sábado, 22 de novembro de 2025

[#1601][Mar/1998] DENSHA DE GO! 64

Sabe qual é o meu setup gamer dos sonhos? Sim, porque acredite ou não, eu realmente penso em jogar videogames que não são peças de museu de 25 anos de idade dedicadas a escolhas de game design  altamente questionáveis. Difícil de imaginar, eu sei. Mas o meu ponto é: eu tenho um sonho – um que envolve um volante de corrida de verdade com force feedback, um conjunto de pedais, e o Euro Truck Simulator como o jogo da escolha.

Isso mesmo. Nada de uma narrativa épica, nada de mecânicas de gameplay alucinantes, nem mesmo uma waifu pixelada sussurrando o carinho humano que eu jamais terei na vida no meu ouvido. Não. Apenas... dirigir. Talvez eu colocasse uma música, me acomodasse na cadeira, apertasse o volante e pronto. Junte um headset de VR e eu basicamente estou feito para a vida. Porque eu genuinamente gosto de dirigir, sabe? E já que é muito provável que eu nunca vá cruzar casualmente pelas autobahns europeias em uma tarde de sabado ensolarada, um jogo que me permite simular essa liberdade pacífica é a perfeição. Uma experiência meditativa em forma digital. E, considerando o quão populares esses jogos de "direção relaxante" são, claramente eu não sou o único – nem o primeiro – a ter essa fantasia contemplativa gamer. Mas... por que estou compartilhando meu setup idílico? Porque essa é a melhor forma que eu tenho para você entender o apelo de "Vamos de Trem! 64". 

Porque eis a coisa: eu não ligo para trens. Quer dizer, claro – eles são tecnicamente impressionantes e eu entendo o apelo de toda aquela potência transportando o equivalente a uma cidade inteira de pessoas. Mas eu dificilmente me chamaria de um ferroviólogo. Trens existem, são legais, fazem choo choo, e é basicamente aí que termina a minha expertise... quer dizer, os trens ainda fazem choo choo, né? Torço que a engenharia moderna não os tenha privado disso. Enfim, a questão não é o meu conhecimento questionável sobre trens – é o do Japão. Porque caso você não tenha notado, o Japão não cansa de trens.

Marketing do Japão, por favor nunca mude

No Japão, os trens são mais do que um meio de transporte, eles são praticamente um símbolo nacional. Tente imaginar o Japão sem pensar imediatamente no metrô de Tóquio ou em um trem-bala cortando o campo. É impossível. E, naturalmente, essa obsessão nacional transborda para a cultura dos games. Você tem franquias inteiras dedicadas à gestão e operação ferroviária – A-TRAIN, por exemplo, que eu tentei jogar há pouco tempo. Esse jogo foi um título de lançamento do PS2, aliás, e isso é o quão profundo é o caso de amor do país com os trens: primeiro dia do console mais aguardado de todos os tempos? "Toma, construa um império ferroviário. De nada."

Mas, como eu disse, eu não ligo realmente para trens e nunca vou conseguir entrar na mentalidade de um trainspotter. No entanto – e é aqui onde eu provo que minhas introduções não são completamente aleatórias – eu posso entender absolutamente o apelo por trás disso quando olho para a minha própria fantasia de Euro Truck Simulator. Eu entendo o zen da coisa, o estado meditativo de ouvir o som rítmico dos trilhos, comandar uma máquina massiva, observar a paisagem desfilando. Aquele momento quieto em que você não está jogando por vitória, glória ou dopamina – mas simplesmente para existir em movimento. Esse é o sonho, certo?

