sexta-feira, 29 de julho de 2022

[#933][Jun/96] QUAKE


Explicar porque um jogo é historicamente importante para o videogames nem sempre é uma tarefa simples, e mais sim do que não as vezes você tem que dar todo um contexto histórico de como as coisas eram para só então explicar porque aquele jogo em particular é tão importante.

A importancia de Quake, no entanto, é bem simples de explicar. Jorge, como se joga um jogo de tiro em primeira pessoa?

HÃ, VOCÊ ANDA COM O TECLADO E MIRA COM O MOUSE?

Pronto, está explicada a importancia de Quake. Os jogos de tiro em primeira pessoa como nós conhecemos hoje são todos descendentes diretos de Quake, pq antes dele o boneco sempre atirava em linha reta. O que faz sentido, dado que os FPS não eram 3D de verdade (essa história é contada no post de DOOM, de longe o jogo mais citado nesse blog) não era algo realmente fazível. 


O que alguns jogos como DUKE NUKEM 3D faziam era gambiarrar o sistema de camera do jogo, mas ainda sim vc usava só o teclado para jogar. E mesmo quando DESCENT foi o primeiro jogo de tiro em 3D, eles não realmente ousaram enlouquecer muito com isso. Então FPS era sinonimo de ter a mira travada em algum lugar da tela (normalmente no centro) e então vc movimentava o personagem para enquadrar os inimigos no seu tiro.

Isso de andar e mirar ao mesmo tempo como entendemos hoje que é um FPS... isso é tudo na conta de Quake. Uma revolução sem precedentes no genero, mas definitivamente não inesperada dado que com os nomes envolvidos no jogo, poucos jogos eram mais aguardados que o novo jogo da ID Software.


A id Software praticamente inventou o gênero (pelo menos como o conhecemos hoje) em 1992 com WOLFENSTEIN 3-D. Então, em 1993, DOOM se tornou o maior fenomeno ocidental dos videogames se não de todos os tempos com certeza de algumas decadas. Seus desenvolvedores, John Carmack e John Romero não apenas viraram milionários como se tornaram rockstars dos videogames, andando por aí com Ferraris combinando (uma amarela e uma vermelha), capas de revistas, programas de TV e essa porra toda. 

DOOM não apenas era um FPS competente, era uma pauleira de heavy metal encharcada com sangue de demonios literalmente no próprio Inferno, e o mundo estava impressionado pelo quão cool e divertida a combinação do level design estelar de John Romero era aliada as maravilhas tecnicas de John Carmack.


Em meados de 1996, todo mundo e a mãe de todo mundo já havia tentado emplacar o seu DOOM, e eu estou falando literalmente: HEXEN: Beyond HereticSTAR WARS: Dark ForcesDUKE NUKEM 3DALIEN TRILOGYKILLING TIMEVIRTUOSOBLOODSHOT... a lista beira o infinito, mas vocês já pegaram a ideia da coisa a esse ponto. Não é atoa que esse genero era justamente conhecido como "Doom Clones". Foi apenas após o lançamento de Quake que passou a ser conhecido como "FPS", pq essa foi a verdadeira quebra de paradigma. Mas estou me adiantando, eu dizia que o próximo jogo dos criadores de Doom (dado que DOOM 2: Hell on Earth era apenas uma coleção de novas fases para o mesmo jogo e não um jogo novo) era a coisa mais esperada do verão americano de 96.

Principalmente pq Quake estava em desenvolvimento desde pelo menos 1994, com ninguém tendo muita ideia de que tipo de jogo ele seria dado que seu designer/rockstar postava coisas (em foruns de BBS, ainda na idade da pedra lascada da internet) que tornavam imaginar esse jogo... misterioso. Veja, por exemplo, o que ele postou: 

Como da pra ver, Romerão da massa estava realmente focado em não apenas fazer um Doom 2.5, mas sim o RPG mais ambicioso de todos os tempos. E esse foi o começo dos problemas, porque no departamento tecnico John Carmack e o pessoal da programação apenas disse "MAS NEM FODENDO DE VERDE, AMARELO E GRENÁ".

Fazer um jogo rodando em 3D apenas com o básico do básico em uma velocidade satisfatória já era desafio mais do que suficiente, entre 94 e 96 havia apenas DESCENT e JUMPING FLASH que tiveram sucesso nisso e não são jogos radicalmente sofisticados em sistemas de jogo e comportamento de IA. Então, é, eu diria que fazer o mega blaster bogar RPG que Romero tava querendo definitivamente não ia rolar.

E o que ia rolar, então?


Bem, o que DAVA pra fazer na época era continuar fazendo o que eles já sabiam: um FPS, só que rodando numa programação inteiramente em 3D. O que, considerando toda genialidade de John Carmack, significa que sua engine rodava em 3D com uma suavidade e velocidade que não apenas sem precedentes para um jogo de computador como consumia tão poucos recursos que tornava o jogo acessível a maioria das máquinas.

O código de Quake era tão bem escrito e funcionava tão bem que vários estúdios tiveram problemas ao tentar porta-lo para outros consoles - adaptar a programação genial de Carmack para um sistema inteiramente diferente era mais dificil do que se poderia imaginar. Como curiosidade, Quake teve um port cancelado para o PS1, um para o Atari Jaguar e o port para Sega Saturn só foi lançado porque seus desenvolvedores refizeram o jogo do zero usando sua própria engine (que obviamente não roda tão bem quanto o código da ID Software).

