domingo, 10 de janeiro de 2021

[SUPER NINTENDO] THE UNTOUCHABLES (Agosto de 1994) [#611]



Pois bem amigos do C de Super Ação Gamers Power, com esse texto chegamos a marca impressionante de 600 jogos analisados! Seis centos, o que faz de mim o maior blog sobre retrogames em lingua portuguesa do universo segundo números que eu inventei da minha própria cabeça.

E milestones especiais assim exigem jogos especiais, por isso que nós vamos falar hoje sobre o jogo bastante único que é uma gamebiografia do rapper Mc Hammer: "The Untouchables"! Tum dum dum dum, can't touch this!

... hã? Como é que, produção? Na verdade esse jogo não é sobre um cara que usa uma calça que cabem três familias inteiras e sim sobre o filme de 1987 de Brian de Palma? Mas espera, se esse é um jogo baseado em um filme... isso só pode significar uma coisa e apenas uma... oh, não, isso não, tudo menos isso, não as cinco letras do terror ... não não não naaaaaaaaaaoooooooooo!!!


Antes de falar sobre o exercicio de sofrimento e dor que é jogar um jogo da Ocean, entretanto, eu gostaria de falar sobre o material que ele se baseia porque aqui é gamejornalismo levado a sério e eu assisti o consagrado filme indicado a quatro carecões dourados e vencedor de um (melhor ator coadjuvante para Sean Connery, o que eu concordo)

... e honestamente, esse filme não é muito bom não. Ele não é uma bomba que ofende a continuidade espaço-tempo por existir como THE LAWNMOWER MAN, mas definivamente não é bom. Ele consegue pegar uma história completamente absurda mas que de alguma forma aconteceu de verdade e faz o filme mais protocolar e brega que poderia ser feito com ela.


Vamos começar do começo: entre 1920 e 1933 os Estados Unidos baixaram uma lei federal proibindo a venda de alcool por nenhum motivo que senão essencialmente a América ainda é um puritano protestante do século XIX. Frequentemente as pessoas esquecem disso, mas os Estados Unidos foram fundados por puritanos que acham que a INGLATERRA GEORGIANA era muito moderninha e putaria. Eu vou repetir: uns caras que acharam que a Inglaterra de 1700 era puterosa demais e foram embora fundar o seu próprio país mais religioso e puro ainda.

Esse é o tipo de coisa que você não consegue apagar do DNA de um povo, e embora hoje os USA pareçam modernos por causa da imagem que as grandes cidades como Nova York ou São Francisco passam, em sua essencia ainda é uma tiazona que vai a igreja todo dia, fica chocada quando vê alguém com tatuagem e vive para dizer coisas como "os jovens de hoje" ou "no meu tempo".

Mas voltando a história, então o governo americano decidiu que "eu mando nessa porra e aqui todo mundo é careta e foda-se", e a bebida foi banida. O que, como você pode imaginar, deu tão errado quanto alguma coisa pode dar. Pra vc ter uma ideia mexer com o direito do Zé esquecer que a vida dele é uma merda é uma coisa tão complicada que o governo comunista da União Soviética não ousou fazer isso.

Propaganda do governo comunista tentando conscientizar as pessoas sobre os perigos do alcoolismo, o que obviamente que era um grande problema na União Soviética - porém foi até onde o governo comunista teve coragem de ir

Sério, estou falando do governo que fazia pessoas desaparecer no meio da noite por razão nenhuma, que matou milhões de fome, ESSE governo não ousou bulir com o trago porque eles sabiam que ai sim iria ir longe demais e ia dar merda.

Para surpresa de absolutamente ninguém exceto dos fundamentalistas religiosos americanos, deu merda. E bem grande, porque alimentou todo um sistema de poder paralelo que tinha agora monopolio sobre uma coisa em altíssima demanda, apoio popular as suas atividades (embora não abertamente porque novamente estamos falando pessoas que da boca pra fora são puritanos do século XIX) e mais dinheiro do que saberiam como gasta-lo. Também conhecida como MAFIA.


Mas... como você consegue monopolio numa coisa sem leis em que ninguém é de ninguém? Violencia, obviamente. Durante uma decada os Estados Unidos viveram essencialmente o que é o Rio de Janeiro hoje, uma terra em que a lei era o que os bandidos quisessem que fosse e foda-se. Nesse contexto histórico então surge a figura do gangsta mais proeminente ever, Al Capone.

Agora essa é a parte interessante: todo mundo em Chicago sabia quem Al Capone era, como ele fazia dinheiro, onde ele morava, todo mundo sabia de tudo. Mas ele nunca foi preso até então porque não tinha como provar nada contra ele. Iam acusa-lo de que, exatamente?

