segunda-feira, 9 de novembro de 2020

[AÇÃO GAMES 045] GOOF TROOP (SNES, 1993)[#550]




No último episódio da nossa tretíssima saga, a Sega havia se embananado selvagemente com a produção do jogo do Aladdin a ponto que a Disney teve baixar alguns de seus artistas para salvar o jogo (e o nome da marca).

O lado bom disso é que o jogo acabou saindo muito melhor do que os jogos de Mega Drive saem, o som é incrivelmente bom e os graficos parecem animados pela Disney (porque foram, mas enfim). O preço disso é que a Sega levou uma comida de bunda federal da Disney. 




O pessoal da casa do Mickey ficou bege com o amadorismo da Sega e com a audácia de coloca-la em segundo plano. E o resultado direto disso é que a Disney não quis sequer cogitar o proximo lançamento de um jogo baseado em uma franquia sua para o Mega Drive.

Enquanto isso, a versão para Super Nintendo tem uma história de desenvolvimento bem menos dramática. A Disney viu o que a Capcom estava fazendo, achou legal e deixou eles trabalharem em paz. Grande parte disso se devia ao fato que Aladdin para Super Nintendo foi dirigido por um dos grandes nomes da indústria dos videogames: Shinji Mikami.



Shinji Mikami é um daqueles caras que é motivado pelo desafio: o que ele realmente curte é experimentar coisas novas, fazer funcionar coisas que nunca haviam funcionado antes. O exemplo mais clássico, pelo qual todo mundo lembra dele, é quando ele pegou o hediondo Alone in the Dark e pensou "eu vou fazer essa merda dar certo!". Nascia assim Resident Evil. 

Depois de CRIAR UM GENERO INTEIRO, ele foi e criou outro: em uma tentativa de colocar mais ação em Resident Evil, ele acabou criando o hack'n slash com Devil May Cry (que originalmente deveria ser um spin off de Resident Evil). Se hoje temos androides depressivas de lingerie, agradeça a essa homem.


Enquanto fazia isso, ele também pensou "hmm, e se eu usasse uma visual novel como um jogo investigativo?". Nascia assim Phoenix Wright, pai das VN investigativas como Danganrompa e Zero Escape. Porque né, super normal alguém parar e pensar "sabe o que tá faltando? Um simulador de advogado de defesa!".

Enfim, o meu ponto aqui é que Shinji Mikami é um desses caras que fazem a midia andar para frente, não, que na verdade precisa fazer as coisas andarem para a frente para se sentir confortável. Por isso  mesmo depois que ele dirigiu com grande sucesso o Aladdin do Super Nintendo, a Disney fez questão de procurar a Capcom para que ele tocasse o próximo projeto da empresa. 

Ao ser abordado com essa tarefa, o caminho obvio seria fazer outro jogo de plataforma porque é assim que os anos 90 rolavam. Mas Shinji Mikami sendo Shinji Mikami, ele estava interessado em fazer uma outra coisa. Algo que nunca havia sido feito antes: um jogo que misturava ação Zelda-like com puzzle. 



Ao ser explicada do projeto, a Disney achou apropriado para sua marca e deu sinal verde para a coisa toda. E que marca era essa que a Disney queria fazer um jogo, afinal?

Bem, nos anos 90 a Disney tinha um programa especial para veicular os desenhos baseados na sua propriedades intelectuais: o "Disney Afternoon", que no Brasil foi mais ou menos adaptado como "Disney Clib". A série baseada no longa do Hercules passou nesse programa, assim como a do Aladdin, a de 101 Dalmatas e até mesmo de Aladdin. E, pelo que eu lembro, todos esses desenhos são bastante bons realmente - não é algo da Disney entregar uma série animada ruim, isso é algo que precisa ser dito.

Os anos 90 do SBT em uma imagem
E um dos desenhos do Disney Afternoon envolvia uma ideia... exótica da Disney. Fazer um cartoon sobre uma familia suburbana vivendo sua vida de classe média, não muito diferente dos Flintstones, Jetsons ou dos Simpsons... só que com o Pateta sendo um pai solteiro criando seu filho.

Espera, o que? De todos os personagens da Disney para ser um pai solteiro tendo uma vida normal, o melhor que eles pensaram foi... o Pateta? Quer dizer que alguém realmente pensou no Pateta embonecando alguém? É por esse caminho que eles quiseram ir? Mesmo?

"YAAAA-HOO-HOO- HOO-WEEEEEE"
Como é de esperar da Disney, a mãe do Max não é mencionada uma única vez durante os 79 episódios e dois filmes que Goof Troop ("A Turma do Pateta") teve. Tal qual a escravidão animal em Pokemon, apenas não falamos sobre isso. At all.

Mas estranho que, dentre os personagens clássicos da Disney, o Pateta tenha sido o único que nunca teve um interesse romântico recorrente (Mickey tem a Minnie, Donald tem a Margarida), mas ainda sim ele seja o único que até hoje tem um filho de verdade. Todo mundo tem sobrinhos ou sobrinhas. Estranho, não? Embora não tanto quanto eu passar tanto tempo as duas da manhã ponderando sobre a vida sexual do Pateta. Melhor eu falar sobre o jogo...


