sábado, 1 de abril de 2023

[#1076][Jun/97] MISCHIEF MAKERS (ou "Yuke-Yuke!! Trouble Makers" no Japão)


Na nossa prosopopeica jornada pelo coração pungente dos videogames, eis aqui um jogo que eu tinha bastante curiosidade a respeito. Isso pq a sua desenvolvedora, a Treasure, é uma empresa bastante curiosa em primeiro lugar. O quão curiosa, vc pergunta?

Bem, eis a shambalaia: a Treasure entrou para o mapa dos videogames não apenas pq ela fazia jogos exclusivamente para o Mega Drive, como os jogos dela eram tecnicamente superiores aos da Sega. Com efeito, MUITO superiores e eles tiravam coisas do Megão da Massa que a própria desenvolvedora do console não sabia que era possível fazer - taí algo que não acontece todo dia, tenho que dizer. Tá que é a Sega e patetice é sua principal qualidade, mas ainda sim.

E a capa japonesa vence mais uma vez, como de costume

Fundada por ex-funcionários da Konami que queriam poder fazer menos franquias e sim jogos mais ousados e criativos, a Treasure puxou o Mega Drive ao limite absoluto com jogos como GUNSTAR HEROES e fez o mesmo com o Sega Saturn em GUARDIAN HEROES. Então quando se anunciou que a Treasure estava desenvolvendo um jogo para o console mais poderoso da época, o Nintendo 64, todo mundo parou para ver o que sairia da primeira empreitada dos caras longe da casa do Sonic.

E é sobre esse jogo que falaremos aqui hoje.


Mischief Makers é uma obra composta de várias partes que, como eu posso colocar... vamos chama-las de incomuns. Tal é verdade, que chamá-lo de um jogo "estranho" é provavelmente a melhor abordagem para explicar esse jogo. 

E, de certa forma, toda estranheza começa por ser um jogo de plataforma 2D lançado para o Nintendo 64. Em 1997, jogos 3D eram a grande batata crocante do momento e não muita gente colocava esforço em fazer os bons e velhos joguinhos de plataforma que dominaram a era 16 bits. Quer dizer, sério, estamos já nos jogos de 1997 e os jogos de plataforma ainda são quase o dobro do segundo colocado (luta).

Nenhum grande jogo começa sem um velho tentando molestar uma menina que ele criou, é o que eu digo... não, espera, o que?

E se jogos de plataforma já eram raros nessa geração, mais raro ainda eram no Nintendo 64: de cabeça assim eu consigo lembrar de apenas dois títulos (esse e um jogo do Yoshi que falaremos em breve), mas mesmo somando os que eu não conheço não devem dar mais que 10 em toda biblioteca do N64.

Nascia assim Mischief Makers, um jogo de plataforma 2D extremamente imbuído de um espírito de tentar pensar fora da caixa e sem muitos limites. Mas até aí tudo bem, magrão. 


Apesar desse coração selvagem e criativo, eu tenho que dizer que Mischief Makers segue um enredo bastante padrão. Marina é um robô criado pelo distraído professor Theo, trabalhando simultaneamente como sua assistente, guarda-costas e empregada doméstica. Embora seria interessante o jogo ser sobre uma batida da Justiça do Trabalho brasileira, temo dizer que não é.

Um dia, a dupla está visitando o planeta Clancer e Marina sai para explorar o local. Enquanto ela faz isso, no entanto, o professor Theo é sequestrado por um grupo de locais que servem ao Império do Mal. Tentando rastreá-los, a heroína logo chega a um vilarejo onde fica sabendo mais sobre os recentes problemas do lugar: como se vê, os habitantes do planeta são muito inocentes por natureza e infelizmente essa característica tem sido usada pelos bandidos para manipular muitos deles para ajudar sua causa. Além disso, ela descobre que este misterioso Império do Mal tem planos não apenas para controlar o Planeta Clancer, mas também o próprio universo. Sem saber como o professor Theo se encaixa nesses objetivos, mas muito determinada a resgatá-lo e ajudar os habitantes locais, Marina parte em sua aventura.


O problema aqui não é exatamente a história ser o mais básico possível para um jogo de plataforma (alguem foi sequestrado pelo Império do Mal, go go go), até pq quem se importa com história em jogos desse tipo, certo? Então, só que aqui importa.

