domingo, 20 de dezembro de 2020

[SNES/MEGA DRIVE] THE DEATH AND THE RETURN OF SUPERMAN (Agosto de 1994)[#590]




Se você está lendo esse texto em 2020 ou adiante (não que você tenha como ler isso antes, agora me sinto estúpido por ter feito esse comentário), provavelmente tem uma noção que quadrinhos não são exatamente... relevantes. E grande parte do motivo disso é que, exceto por Graphic Novels que se passam em uma bolha isolada da continuidade principal da série, nada do que acontece em um revista em quadrinhos é realmente importante.

Numa edição eles podem anunciar que o Thor na verdade sempre foi uma mulher negra disfarçada esse tempo todo, o máximo de reação que isso vai ter é "meh, quando as vendas cairem eles voltam ao normal". Ou então todo elenco de heróis morreu na épica edição "Vingadores e Liga da Justiça vs EbolaCoronga Vírus from h311", que quando as vendas cairem volta todo mundo. Então meio que nada realmente importa, e quando a coisa do seu produto é a continuidade... bem, nada importar meio que importa, não?


Mas... quando isso começou? Quando quadrinhos passaram a ser vistos dessa forma cética e cinica? Bem, acreditem ou não, tem haver com o maior sucesso que um quadrinho já teve em todos os tempos. Mas para entender isso é necessário primeiro entender que estamos falando, é claro, dos anos 90.

Você sabe, anos 90, a época em que tudo era extremo e cool e ultradarkkillerdumau, anos 90. 

Homem-Aranha agora é dark, trevoso, du mau e violento because ANOS 90

Nessa leva, se tornaram muito populares quadrinhos ultraviolentos e edgy, ousados... desde que não incomodasse realmente, tipo os Night Trap da vida, bem do jeito que os americanos dos anos 90 gostavam. Então quadrinhos "boladões" como Spawn - e seu sugestivo subtítulo de "O Soldado do Inferno" - ou o Homem-Aranha em sua fase do uniforme negro (que posteriormente se tornou um personagem próprio, o Venom) estavam a todo vapor.

O que, como dá pra imaginar, se tornou um problema para heróis menos... extremos, como o Capitão América ou o Super-Homem. Como manter relevante um herói cujo seu principal ponto é ser bom e incorruptível em uma época que todo mundo era darky edgy malvadaum?

Spawn, um tipico heroi dos anos 90

Essa era a pergunta que a DC se fazia, e fazia enquanto via as vendas dos quadrinhos do Super-Homem despencarem. A resposta que eles pensaram foi fazer um grande evento, algo que chamaria atenção para o personagem novamente.

O primeiro "grande evento" que eles pensaram foi o tão prometido casamento entre Louis Lane e Clark Kent. Ao que a Warner Bros - que é dona da DC- vetou imediatamente. Na época estava sendo exibida a série de TV "Louis e Clark: as aventuras do Superman" que se focava mais no relacionamento entre os dois do que em supervilões (o que é uma forma criativa de fazer superherois caber no orçamento de uma série de TV) e eles não queriam esse "spoiler". Mais precisamente, o plano da Warner era fazer um casamento simultaneono na série e nos quadrinhos em um grande evento - o que só viria a acontecer em 1997 (dali a quatro anos do ponto onde estamos).



Bem, diante dessa impossibilidade a equipe estava discutindo isso numa reunião, o que eles iam fazer então, quando o escritor Jerry Ordway disse de brincadeira: “Se não dá pra casar, o outro grande evento que tem é a morte". Vamos apenas matá-lo”. Ao que os outros membros da equipe disseram "olha... era uma, heim?"

Não que nenhum herói houvesse morrido e ressucitado antes, isso é meio que pratica comum nos quadrinhos. Mas nunca havia sido feito com um herói do tamanho do Super Homem porque... bem, porque não existe nenhum herói com o tamanho do Super Homem. Ele é a própria definição padrão do que pensamos como "super-herói", não tem como ficar realmente maior que isso.