Como a música-tema do desenho diz, "Vamos todos juntos, é a turma do Pateta". Esse jogo é conhecido por ter um dos melhores modos cooperativos dos 16 bits. Embora o jogo possa ser jogado sozinho, definitivamente o coop é a forma que Mikami-sama pretendeu que jogassemos esse jogo - puzzles cooperativos são TIGHT!

A apresentação é simples, porém lisa, da maneira clássica da Capcom. Pateta é mais lento e mais forte, enquanto Max é mais rápido e mais fraco. Ao jogar com um amigo, recomendo o Pateta para o jogador mais experiente e o Max para o outro


O jogo é composto de telas interligadas não muito diferente de Zelda, e existem basicamente dois tipos de tela nesse jogo: as de puzzle, como as acima, e as de ação. Nas de puzzle você precisa colocar as peças nos lugares deslizando elas.

Nessa parte, obviamente, você não precisa de dois jogadores já que até o futuro advento da Matrix, humanos pensam separadamente e juntar ideias em formação tem pouca processo de solucionar puzzles. 


Os puzzles, embora aumentem em dificuldade, nunca ficam fora de controle. Não há nada inacreditavelmente criptico aqui, todos os puzzles podem ser resolvidos olhando contemplativamente para a tela e pensando. O que é mais do que muitos do que se passava por "puzzle" naquela época.

É nas telas de ação que o cooperativo do jogo brilha, entretanto. Usando as mecanicas básicas de Zelda e coloca dois jogadores para pegar objetos do cenário e atacar os inimigos. Melhor ainda, a AI dos inimigos pode ser trickeada por dois jogadores, onde um distrai os inimigos e o outro pega munição para...

Seguinte Jorge, eu to com a arma que paralisa os inimigos, então eu vou na frente e... Jorge, volta aqui Jorge!
... ou então contar com o uso preciso de arremessos para salvar seu coleguinha de enrascadas!

Isso, eu vou paralisar ele com a arma de gancho e você... PORRA JORGE QUAL É O TEU PROBLEMA CARA?!?
Como dá pra ver, Goof Troop evoca na mesma medida cooperação e trapalhadas - justamente como um bom coop deve fazer. Eu não vou dizer algo tipo "minha nossa, é o Overcooked dos anos 90", mas para o que existia na época era bastante impressionante. 

Eu consigo pensar apenas em Bombermn arriscndo ser um puzzle coopertivo assim, e ainda sim Bomberman não disponibiliza tantas variaveis aos jogadores. Eu diria que para 1993, é bastante impressionante e divertido.


Existe ainda uma apimentada no gameplay que é misturar puzzles com gerenciar inimigos em algumas telas. Você pode usar os blocos como arma, embora isso possa prejudicar a solução do puzzle, ou as vezes tem que se preocupar que os inimigos esculhambem o seu puzzle.

Felizmente se tem algo que esse jogo não é, é ser punitivo. Shinji Mikami abraçou a filosofia que as bases do jogo são cooperatividade e solução de puzzle, eliminando da equação a frustração tanto quanto é possível.



Por exemplo, todas as telas podem ser reiniciadas facilmente só entrando e saindo delas então "estragar" um puzzle não é algo que te toma tempo algum. O jogo tem uma politica de não punir o jogador por tentar soluções, e isso é uma das melhores coisas que podem ser ditas sobre um puzzle.

Porém a saída mais ousada que esse jogo toma, nesse sentido, foi como as vidas funcionam no modo cooperativo. Cada jogador tem seu contador de vidas e energia como em qualquer jogo, a magia acontece quando as vidas de um jogador acabam.



Em qualquer jogo comum isso significaria que um dos jogadores estaria fora da brincadeira, ou teria que esperar a fase terminar, ou alguma coisa assim. O que seria super boring. Goof Troop tenta algo diferente: quando as vidas de um jogador acabam, ele fica fora do jogo até o outro jogador trocar de tela. Quando isso acontece, o jogador que morreu volta com duas vidas.

Isso quer dizer que exceto em lutas contra chefes - onde você não pode sair da tela - você tem vidas ilimitadas enquanto ficar alternando telas? Sim. Escolher privilegiar não frustar o jogador em detrimento de diminuir exponencialmente a dificuldade é uma escolha ousada que poucos jogos fariam.

No modo para um jogador, você pode ter dois itens. No modo para dois jogadores só dá para carregar um item de cada vez - aumentando a distribuição de tarefas entre dois jogadores
Porém quando você pensa em qual o real objetivo do jogo, você percebe que Goof Troop foca no que REALMENTE importa para o que jogo se propõe a fazer mesmo que isso signifique desafiar cliches pre estabelecidos para o genero. É uma escolha ousada tanto quanto acertada. 

Quando a Capcom viu o que Shinji Mikami fez com o que originalmente deveria ser só um joguinho de plataforma, não teve mais nenhuma dúvida. Entregou a ele as chaves do cofre para o seu ambicioso projeto até então, um jogo tão grandioso que mudou para sempre a forma que pessoas pensam videogames.

Esse foi o último jogo que ele dirigiu antes de Resident Evil.