Isso pq um dos detalhes únicos de Mischief Makers é que, enquanto a maioria dos jogos de plataforma  abandona seu enredo após os momentos iniciais e só volta a ele no final do jogo, esse não é o caso desse jogo peculiar para o Nintendo 64. À medida que o jogador avança pelas fases, não faltarão momentos em que a trama será desenvolvida, seja por pequenas cutscenes antes ou depois das fases ou por personagens encontrados nas próprias fases, já que – em mais uma coisa incomum para um jogo do gênero – muitas fases têm moradores com quem Marina pode conversar.


E esse é meio que o problema aqui. Se vc vai colocar a história como algo importante para o seu jogo e fazer o jogador passar varios minutos lendo dialogos e etc, então é bom essa ser uma boa história. Eu não implico com a história do jogo ser bem bosta se ela não faz diferença, mas se vcs estão enfiando a trosoba na minha cara como conteúdo não pulavel do jogo então passa a ser importante a narrativa ser boa.

E infelizmente com Mischief Makers esse simplesmente não é o caso. O início comum da quest não se transforma em um enredo notável à medida que progride. Em vez disso, é um conto bastante esquecível que parece saído de um anime ruim - com uma ou duas "reviravoltas" que parecem entrar e sair tão aleatoriamente que parece que foram adicionadas como filler.  Veja, não é que eu não goste do estilo caricatural de vilões bocós do jogo, algo que beira a paródia de animes mediocres com seu vilãozão do mal que odeia o bem e seus quatro generais malignos, mas o jogo te atulha de dialogos que vão do nada a lugar nenhum com tanta frequencia que eu não posso ignorar que eles estão no jogo e isso não é legal, cara. Not cool, man.


Claro, não é algo que dá vontade de sair correndo e arremessar a bunda contra a parede como CYBERNATOR, mas que é um saquinho, é. Mas prossigamos.

Para os movimentos, tenho que dizer que nossa heroína Marina tem um arsenal deles. Pra começar, ela tem boosters nos pés, que são ativados dando dois toques no D-pad (uma parte frequentemente esquecida do controle do Nintendo 64), ela executa um burst e isso pode ser usado de várias maneiras.

Ela pode dar uma sequencia de dash no ar como o MEGA MAN X. Ela também pode usar isso para dar um impulso para cima e pular mais alto ou usar o boost para repicar contra as paredes, como uma versão primitiva de ROCKET KNIGHT ADVENTURES. Eu já entrarei em mais detalhes sobre como isso funciona na prática, mas por hora vamos continuar com os movimentos dela e a mais importante de todas as técnicas que a protagonista possui, no entanto, é seu agarrão, que é sem dúvida a mecânica definidora de Mischief Makers.

Como ela realmente não tem ataques, Marina funciona como os personagens em SUPER MARIO 2 que seu ataque se consiste em pegar e arremessar as coisas - e até os próprios inimigos uns nos outros. E assim como no jogo de Nintendinho, essa ação é muito mais do que apenas um ataque e pode ser usada para cavar em busca de objetos enterrados em pontos especificos, carregar itens pela fase, se agarrar em em vinhas e estranhas bolas flutuantes que podem catapultar Marina mais alto no ar, agarrar praticamente todos os ataques de projéteis - incluindo tiros de laser - e usa-los contra os próprios inimigos, agarrar partes especifidas dos inimigos e desmontar partes de vários robôs e máquinas grandes,  e mais alguns outros usos que vc vai descobrir pensando fora da caixa.


A ideia de trazer um cenário interagivel para um jogo de 1997 é bastante notável, e até mesmo bastante ambiciosa, e eu não vou dizer que o jogo falha em recompensar o jogador por pensar fora da caixa. Se um inimigo tiver uma metralhadora ou um lançador de foguetes, vc pode agarrar ele e usa-lo como arma atirando em todos os nepomucenos que deram o azar de levantar da cama pela manhã neste dia de ódio do Senhor. Qualquer coisa do cenário pode ser usada como arma, até mesmo os NPCs inocentes que ficam nos níveis e eu vou te dizer, nao são muitos os jogos (especialmente de Nintendo 64, ou da Nintendo como um todo) que te deixam usar crianças como armas, e isso é algo que eu posso respeitar. 

Adicionalmente, sacudir o que quer que seja que a protagonista tenha em suas mãos usualmente faz algo acontecer (dropar um item, revelar uma passagem, o personagem falar um segredo) e ajuda muito que quando ela faz isso ela fala "shakeshake" da forma mais adoravel da história dos videogames. Se eu tivesse que recomendar uma única coisa nesse jogo, certamente seria o som do "shakeshake".