A partir de 2018 a Warner lançou essa história em dois filmes de uma hora e meia: A Morte Super Homem, o Reino dos Superhomens. Então depois lançou um DVD com os dois filmes juntos, chamado "A Morte e o Retorno do Super Homem"


E a Warner usou todas as ferramentas midiaticas que tinha (que são muitas, ela é a fucking Warner Bros afinal) para transformar isso no evento da decada. E de certa forma foi, nunca houve tanta cobertura da imprensa sobre uma história em quadrinhos - e eu quero dizer imprensa tradicional mesmo, ao ponto que foi anunciado como notícia no Jornal Nacional!

Você consegue imaginar o Cid Moreira lendo noticias dos quadrinhos como igual a notícias de política e economia! Pois isso aconteceu! Esse foi o tamanho da coisa. Nos Estados Unidos houve filas para comprar a edição histórica e por motivos que não necessariamente estão relacionados com amor pelo personagem: havia até então um grande mercado especulativo nos quadrinhos. 



Todo mundo sabe que uma primeira edição de revistas como Super Homem, Batman ou Homem Aranha valem centenas de milhares de dolares, então havia esse grande afã de encontrar a próxima "edição histórica que vai valer milhões em 20 anos" e puta merda, não tem como algo ser mais histórico que a morte do Super-Homem, certo? Então as pessoas iam nas bancas e compravam tipo umas 10 edições para "pagar a faculdade dos filhos".

ESPERA, ISSO NÃO FAZ SENTIDO. UMA COISA SÓ É VALIOSA SE ELA É RARA, SE MILHARES DE PESSOAS ESTÃO TENDO ESSA IDEIA AO MESMO TEMPO, ELAS NÃO VÃO VALER MUITO REALMENTE. VOCÊ NÃO PODE ARTIFICIALMENTE REPRODUZIR UM FENOMENO DESSES.

Verdade. Mas então você realmente estaria tentando achar lógica em pessoas que querem pagar dez dolares por uma coisa e achar que isso vai deixar eles ricos. O ser humano já não é muito brilhante normalmente, quando envolve promessas mágicas de soluções simples para questões complexas então... vixi...

Seja como for, isso gerou um sistema que se retroalimentava: as pessoas compravam a edição porque viam as noticias, e as noticias continuavam porque as pessoas compravam. E desnecessário dizer que isso pegou os escritores da DC completamente despreparados: eles não realmente achavam que tanta gente acreditava que eles iam matar o Super-Homem tipo pra sempre. Essa possibilidade não ocorreu a eles, era só pra ser um marketing stunt rápido e indolor, e a coisa realmente saiu de proporção.

E supostamente o Zack Snyder tentou adaptar esse arco para Batman V Superman, mas eu não acho que ele realmente entendeu muito bem a ideia da coisa... e olha que é uma bem simples

E quando, um ano depois (os roteiristas até seguraram o quanto puderam) o Superman foi trazido de volta a vida muita gente se sentiu legitimamente enganada - tanto pela narrativa quanto "aquele truque que ia me deixar rico magicamente" não ia mais deixar ninguém ricão... o resultado é que tivemos um sucesso estrondoso comercial, mas um gosto amargo na boca de muita gente.

Para adicionar ofensa a injuria, todo mundo viu os números espantosos de 4 milhões de edições vendidas para uma publicação regular e tentou reproduzir o efeito em suas próprias revistas. O que nos levou a uma era de "grande eventos chocantes que mudariam tudo para sempre... até as coisas voltarem ao normal quando as vendas cairem".

No Batman, por exemplo, foi introduzido um novo vilão - o Bane - que em sua estreia quebrou a coluna do Batman e ele teve que ser substituido... bem, por alguem que não fosse cadeirante, isso é.


Nas revistas do Homem-Aranha tivemos a constrangedora "Saga do Clone", onde "descobrimos" que o verdadeiro Peter Parker desapareceu anos atrás e todo esse tempo o heroi dos quadrinhos era um clone que achava que era o verdadeiro Peter Parker...


... ou então o Lanterna Verde se tornando um vilão DUMAUUUUUUU just because.


