Hoje é impossível pensar na Blizzard sem visualizar uma massaroca corporativa, comandada por executivos que executivam executivamente (vide todos os processos por assédio de todas as naturezas que rolam dentro da empresa, incluindo um que terminou em suicidio) e nenhum artista. É um fim triste para uma empresa que outrora já fora conhecida por sua criatividade e excelencia nos produtos entregues - eu realmente espero que a compra pela Microsoft seja um recomeço, uma volta as origens.
E entre as ideias criativas que a Blizzard tinha, uma bela tarde de terça-feira alguém na empresa estava brincando com WARCRAFT 2: Tides of Darknesse lhe ocorreu que microgerenciar unidades individualmente era um dos pontos do jogo. Vc clica numa unidade, clica onde quer que ele ataque, se ele tiver alguma habilidade especial vc pode ativar enquanto ele estiver selecionada.
Isso não é a grande sacada, todo mundo que jogou WARCRAFT 2: Tides of Darknesssabe disso isso. A grande sacada foi que Bill Roper teve o click da riqueza: E SE, veja bem, E SE a gente usasse essa engine não para gerenciar um exercito mas um jogo focado em um único personagem?
Então a grosso modo, Diablo é a versão de um personagem de WARCRAFT 2: Tides of Darkness. Se olharmos mais de perto, entretanto, é mais do que isso.
A ideia do jogo é bastante simples, na verdade simples até demais: você clica para onde quer que o personagem se mova, se clicar em um inimigo ele vai até o inimigo e senta o pau nele. Quando eu digo que o jogo é uma versão de controlar apenas 1 personagem de WARCRAFT 2: Tides of Darkness, não era exagero. Verdade que existem algumas magias para dar uma apimentada nas coisas, mas o jogo em si é tão simples quanto simples pode ser.
Com efeito, se olhar apenas o aspecto mecanico da coisa é um jogo interessante mas que cansa rápido já que seu esqueleto é incrivelmente simples. Porém, se você já ouviu alguma coisa sobre videogames, com certeza já ouviu falar que Diablo é um dos jogos mais influentes de todos os tempos... então essa conta não tá fechando, não é? Quer dizer, se é um jogo tão básico mecanicamente, o que ele tem de especial?
Aha, é aqui que entra a feitiçaria pelvica da Blizzard! Eles pegaram um jogo básico do básico e construiram tudo ao redor dele de forma realmente especial. O que faz Diablo ser realmente especial não é tanto o gameplay em si, mas toda a apresentação dele.
Pra começar, e isso é a coisa pela qual Diablo é mais lembrado, é sua atmosfera. Quando você inicia o jogo e a tela abre na cidade de Tristram, apenas a trilha sonora já diz tudo que você precisa saber sobre o jogo: ferrou, e não foi pouco.
A história de Diablo se passa em um medieval fictício chamado Santuário. A coisa de Santuário é que ele um reino mortal que se formou bem no meio da guerra eterna entre o céu e o inferno. E quando eu digo "guerra eterna" não é figura de linguagem, ela existe desde o inicio dos tempos e provavelmente vai durar até o tempo deixar de existir. Com efeito essa guerra é tão longa e dura tanto tempo que vários demonios e anjos dos dois lados meio que começaram a encher o saco dessa porra e chegaram a um acordo de criar um reino neutro onde "deixa eles se matando lá, vamos ficar aqui de boas na lagoas".
Assim nasceu o reino mortal, Santuário, e seus primeiros habitantes foram as proles do cruzamento entre anjos e demonios que queriam a trégua - os Nephalem, popularmente conhecidos como "humanos"
Após eras de guerra entre anjos e demônios, a ascensão da humanidade levou os três Senhores do Infeno (também conhecidos como Males Supremos) – Diablo, O Senhor do Medo; Mephisto, O Senhor do Ódio e Baal, O Senhor da Destruição – a influenciar os mortais para semear o caos e o ódio, e assim trazer suas almas para as trevas.