De qualquer forma, o ponto é que a ambição desse jogo, tudo que ele tenta fazer deveria ser a grande força por detrás do jogo, e de certa forma é. Certamente é o que o torna lembrável. Porém ao mesmo tempo, a sensação jogando o jogo é que ele claramente morde mais do que pode mastigar.  Tal como um pato (que é um animal que caminha, voa e nada), ele faz de tudo mas não faz nada realmente bem.

Com tantas ideias jogadas por aí ao mesmo tempo, o jogo tem dificuldade em organizá-las e explorar sua mecânica de uma forma natural, satisfatória e clara. Como por exemplo, as várias técnicas de salto relacionadas ao booster de Marina são explicadas aos jogadores por NPCs em uma das primeiras fases e, em seguida, são testadas por meio de um obstáculo. Mas tão abruptamente quanto são introduzidas, elas são completamente abandonadas, e muitas delas não são necessárias até pontos muito específicos muito mais tarde no jogo. Horas e horas depois, quando chegar a hora de usar esses movimentos, é muito provável que vc sequer lembre que eles existem.

Em um jogo de plataforma relativamente bem projetado, esses movimentos teriam sido introduzidos usando eles na prática durante uma fase inteira e então exigidos aqui e acolá de forma que os jogadores entendam os movimentos como parte natural do jogo. Mas parece que o jogo tenta fazer tanta coisa ao mesmo tempo que ele apenas esquece do seu moveset. Mischief Makers parece uma experiencia mal polida em que do nada os caras lembram "putz, não usamos o movimento X de novo, taca ele aí 3 horas depois do jogador ter usado ele uma única vez". Isso é game design ruim, simplesmente.

O que nos levao ao potno em que os controles em si são confusos e desajeitados, e fica bastante claro o quanto a Treasure não tinha experiencia com o hardware do N64. Não é que os controles não sejam responsivos, eles são, mas eles nunca parecem "certos". O booster de Marina é apenas curto demais para sentir confortável sem que o jogador tenha que entortar os dedos no joystick gambiarrando botões, o peso dela nos pulos parece um pouco errado, enfim tal qual a fabula de cachinhos dourados, nada parece just right.

Em um jogo mais focado, que tentasse menos coisas, certamente haveria mais tempo para polir os controles e não haveria essa sensação, mas o que eu posso dizer é que MM nunca parece realmente confortável na sua mão mesmo depois de algumas horas de jogo.

eE esse tema de ideias indo e vindo muito repentinamente também é muito visível nas próprias fases. Mischief Makers tem mais de cinquenta delas, incluindo chefes e mini-chefes, e sua variedade é impressionante. Ao longo de sua jornada, Marina enfrentará labirintos com teletransportes, participará de uma competição esportiva, passará por níveis de beat 'em up, enfrentará uma fase inspirada no velho oeste enquanto carrega uma arma, surfa em um míssil, monta um avestruz, pilota um invencivel mecha feito de blocos, encontra crianças perdidas, captura fantasmas, anda de triciclo sobre a lava, cai em um poço sem fundo, foge de uma pedra, se agarra a bolas flutuantes que se movem sobre trilhos como se fossem os trens de uma montanha-russa e, ufa, muito mais.


Kudos onde kudos são devidos, em nenhum lugar o desejo de liberdade e criatividade que é a bandeira da Treasure é mais visível do que na quantidade absurdamente divertida de ideias reunidas em seus estágios. Sua filosofia parece ser: desde que tenha potencial para ser divertido, a gente coloca no jogo. Idealmente, é isso que se deseja de um jogo de plataforma: um jogo que traz ideias interessantes a cada novo nível, explorando-as satisfatoriamente e depois avançando para uma ideia diferente. Infelizmente, Mischief Makers esquece completamente a primeira parte dessa progressão perfeita, uma vez que não desenvolve o conceito da maioria de suas fases a um grau satisfatório.