O resultado desse golpe de publicidade foi que qualquer um que realmente acreditasse que o Superman permaneceria morto se sentiu traído quando ele voltou. Foi o evento definidor que estabeleceu de uma vez por todas que nada é real nos quadrinhos e que os editores estavam dispostos a fazer qualquer coisa (inclusive explorar os verdadeiros sentimentos que temos por nossos heróis) apenas para vender mais algumas cópias. E isso ultimamente acabou se tornando a ruína dos quadrinhos, que nunca mais foram relevantes a cultura como tinham sido até aquele ponto.

Mais do que isso até, gerou uma crise que quase quebrou a Marvel que só não faliu porque saiu vendendo os direitos dos seus personagens para filmes como se fosse bala e todo mundo sabe como essa história termina.

Mas... e quanto a história em si, pelo menos é boa? Hmm, mais ou menos.


Quer dizer, a história em si não é realmente incrivel: Super-Homem não morre por causa de um super plano do Lex Luthor ou nada que exija pensamento do tipo, eles apenas jogam um monstro tipo Hulk genérico do nada e ele mete a porrada até o Super Homão bater suas super botas. Não é o ponto alto da realização artistica humana, eu te digo.

Porém não é ruim realmente, em grande parte porque o que a DC economizou em história gastou em colocar os melhores desenhistas que dispunha na época e as revistas são muito, muito bonitas. Mais do que isso até, elas tem uma sacada muito interessante: as quatro edições da luta são uma contagem regressiva na forma que os quadrinhos são montados. Isso quer dizer que a primeira edição tem quatro quadrinhos por página, a próxima tem três quadrinhos por página, então uma com dois quadros por página até uma "última" edição realmente bonita com páginas de um painel por página. Ficou realmente bonito.


Após isso a DC parou de publicar revistas do Super Homem por três meses (o que intensificou a ideia que a morte era real) enquanto as repercussões continuaram em outras publicações, como na revista da Liga da Justiça, agora de luto.

Quando as revistas do Superhomão voltaram...  a DC usou um tanto mais criatividade que no arco anterior. Para começar, as revistas se focam em algo muito importante para o conceito do personagem: o que o Superhomem representa para aquele mundo.

Superman também é conhecido como "O Homem do Amanhã" justamente pelo que ele representa e não apenas em termos de poder: Super Homem é uma boa pessoa, e de todos os habitantes do planeta ele justamente quem menos precisaria ser porque... senão o que? Não é como se alguém pudesse fazer alguma coisa para impedi-lo se ele quisesse. Porém o que ele quer é ajudar as pessoas, fazer o mundo um lugar melhor apenas por ser bom.

Nesse sentido tem algumas cenas bem legais que mostram o que o Super Homem realmente representa, como a Liga Justiça assumindo uma das tarefas mais herculeas que o Super Homem fazia:


... ou então essa cena, que ficou bem emocionante:


Enfim, a ideia de explorar um mundo sem o Superman é genuinamente interessante, mas a história não vai muito a fundo nisso. Em vez disso, a história segue coisas tipo "quem roubou o corpo do Super-Homem" e mistérios assim que não levam a lugar nenhum.

A esse ponto, boa parte da equipe não queriam apenas balançar uma varinha mágica e trazer o Superman de volta, porque acharam que isso seria sacanear muitos os fãs que haviam investido na história até agora com um retorno tão fácil. Em uma reunião de emergência na DC, foi decidido que um Superman "substituto" seria colocado no papel por algum tempo.

O que não é tão sem proposito assim. Por um lado, iria convencer ainda mais os fãs de que Kal-El tinha batido suas superbotas definitivamente, já que era prática da DC haver alguns titulos de heróis que são passados adiante - como por exemplo Barry Allen não foi o primeiro Flash, herdando o título do seu predecessor Wally West, e Hal Jordan não foi o primeiro (e nem foi o último) Lanterna Verde. 