Pois é, esse era o problema. Isso mudou no começo dos anos 30 quando o departamento do tesouro americano criou uma força-tarefa de agentes da lei incorruptiveis em uma cidade que todo mundo estava no esquema (não por acaso, a Chicago dos anos 30 se tornou a grande inspiração para a Gotham City das histórias do Batman). O jornal Chicago Daily News os apelidou de "Os Intocaveis".



E essa é a história contada aqui... como eu disse, da forma mais brega possível. Agora, é curioso como Hollywood sempre amou os fora-da-lei, de Billy the Kid a Bonnie e Clyde, e os fora-da-lei que ela mais amou são os mafiosos. 

Em parte porque filmes de gansters são o que o puritano do século XIX que é o americano médio poder ter o gostinho de algo "ousado" mas sem incomodar ninguém realmente, mas também porque gangsters são perfeitos como antagonistas: eles são elegantes, perigosos, falam bem, combinam história e nostalgia dos 'bons velhos tempos'. Quentin Tarantino estava certo quando chamou os filmes de gângster de "paródias do sonho americano": eles erguem um espelho para a sociedade americana e seus ideais, permitindo que ela questione seus próprios fundamentos ou deleite-se com seu lado sombrio (de uma forma comportada, claro).

É irônico, portanto, que, apesar de décadas de tentativas, Hollywood nunca fez justiça ao mais famoso gangsta ever: Al Capone. Vários diretores tentaram, mas Capone sempre funcionou melhor como um personagem incidental nas histórias de outras pessoas. Os Intocáveis pode gozar de uma reputação melhor do que a maioria, em parte graças ao Oscar de Sean Connery. Mas ainda é uma besta imensamente defeituosa que é assistivel e brega em iguais medidas.


O principal problema desse filme é que não consegue decidir se quer ser um filme B de gângsters com cenas de ação toscas, com personagens esquecíveis e muitos tiroteios, ou um drama sério sobre ter que ir além da lei para levar alguém à justiça. Ele tenta fazer os dois ao mesmo tempo e o resultado é que temos cenas que tentam ser profundas, mas que acabam na galhofada de não fazer sentido nenhum quando você pensa sobre elas. 

Por exemplo, a cena que todo mundo lembra nesse filme é a cena do carrinho de bebê na escadaria. O que muito menos gente lembra, entretanto, é que essa cena só existe porque antes disso o protagonista passa 5 minutos tomando decisões idiotas para criar aquele setup que geraria a cena mais dramaticamente brega possível. Parece que Brian de Palma olhou aquilo e pensou "tá, mas como eu posso deixar essa cena de ação dramática da forma mais barata possível... ah, já sei, vou colocar um bebê em perigo e um gatinho para ser resgatado de uma arvore!". O gatinho foi cortado da versão final do script, infelizmente.

A breguice da coisa toda é acentuada pela atuação limitada do elenco. Embora escalar Robert De Niro como Al Capone fosse um cast obvio, mais obvio ainda é que De Niro estava de saco cheio de ser estereotipado como ganster depois de "O Poderoso Chefão" e o resultado é que durante suas cenas e parece mais cômico do que ameaçador, fazendo a pardódia do que se espera de um ganster em filmes. Porém a atuação preguiçosa de De Niro é empalidecida por outra muito pior ainda, nosso protagonista Kevin Costner.


Enquanto de Niro está fazendo no automatico (e Sean Connery está basicamente interpretando a si mesmo), Kevin Costner é a definição de "tentar demais". Seus críticos gostam de presumir que ele se tornou excessivamente sério como resultado do Oscar de Dança com Lobos, mas a verdade é que ele sempre foi um ator rígido e limitado. Sua atuação como Eliot Ness é monótona e sombria, sem a presença nem a ambigüidade moral que o roteiro do filme parece que queria chegar com ele. Ele passa o filme todo com uma expressão facial algo entre entediado e "minha mãe disse que sou ótimo ator", e suas leituras de texto são monótonas e pouco convincentes. Nas palavras de Sheila Benson, escrevendo no The Los Angeles Times, "para De Palma, um personagem ter carater e ser chato parecem a mesma coisa".

É certo, porém, que nem todas as falhas dos Intocáveis podem ser atribuídas ao roteiro, Costner ou de Niro. Parte da culpa é indesculpavel do diretor Brian De Palma, cujo depois do sucesso em Scarface adotou uma filosofia de estilo sobre substância. Onde um diretor melhor teriam orientado seus atores para construir intensidade com os personagens em primeiro lugar, De Palma sempre parece mais preocupado em construir cenas de morte incrivelmente elegantes ou em homenagear seus diretores favoritos. Fazer referencia ao Encouraçado Potemkin por si só não torna emocionante o confronto na estação de trem.