Mas se você acha que ser um condutor de trem é apenas uma questão de girar a chave, ajustar a velocidade e tomar um chá enquanto as árvores deslizam preguiçosamente... bem, Densha de Go! está aqui para acabar com essa percepção. O jogo deixa bem claro que a realidade não é absolutamente nada parecida com esse quadro idílico. Você precisa fazer malabarismo com limites de velocidade que mudam constantemente, monitorar sua velocidade atual, antecipar restrições que estão por vir, saber exatamente quando tocar a buzina e desacelerar com elegancia para parar no lugar certo sem um tranco – porque estes são trens de passageiros. Ninguém quer ser arremessado contra as portas depois de um longo dia de trabalho. 


Cada uma dessas tarefas é desafiadora por si só, mas Densha de Go! joga em você elas em sucessão, te forçando a tomar decisões instantâneas que tendem a causar um efeito dominó de responsabilidade. Pegue os limites de velocidade, por exemplo – geralmente impostos devido a curvas fechadas, trens se aproximando, chaves de trilho ou alguma razão arcana da lógica ferroviária que só os engenheiros entendem. Eles são simples enough em teoria: não vá mais rápido do que a placa indica. Fácil, certo? Exceto que no instante em que você vê uma mudança de velocidade se aproximando, seu cérebro precisa tomar algumas decisões. Você mantem sua velocidade atual por mais alguns segundos, apostando que terá espaço de frenagem suficiente para desacelerar sem transformar seus passageiros em sardinha em lata? Ou você começa a frear cedo para uma desaceleração suave e confortável, sacrificando segundos preciosos e arriscando um atraso? E se você optar pela frenagem suave, tem absoluta certeza de que julgou a distância corretamente? Porque se não, parabéns – você está atrasado E devagar.

Tudo isso já seria estressante o suficiente, mas então lembre-se: o trem que você está operando são várias toneladas de metal de alta velocidade disparando ao longo de um caminho fixo, impulsionadas pela potência do motor, inércia e, ocasionalmente, pela gravidade populados por passageiros exaustos que absolutamente não querem cair porque você freou como um maluco. Você tem que levar tudo isso em consideração, a cada segundo, sem falhar. Nada de pressão.

Então não – ser um condutor de trem não é algum passeio despreocupado e mole pelos trilhos. Você tem muito com o que se preocupar. E, honestamente, isso é algo que eu nunca tinha realmente pensado antes. Eu nunca parei para imaginar como é ser o condutor do trem que cortava a minha cidade natal. Eu sempre desconsiderei isso como uma tarefa boba que qualquer um poderia fazer – ou pior, algo que inevitavelmente seria automatizado. Bem... agora eu sei que não tem absolutamente nada trivial nesse trabalho.

Arcade original de 1998

E, só por isso eu já diria que Densha de Go! é brilhantemente bem-sucedido no que se propõe a fazer. Ele me fez ver o mundo através dos olhos de alguém cujo trabalho eu subestimei. Ele me deu uma compreensão da realidade deles – suas decisões instantâneas, sua precisão, sua vigilância constante. E não é isso, no final das contas, exatamente o que um simulador deveria almejar fazer?

Mas lembre-se: Densha de Go! 64 não é apenas um "simulador de trens", é um simulador de trens para nerdolas de trens – o que significa que a Taito foi além de duas maneiras muito curiosas. A primeira, e essa é exclusiva do port para Nintendo 64, este é o único outro jogo do N64 que usa o microfone de HEY YOU, PIKACHU!. E você pode estar se perguntando: "Por que diabos um simulador de trens precisaria de um microfone?" Simples: para lhe dar a experiência definitiva de condutor – fazendo anúncios através do sistema de som do trem com aquela qualidade sonora clássica vagamente humana que todos nós conhecemos e amamos.

Você sabe exatamente do que estou falando. O clássico "Próxima estação— hssssSSSHHHH— São Lui — KRRSHHHHHJJJJ— favor desembar— SSSSSSHHHHH-POP." Se você já andou de trem pelo menos uma vez na vida, seu cérebro reconhece imediatamente a estática. E agora, graças ao DDG64, você pode recriá-la no conforto do seu lar! Porque, assim como acontece em HEY YOU, PIKACHU!, o microfone barato capta sua voz como se você estivesse preso dentro de uma lata de sardinha submersa em uma banheira de tilenol. Em outras palavras: autêntico. Finalmente, um jogo que permite que você abrace o sonho de falar naquele sistema de som horrível.