O que eu quero dizer aqui é que existem fases tão curtas que terminam antes de vc pegar a ideia da coisa realmente. Tem fases que são tão escassas em conteúdo que mais parecem fases de bonus de bônus e várias que parecem ter sido montadas de ultima hora só pra fazer volume. Esses fatos, combinados com o vasto número de mecânicas do jogo e sua dificuldade em explicar aos jogadores como elas funcionam, criam muitas situações frustrantes em que o jogador empaca e quando descobre o que fazer a fase termina quase imediatamente para aquela mecanica nunca mais ser usada ou apenas usada uma outra vez horas depois

Até certo ponto, pode-se argumentar que isso faz parte do espírito hiperativo carefree de Mischief Makers. Pode ser deliberado, mas não muda o fato que funciona bem menos quando isso vem ao custo de um design frustrante. 

Outra coisa que mostra o quanto a Treasure não tinha experiencia com o hardware do N64 é o quanto assets são reutilizados durante o jogo. Tipo o cenário realmente parece algo que vc esperaria de um jogo de Super Nintendo e os personagens são tão borrados que quaisquer detalhes que seus designs possuam são completamente obscurecidos. Isso quando comparado a um jogo do mesmo genero que saiu na mesma época, Yoshi's Story, mostra o quanto eles estavam apanhando para o hardware - sendo que a grande carta na manga da Treasure sempre foi fazer jogos que esmerilhavam capacidade do console.

Um dos maiores exemplos do quanto a Treasure estava apanhando para o hardware do N64 são os blocos presentes durante quase todo o jogo. Pode parecer estranho criticar um jogo pelo design de seus blocos, mas Mischief Makers é uma exceção porque o pessoal do Clancer Planet parece obcecado por essas formas. Assim como os habitantes do lugar, os blocos têm rostos com buracos no lugar dos olhos e da boca, e se seu olhar que parece uma versão da deepweb do quadro "O Grito" não for suficiente para assustar alguém, sua onipresença certamente o fará. Eles são usados para fazer casas, plataformas, labirintos, obstáculos e qualquer tipo de estrutura. 

Eu sei que não parece, mas eu não realmente tiro essas ideias da bunda. Bem, nem sempre pelo menos.

Eles não apenas revelam um alto grau de falta de fundos ou reaproveitamento descarado de assets, já que tudo é feito com eles, mas também efetivamente fazem os Mischief Makers parecerem mais feios do que seriam de outra forma.

No final das contas, é uma pena que Mischief Makers seja tão problemático em tantos pontos essenciais, porque contém várias boas ideias. Claro, tem que a Treasure é completamente obsecada por dificuldade em seus jogos e grandes são as chances que vc não vá terminar esse jogo sem quebrar ao menos um controle (sim, fase das olimpiadas, estou olhando pra vc), mas não se pode reclamar da falta de conteúdo aqui - com direito até a colecionaveis em cada fase que abrem um final secreto, bem ao estilo SUPER MARIO WORLD 2: Yoshi's Island.

Eu não posso negar que existe um charme na estranheza hiperativa de Mischief Makers, um título que por si só no gênero já é bastante estranho por ser um jogo de plataforma 2D lançado para o Nintendo 64. Infelizmente, o jogo parece dominado pela hiperatividade e tem uma dificuldade muito grande em se focar para fazer uma única coisa de forma incrível. 

Embora seja um esforço inegavelmente original com mais ideias do que se pode contar, é completamente incapaz de parar e planejar como apresentá-las aos jogadores de maneira adequada, levando a um jogo atabalhoado que parece mais um esboços de ideias que poderiam ter sido melhor desenvolvidas.


Mischief Makers é uma prova de como a pura criatividade por si só simplesmente não funciona. É bom ter o coração de uma criança, mas vc também precisa ter a precisão tecnica de um adulto para executar as coisas. O movimento de agarrar em que o jogo está centrado, por exemplo, é uma ferramenta brilhante que abre inúmeras portas, mas com níveis tão mal desenvolvidos o valor dessa habilidade e de algumas outras é quase todo perdido. 

Esse é claramente um produto elaborado por pessoas que há muito tempo procuravam a liberdade de experimentar conceitos que fossem puramente divertidos, e com certeza conseguiram; no entanto, sua incapacidade de se concentrar em uma mecânica por mais de alguns minutos faz com que pareça que um pouco menos de criatividade teria feito muito bem aos Fazedores de Travessuras.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES 
Edição 119 (Setembro de 1997)

Edição 120 (Outubro de 1997)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER 
Edição 038 (Maio de 1997)


Edição 042 (Setembro de 1997)


Edição 043 (Outubro de 1997)


MATÉRIA NA GAMERS 
Edição 119 (Setembro de 1997)


Edição 021 (Agosto de 1997)