Havia apenas um problema: eles não chegaram a um acordo sobre que tipo de pessoa ou personagem poderia substituir o Homem de Aço. Algumas ideias chegaram ao estágio final, mais precisamente quatro: uma versão kid descolado anos 90 para ser popular com os jovens, um Super-Homem negro para ter representação a essa audiencia, um Super Homem Dark Killer Trevoso DU MAU que matava geral porque aqui é anos 90 porra, e um Super Homem ciborgue porque... bem, todo mundo gosta de ciborgues.



Incapaz de escolher um único sucessor, a DC optou pelo caminho mais longo: cada equipe criativa se aventuraria por conta própria e teria seus próprios enredos, alguns personagens únicos e até mesmo se cruzaria de tempos em tempos. O Legado do Superman estava prestes a ficar muito mais complicado.

A ideia não é ruim realmente, e cada um dos supostos "novos Superman" tem personalidade distintas, e são personagens interessantes, o mistério se algum deles é o "verdadeiro superhomem" também não dá em muita coisa porque a série logo mostra que o verdadeiro está se recuperando ao mesmo tempo que mostra os novatos como um mistério se algum deles é o verdadeiro superhomão. 

E no fim é rushada uma invasão alienígina que não realmente faz 100% de sentido, e a Liga da Justiça é tirada de cena de uma forma que faz menos sentido ainda porque a esse ponto já estavamos no modo vamo-que-vamo mesmo


Enfim, esse foi a morte e o retorno do Superman - que passou a ser vendido com esse nome após tudo dito e feito - um enorme sucesso comercial que mudou a história dos quadrinhos para sempre. Porém o que a DC não esperava era a reação de seus fãs. A conversa mudou rapidamente da Morte do Superman para o golpe publicitário. Após o lançamento do arco completo e ainda mais após o retorno de Superman, as vendas diminuíram drasticamente.

Até hoje, a DC insiste que o livro não foi apenas um golpe publicitário e que a mídia exagerou. Mas o dano foi feito. Os fãs não perdoaram tão rapidamente, e a coisa mais difícil de recuperar de alguém é a confiança. DC perdeu a confiança daqueles para quem escrevem. Embora a questão tenha rendido muito dinheiro à DC, ela o fez a um grande custo. Após  isso, os fãs já estavam vacinados para saber que as mortes dos personagens eram nada mais do que um golpe publicitário. 


E, bem, que golpe publicitário dos anos 90 estaria realmente completo sem um joguim para os consoles da quarta geração? Pois é, nenhum. Assim sendo saiu "A Morte e o Retorno do Super Homão" (toma spoiler no título pra deixar de ser trouxa) para Super Nintendo e Mega Drive.

O que resultou em um beat'm up... totalmente okay, na verdade. Os gráficos são grandes e bonitos para a época, os controles respondem bem, ele faz tudo que você espera que um beat'up faça e faz bem feito. Até inclui um gimmick que você pode voar apertando pulo duas vezes, mas isso não tem tanta utilidade assim em um jogo desse tipo afinal.



A única coisa que impede esse jogo de ser verdadeiramente notável é a falta de opção para dois jogadores. Qual é caras, existem cinco caras diferentes chamados Super Homem nessa história e vocês estão me dizendo que eu não posso usar dois deles ao mesmo tempo? Porra, aí é foda viu!

A outra coisa que depõe contra esse jogo é a dificuldade. Não apenas porque é ridiculo o superhomem tomar dano de motoserras e coqueteis molotov (e é), mas porque o jogo escalona a dificuldade muito rápido e especialmente os chefes podem tirar uma barra inteira de vida antes que você consiga causar qualquer dano a eles. 



São dois esses dois problemas que transformam um jogo que poderia ser altamemente memoravel em um que é apenas "ah, isso existiu, verdade". Uma super pena. 

Ah, uma última curiosidade: esse jogo também é o primeiro e único beat'm up feito pela Blizzard, assim como o único jogo de título licenciado que eles fizeram.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
VERSÃO PARA SUPER NINTENDO
Edição 068



Preview na edição 052


VERSÃO PARA MEGA DRIVE
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VERSÃO PARA SNES
Edição 001


Edição 004
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VERSÃO PARA SNES
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