A segunda coisa que a Taito fez (e essa sim saiu para o PS1 e PC também) é aquela de que todo mundo se lembra: o controle de trem customizado. Uma linda peça de plástico com alavancas para freio, aceleração e... uma buzina? Quer dizer, bem, é um trem – isso não é exatamente um volante de Fórmula 1. Não tem dezessete botões para ajustar a pressão dos pneus e o ângulo do aerofólio no meio da curva. Você basicamente tem acelerador, feio e botão de fazer choo choo.

Mas suponho que para o verdadeiro railfan, isso é algo sagrado. Por uma grana extra, já que o controle era vendido separadamente, você podia imergir completamente na fantasia de ser – hã... bem... eu não conheço nenhum condutor de trem famoso, na verdade. Mas tenho certeza que a comunidade ferrovióloga conhece, e seja lá quem for esse cara, este controle permite que você se sinta como ele.

Brincadeiras à parte, eu totalmente entendo a intenção por trás disso. Assim como meu setup dos sonhos do começo dessa review, eu posso entender o apelo de possuir o acessório definitivo de choo choo. É um item de nicho para um público de nicho, e suponho que isso funciona. Eu não sou particularmente fã de acessórios que só funcionam em um jogo, mas ei – se você precisa do choo choo, você precisa de choo choo. Às vezes o coração quer o que o coração quer, e o que o coração quer é puxar um acelerador de plástico como se você estivesse guiando o próprio destino por um trecho de trilhos rumo a Shinjuku.


Então, qual é a minha opinião final sobre isso? Bem... sinceramente, dirigir trens em videogames é chato. É o tipo de atividade que atrai um público muito, muito nichado – pelo menos fora do Japão. Talvez lá seja um esporte nacional, como o sumô mas com o peso em aço ao invés de sushi. Mas como alguém que não é um viciado ferroviário, posso dizer que achei um certo charme na reprodução das paisagens, em fazer os passageiros tombar quando eu freava como um lunático, e em desbloquear novos trens como se estivesse coletando variantes Pokémon de transporte público.

O problema é que o loop de jogo em si é bem limitado. Não tem muita variedade do que fazer, e eu sei lá o que mais eles poderiam adicionar em um jogo sobre dirigir trens... você abrir e fechasse as portas sozinho? Ou talvez permitir vc se entregar ao prazer culposo de um bom e velho descarrilamento flamejante quando você está rápido demais? E qual é a da não poder dar ré? Na vida real, os trens da JR e os metrôs dão ré o tempo todo quando ultrapassam a plataforma. No Densha de Go!, porém? Nada. Se você erra a marca, azar o seu – você tem que viver essa vergonha ou cometer um sabaku para purificar o nome da sua família.

Mas o que quero dizer é o seguinte: existem vários pequenos toques que a Taito poderia ter dado para tornar a experiência mais imersiva, mais precisa, ou simplesmente mais videogame. Do jeito que está, o jogo não funciona totalmente como um arcade casual divertido e nem como um simulador verdadeiramente bem elaborado. Eventualmente a Taito eventualmente entendeu isso e os títulos modernos de Densha de Go – sim, plural; esta franquia tem 18 jogos, o mais recente de 2023 – incluem clima, ciclos dia/noite, mais controles como limpadores de para-brisa e luzes, e uma filosofia de simulação geralmente mais profunda. 


O port que eu joguei do N64 parece um protótipo inicial, uma primeira tentativa interessante de fazer um jogo diferente de qualquer outro na época, projetado para realizar o sonho de alguma criança japonesa de ser um condutor de trem. Mas esse sonho cansa bem rápido.

MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 073 (Julho de 2000 - Semana 3)