópico da forma pessimista como a juventude japonesa dos anos 90 imaginava que a coisa caminhava. Então esse jogo retrata um apocalipse economico japonês, o declínio de uma sociedade envelhecida e uma certa mudança nas normas culturais. Isso se reflete no estilo de roupas da contracultura dos anos 90 e nas histórias dos personagens. Cada lutador é de uma gangue rival e representa diferentes interesses e elementos da sociedade.

Tokyo Bangaichi não hesita em fazer uma crítica social foda sobre a mudança da sociedade japonesa nos anos 90 e como os movimentos de contracultura de uma juventude sem perspectivas encarariam esse futuro ferrado. 


Sério, pergunte a si mesmo quantas protagonistas lésbicas você consegue lembrar em jogos? Possivelmente não muitas e estamos vivendo em uma sociedade várias décadas após o lançamento de Last Bronx. No entanto, foi exatamente isso que obtivemos no Last Bronx. Temos Nagi, que é a líder de uma gangue feminina, e o jogo não faz concessões ao contar sua história.

Imagine, se puder, um jogo de luta onde todos os personagens tem essa pegada meio Cidade de Deus, uma gente que foi largada a própria sorte pelo Estado e agora tenta se virar em um futuro ferrado e você vai entender o ponto do futuro distópico de Tokyo Bangaichi.


Mesmo os backgrounds dos personagens costumam ser usados para enfatizar os temas do jogo, Lisa por exemplo é produto de uma gravidez adolescente entre sua mãe e o filho de um rico advogado americano, abandonando Lisa aos avós para que ela pudesse morar nos Estados Unidos. Esse nível de comentário social demonstra por que Last Bronx fez uma transição tão fácil para mangás, radio dramas e mesmo um longa metragem direto para VHS, o que claramente ressoou com a realidade do público japonês.

O que é, de fato, muito interessante porque não é todo dia que jogos dos anos 90 se prestam a críticas sociais sobre as ansiedades e preocupações de sua geração, e muito menos um jogo japonês dado que japoneses não são muito proeminentes em se manifestar artisticamente em midias como animes e videogames.



E enquanto tudo isso é muito interessante e muito bom, ao mesmo tempo é um problema. Porque afinal, esse jogo para fazer sentido precisa ser visto por uma ótica particularmente japonesa do seu tempo... e exporta-lo para o ocidente seria complicado, para dizer o mínimo.

Como você justifica um jogo baseado nos movimentos de contracultura de uma sociedade que está gerando desesperança, quando o publico ocidental sequer faz a mais remota ideia de que sociedade era essa? Lembrem-se que esse eram tempos que a internet ainda era movida a lenha, as pessoas sabiam tanto sobre a realidade da sociedade japonesa quanto sabiam sobre a vida dos gnus na Africa Sub-sahariana.



Então, obviamente, muitos elementos da Geração Perdida do Japão e o empoderamento da contracultura simplesmente não clickaram com os públicos ocidentais na época. A Sega, por exemplo, colocou um grande esforço em reproduzir cenários urbanos de Tóquio em uma versão corrompida e abandonada deles - imagine um jogo de luta brasileiro que se passa numa versão suja e pós-apocaliptica das escadarias de Salvador, por exemplo.

Só que para o publico ocidental que não conhece esses cenários em primeiro lugar e porque a versão imunda deles é um choque (especialmente no Japão!), parecem apenas cenários pós-apocalipticos genéricos. O resultado foi que esse é um jogo que passou batido por muitos no ocidente pq ele parecia apenas um jogo de luta genérico levemente pós-apocaliptico quando você não entende o contexto de onde ele veio e o que aqueles personagens e cenários representam.

E sabendo disso, tendo ciencia que seus temas não seriam sequer compreendidos pelo publico ocidental, o marketing da Sega entrou em ação e... boy, oh, boy... aí a Sega segou segamente, né?


Sério, imagine que você não passou os últimos minutos lendo a minha explicação socioeconomica da onde os personagens e cenários desse jogo vem, e no lugar disso tudo que você tem é essa propaganda que anuncia o que qualquer um interpretaria como o jogo mais genérico já concebido pelo homem!