O único port realmente decente de Quake é a versão para Nintendo 64, e apenas pq o console da Big N tinha o hardware mais avançado dos três daquela geração e aguentava o tranco melhor que o Saturn e o PS1, embora ainda sim com dificuldades.

Seja como for, por mais que a programação 3D fosse impressionante, os jogadores não estão particularmente interessados em aspectos tecnicos e sim se o jogo é bom... e aí, é bom?

Olha, verdade seja dita em termos de jogabilidade, Quake não quebrou muitas barreiras. A jogabilidade é excelente, mas em última análise é meio que apenas uma evolução segura dos conceitos introduzidos em WOLFENSTEIN 3-D e aprimorados em DOOM

O legado de Quake não é significativo por seu impacto no design de jogos singleplayer, já que apesar do level design excelente ainda é essencialmente um Doom 2.5 mesmo. A grande sacada aqui é que Carmack se ligou que o bombava mesmo com a galere era o modo multiplayer e Quake foi programado tendo primariamente o multiplayer competitivo em mente - algo que é um dos pilares sobre os quais os FPS se mantem até hoje, taí Fortnite ganhando bilhões que não me deixa mentir.

Mas como o jogo fazia isso? Bem, não apenas suas mecanicas foram otimizadas para o PVP como o modo multiplayer não apenas colocava 16 jogadores em uma arena, dividia eles em times. Esse foi literalmente o primeiro E-Sport do mundo, e toda essa industria hoje bilionária começou aqui com os jogadores formando times de Quake e disputando competições 

Esses clãs, guildas e grupos geraram suas próprias bolhas únicas de cultura. Prêmios em dinheiro entraram em cena com Quake também com o primeiro torneio - Red Annihilation - com 2.000 participantes e um fliperama como o grande prêmio. Essa foi uma das primeiras vezes que vimos comunidades online se misturando com comunidades sociais presenciais. Claro, hoje lotar um estádio para ver um campeonato de videogame com times se enfrentando, pessoas torcendo para o time A ou B sequer é mais noticia de tão normal que isso é, mas em 1997... nunca tinha acontecido antes.

E tudo isso começou com esse jogo aqui

Mas tá, isso sendo explicado, tudo tendo sido dito e feito no fim do dia a pergunta que realmente importa é: o que eu achei? O tão aguardado jogo novo da Id Software era tudo isso mesmo?


Olha caras, sendo bem sincero com vocês eu meio que concordo com o John Romero aqui que abandonou a ID Software devido a "diferenças criativas". Não a parte de sair da empresa, não sou capaz de opinar sobre isso, mas que ele ficou desapontado com várias coisas nesse jogo... isso eu entendo.

O que rola aqui é que o pessoal da ID estava tão ocupado tentando fazer o jogo funcionar que eles não deram muita atenção a experiencia em si. O que isso quer dizer, exatamente? Bem, Doom é uma experiencia heavy metal do conceito a sua execução. Vc é um soldado que estava preso em Marte porque se recusou a obedecer ordens não fodas quando um fucking PORTÃO PARA O INFERNO foi aberto (pq o que poderia dar errado mexendo com isso, né?) e agora seu trabalho é fazer sarapatel de tripa de tinhoso pq esses demonios obviamente escolheram a dimensão errada para invadir. Isso é fucking cool ou o que?

Já Quake... olha, se disser que tem uma história seria forçar a amizade para com os haikus. Tem alguma coisa com portais, mas a real que ninguém realmente se importa e essa é a chave aqui. Eu não tenho nem muita certeza de contra o que eu estou lutando. O jogo passa muito uma vibe de "cara, não importa, só faz qualquer coisa pq ninguém vai ligar" e isso é algo que o jogador sente. Pode não perceber em uma camada imediata, mas no fundo, no coração dos seus corações as pessoas sentem.



O resultado disso é que até hoje Doom é uma marca forte com jogos sendo lançados, enquanto Quake que é tão historicamente importante quanto para o genero FPS... ficou meio "ah, isso existe né mas meio que não importa, faz qualquer coisa só pra ter uma Arena PVP e era isso". É o que eu sempre digo, as pessoas podem não saber racionalmente porque elas gostam ou não se importam com as coisas, mas isso não quer dizer que elas não sintam a diferença.

VOCÊ LITERALMENTE NUNCA DISSE ISSO EM TODA SUA VIDA.

Nunca disse, mas não deixa de ser menos verdade por conta disso.

VOCÊ TAMBÉM É REALMENTE HORRÍVEL COM DUPLAS NEGATIVAS

Outra grande verdade da vida.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 124 (Fevereiro de 1998)




MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 023 (Fevereiro de 1996)


Edição 025 (Abril de 1996)


Edição 029 (Agosto de 1996)


Edição 041 (Agosto de 1997)


Edição 047 (Fevereiro de 1998)




Edição 049 (Abril de 1998)


Edição 051 (Junho de 1998)









MATÉRIA NA GAMERS
Edição 010 (Agosto de 1996)


Edição 027 (Fevereiro de 1998)


Edição 030 (Maio de 1998)