Porém ele se preocupa tanto com o estilo que completamente esquece a lógica. A cena em que um personagem leva uns 52 dois tiros de metralhadora e ainda sobrevive o bastante para esperar o protagonista chegar, passar uma mensagem a ele e morrer dramaticamente nos braços dele é uma das coisas mais toscas que eu já vi em muito, muito tempo. Ah, e claro que ele tem que morrer ao som de ópera, porque sempre dá pra enfiar mais cliché aqui, né?


Os personagens mais interessantes em Os Intocáveis são justamente aqueles com menos atenção do roteiro (talvez por causa disso?). Oscar Wallace é muito bom como alguém que está fora do seu habitat natural mas não se importa com isso, fazendo bem o seu trabalho como contador da Receita Federal em vantagem para a equipe. Sean Connery também está muito bem, mesmo que interpretando a si mesmo como ele sempre faz em todos os filmes, mas ainda sim ele tem as melhores cenas do filme.

Os Intocáveis é uma experiência assistível, mas em última análise vazia, que tem um roteiro repleto de problemas e um diretor sem finesse (dá pra ver de longe onde é enfiada uma cena de ação na marra because pew pew pew). Adicione a isso um protagonista banana que não toma agencia da situação, performances involuntariamente bobas de seus protagonistas, ele é apenas o suficiente para manter o público no "okay, é um filme", mas nunca consegue lidar com o tema de uma maneira suficientemente profunda. Verdade que existem muitos filmes vencedores do Oscar que são muito, muito piores, mas há muito pouco sobre este filme que seja verdadeiramente intocável.

Por ser baseada no filme mesmo e não na série de TV fracassada (coisas da Ocean), a capa da versão para Nintendinho é muito mais legal que a de SNES

Mas okay, chega de falar sobre um filme que na melhor das hipoteses mediano para falar sobre ... o jogo da Ocean... pensando bem, não dá pra falar mais sobre o filme não?

Agora, você pode estar se perguntando porque diabos a Ocean encasquetou de lançar um jogo baseado em um filme de 1987 em pleno 1994. Ora, isso é porque em 1993 o produtor e roteirista Christopher Crowe (que foi produtor e roteirista de Seven Days, nossa essa era uma série tosquinha  mas eu gostava dela) decidiu fazer uma adaptação em série do filme... a qual nem fodendo que eu vou assistir, mas li a respeito que é mais mediocre ainda do que o filme. Ótimo, é todo material que a Ocean precisava mesmo e assim eles relançaram o jogo que já tinham lançado para Nintendinho em 1991. Sim, esse jogo é um port de Nintendinho, what possibly could go wrong?

Mas chega de enrolar, Os Intocaveis da Ocean é um jogo composto por três estilos de jogo completamente diferentes, e cada um horrível a sua própria maneiraa.

SHOOTING GALERY

O primeiro estilo de jogo é simplesmente mirar e atirar. Simples e funcional. Embora não seja lá um grande exemplo de videogame divertido, a noticia boa é que tambem não tem como estragar muito isso né Ocean... NÉ, OCEAN?!?

Pois bem, aparentemente tem porque eles conseguiram fazer sim. É até impressionante como eles conseguiram cagar um estilo de jogo tão simples, mas eles conseguiram porque se tem uma lição a ser tirada disso é nunca duvidar da Ocean.

Pra começar, sua arma tem DOIS tiros. Eu não estou de zoeira com você, são DOIS tiros antes de precisar recarregar. E claro que ele não recarrega sozinho, obvio que não, você tem que dar os seus DOIS, então apertar o botão de recarregar e dar mais DOIS tiros.


Enquanto você esta fazendo essa dança nos botões de atira atira recarrega, você ainda tem que mirar com o direcional mais lento que eu já vi na minha vida em um jogo desse genero E tem que controlar o personagem na tela usando L e R para ele desviar das granadas, pegar cobertura e ir atrás de itens que dropam.

Cara, gente, meu deus de São Januário, olha o quanto de coisa você tem que fazer ao mesmo tempo com um personagem lento cuja mira na tela responde mais lenta ainda, PUTA MERDA OCEAN COMO VOCÊS CONSEGUEM ERRAR TANTO ASSIM? Não, sério, eu sequer acho que é intencional porque se vocês quisessem de proposito cagar o jogo vocês não teriam talento suficiente para atingir esse nível de clusterfuck que esse jogo é!