E como você já pode imaginar, era apenas questão de tempo até isso dar merda. Eventualmente os senhores do céu e do inferno descobriram o Santuário e decidiram usar os humanos como arma na sua guerra. Em particular os três Senhores do Inferno (Baal, Mephisto e Diablo) pilharam nessa ideia e vieram para o mundo mortal tocar o terror e subjulgar os humanos como seus escravos...
... o que acabou não sendo a melhor ideia do mundo, pq acuados os humanos tomaram o lado dos anjos na guerra e o resultado dessa brincadeira foi que os três Senhores do Inferno acabam aprisionados em cristais chamados Pedras da Alma, sendo que a do Diablo foi enterrada nas profundezas da terra e um mosteiro foi construído sobre o local.
Eu vou confiar que você já sabe o que acontece a partir daí, já que prender um mal ancestral nunca acaba bem para os carcereiros. Dois séculos se passaram e a presença de Diablo corrompeu o rei, e em sua corrupção foi enganado a liberta-lo. Yay, Diablão da massa tá solto de novo... porém como ele ainda tem que dar aquela espreguiçada, ele ainda está reunindo forças e abominações nas catacumbas do mosteiro antes de sair por aí para libertar os seus irmãos reis-do-inferno e recomeçar a tocar terror.
E é aqui onde entram nossos heróis, antes que essa marcha profana esteja pronta eles vão descer lá mete-lhe soco no mochila-de-criança. Uma solução simples, mas demonios só entendem essa linguagem universal. E como é um tema recorrente nesse blog, eu tenho que dizer que sou um grande advogado de inflingir ultraviolencia em demonios - que assim como zumbis e nazistas, não contam como seres humanos e sempre podem ser massacrados sem o menor problema moral.
Então eu diria que esse é o verdadeiro grande mérito de Diablo: ele é mais ou menos o equivalente de fantasia medieval/RPG de DOOM: existe o mal primordial na sua forma mais demoniacamente maligna, e você está lá para chutar as rabas de demonios e anotar nomes. A grande diferença é que ao invés do clima de rock'n roll do jogo de John Carmack e Romero, aqui o ambiente é de uma desolação de corrupção lovecraftiana.
E me permita dizer isso: a Blizzard acertou tudo a respeito disso. A violencia nos bonequinhis é ótima (em especial pq eles fazem um som muito satisfatório quando morrem), a trilha sonora já foi comentada e é espetacular, a escuridão e a desolação de descer cada vez mais fundo nas catacumbas do mal é uma experiencia que não tinha igual até então.
Eu digo frequentemente aqui que o jogo que você joga na sua cabeça é muito mais importante que o jogo que você joga com os seus dedos, e Diablo realmente acerta tudo sobre isso.
Diablo 1 foi um jogo revolucionário. Ele combinou mecanicas que já existiam em outros generos com uma apresentação espetacular, uma jogabilidade simples mas satisfatória e recompensas o suficiente para manter o jogador jogando (gamemaníacos adoram loot, e torcer para o inimigo dropar uma arma com +2 ataque ou um bonus passivo pra defesa já é suficiente) para criar uma coisa muito única, uma coisa muito... Diablo.
Se apenas a Blizzard focasse mais no gameplay, digamos, adicionando classes que realmente pareçam diferentes umas das outras, loots mais interessantes (talvez itens mágicos, huh?), velocidade de movimentação maior, magias com efeitos mais criativos... você sabe, dar aquela garibada pro gameplay ser tão bom quanto a atmosfera do jogo. Se a Blizzard fizesse isso em uma possível continuação, então aí eu diria que teriamos um dos melhores jogos de todos os tempos!
Huh, quem diria?
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES Edição 110 (Dezembro de 1996)
Edição 127 (Maio de 1998)
Edição 129 (Julho de 1998)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER Edição 033 (Dezembro de 1996)