Quero dizer, Sega, sério mesmo:


Eu quero dizer SÉRIO MESMO QUE PORRA É ESSA QUE TU TÁ FAZENDO, IRMÃO?!?


Então, para surpresa de absolutamente zero pessoas, o resultado disso é que Last Bronx é um grande sucesso nos fliperamas japoneses, mas no ocidente passou apenas como "outro jogo de luta 3D genérico" sem chamar atenção de ninguém.

O que é realmente uma pena, pq esse jogo não é ruim realmente. Pelo contrário, se tem alguma coisa que esse jogo NÃO é, é ser apenas uma cópia sem alma de SOUL EDGE (como o marketing pode ter te levado a acreditar)

Last Bronx está em uma posição um tanto única como jogo de luta pq ele se abstém do fantástico. Ao contrário de jogos como SOUL EDGE onde os personagens tem armas gigantes, personagens coloridos (o que foi lido no ocidente como "mais carismáticos") e movimentos bastante animezisticos, Last Bronx tem sua mecanica mais baseada na temática que ele propõe. Ou seja, aqui ao invés de gente colorida e feliz com seus espadões, temos um combate muito mais visceral e pesado.



Em Last Bronx, as armas infligem grandes quantidades de dano, o que significa que mesmo o mais básico dos combos pode encerrar um round. Essa brutalidade intencional se reflete nos limites de tempo padrão por round, onde o padrão inicial é de 30 segundos. As lutas em Last Bronx são um reflexo preciso da temática proposta pelo jogo: desagradáveis, brutais e curtas. Não há romantismo a ser encontrado aqui, apenas golpes duros como a realidade que o jogo critica.

Então de certa forma, e vai parecer estranho dizer isso, eu diria que LB tem mais em comum com BUSHIDO BLADE do que com SOUL EDGE realmente. Com o combate sendo tão brutal e que pode ser decidido em um combo, o jogo se baseia mais em bloqueio e procurar aberturas na defesa do oponente do que só spammar seu espadão louco. Existe um numero bem limitado de vezes que uma pessoa consegue levar com um nunchaku na boca antes de cair, afinal.


Então bloquear e contra-atacar se tornam virtudes, mas para evitar uma dependência excessiva de técnicas defensivas, os agarrões são introduzidos. O uso excessivo do bloqueio acaba se tornando perigoso pq expõe o seu personagem a ser agarrado. Por outro lado, vc pode abortar um movimento de ataque com um toque no botão de defesa, o que permite que fintas sejam usadas para atrair um oponente para fora da sua defesa. Você finge uma abertura no seu ataque, o cara sai do block todo felizão e aí sim, CATAPOW

Isso cria um ritmo de luta bem único e brutal, tudo ocorrendo em uma claustrofóbica arena murada com uma intensidade que poucos títulos podem se orgulhar de igualar. 


Essa mecanica é outra coisa que explica um pouco porque Last Bronx não teve no ocidente uma fração do sucesso que teve no Japão. Com um mercado de jogos de luta tão competitivo, ninguém parava pra prestar muita atenção que o sistema de luta de LB é mais complexo do que lutas que podia imaginar de uma porradaria que durava menos que 30 segundos.

Não em um jogo onde os personagens pareciam apenas genéricos e comuns para o publico ocidental, especialmente quando não entendemos o contexto e apenas o comparamos com uma tradição de lutadores fantasiosos como Street Fighter, Soul Edge/Blade, Battle Arena Toshinden e Tekken.


Embora o destino do jogo estivesse destinado a ser um título amplamente esquecido no Ocidente - nem mesmo atingindo o nível não-tão-alto de popularidade de Fighting Vipers - Last Bronx definitivamente não merece isso. É um jogo de luta muito bem construído tanto mecanica quanto narrativamente, e um legitimo acerto da Sega em um dos raros campos que a Sega era genuinamente quase impecável: nos arcades.

PRA VOCÊ ELOGIAR A SEGA NESSE BLOG, DEVE SER ALGO INCRÍVEL MESMO...

Eu sempre defendi que a Sega era (e ainda é) excelente nos fliperamas. É na hora de trazer pra dentro de casa que eles fazem mais feio que encoxar a vó no tanque. 

AGORA SIM VOLTAMOS A PROGRAMAÇÃO NORMAL!

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