E isso que eu não cheguei nem na pior parte ainda sobre ele, que é o quão dificil esse jogo é! Pra começar, você COMEÇA esse jogo com um limite de tempo de 30 segundos. 30 SEGUNDOS!!! A única forma de prorrogar o tempo para sobreviver é matar todos os capangas e torcer pra um deles dropar um item de tempo. E quando eu digo todos é todos mesmo, porque se o capanga que dropa o item de tempo passar acabou, não tem margem pra erro aqui! Como você não sabe qual deles é, sua única chance é não deixar passar nenhum.


Como isso é fisicamente impossivel devido a velocidade da mira, o que você pode fazer é apenas torcer para os que você conseguir matar um deles dropar mais tempo. E o mesmo vale para a vida. Você começa a fase com uma cobertura, mas ela logo é destruída e voce passa a depender dos inimigos droparem item de vida para você continuar existindo. Mais uma vez, deixar passar um inimigo pode significar sua morte.

Tudo isso, lembrando, enquanto você tem uma arma com DOIS tiros e precisa controlar a mira com o direcional E o personagem com L e R. Jesus em um espetinho de queijo Ocean, como vocês conseguiram cagar tanto uma coisa tão simples? Não, sério.

FASE DE PLATAFORMA


Mostrando uma capacidade de adaptação sem precedentes, a Ocean conseguiu a façanha de transportar todos os defeitos da fase de tiro para a fase de plataforma. Você tem um personagem ultra lento com um limite de tempo que não permite um único movimento errado.

Tudo bem, não é como se você tivesse que vasculhar a fase procurando 4 itens que abrem a saída, oh, não, espera, é exatamente isso que você tem que fazer sim! Sabe, eu não realmente achei que alguém um dia jogaria o acidente de trem radioativo que é JOURNEY FROM DARKNESS: STRIDER RETURNS e pensasse "taí, é exatamente isso que a gente tem que fazer, sem tirar nem por!". Mais uma vez, Ocean, QUAL É A PORCARIA DO PROBLEMA DE VOCÊS?!?

Não bastasse o seu tempo ser contado na unha para terminar a fase (o que quer dizer que você só consegue terminar se já souber de antemão onde os itens estão), a execução disso não é nada simples. 

Como dá pra ver, algumas dessas caixas são cenário, algumas são plataformas que você tem que subir e bloqueiam tiros. Como você sabe qual é qual? Bastante simples, não sabe. Brioche na sua bunda, bola ao centro e segue o jogo. Mas tudo bem, não é como se cada segundo que você perde errando um pulo fosse fazer falta e... olha de novo, não é que é exatamente isso que é, rapaz? Que doido, né?

Tem também a coisa da energia, como você tem que rushar como um condenado não dá tempo de esperar balas passarem então sua melhor estratégia é tomar dano e torcer pra ter um first aid no seu caminho. Igual a fase de tiro.

Depois disso eles vão fazer o que? Complementar com um chefe que leva um milhão de hits pra morrer, te mata com apenas 3 ou 4 e ainda fica caindo coisas no cenário que te matam com 1 hit kill?


GOD FUCKING DAMMIT OCEAN! ARGH!

Ah, e nessa fase de plataforma você pula no X e o B (que normalmente é o botão de pulo) abaixa... o que você não usa uma única vez. Apenas porque foda-se você.

TOP DOWN SHOOTER

O terceiro modo de jogo é esse de tiro com visão de cima, como em SMASH TV e... honestamente, é o único realmente okay dos três. Não é espetacular nem nada, mas ao menos funciona. Claro, ainda é mais dificil que tirar caroço de pipoca do dente, mas pelo menos você jogar sem querer arrancar seu cerebelo e atirar na parede.

Tem até um mapa da fase mostrando onde estão os refens que você tem que salvar e um botão de correr, olha só!

A única coisa realmente contra que eu tenho a dizer desse trecho é que, além da dificuldade, ele é apenas uma fase do jogo. Existem cinco cenários com cerca de 8 fases cada um, apenas uma é essa daí e todo o resto são as desgraças de tiro ou plataforma citadas antes. Pq senão corria o risco de alguém se divertir em um jogo da Ocean, já pensou numa coisa dessas? Claro que eles tinham que fazer algo a respeito, já pensou?


Quando você pensa sobre os Intocaveis, não tem como se admirar que a coisa é um enorme clusterfuck de desgraça. Tudo começou com uma lei que não deveria existir, virou um filme que consegue falhar em coisas bem básicas e terminou em um jogo da Ocean. É um combo de derrota tão grande que eu honestamente estou mais impressionado do que puto. E olha que eu estou bem puto de ter jogado esse acidente de trem.

Então... feliz 600 reviews pra mim, yay...

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