Explicar porque um jogo é historicamente importante para o videogames nem sempre é uma tarefa simples, e mais sim do que não as vezes você tem que dar todo um contexto histórico de como as coisas eram para só então explicar porque aquele jogo em particular é tão importante.
A importancia de Quake, no entanto, é bem simples de explicar. Jorge, como se joga um jogo de tiro em primeira pessoa?
HÃ, VOCÊ ANDA COM O TECLADO E MIRA COM O MOUSE?
Pronto, está explicada a importancia de Quake. Os jogos de tiro em primeira pessoa como nós conhecemos hoje são todos descendentes diretos de Quake, pq antes dele o boneco sempre atirava em linha reta. O que faz sentido, dado que os FPS não eram 3D de verdade (essa história é contada no post de DOOM, de longe o jogo mais citado nesse blog) não era algo realmente fazível.
O que alguns jogos como DUKE NUKEM 3D faziam era gambiarrar o sistema de camera do jogo, mas ainda sim vc usava só o teclado para jogar. E mesmo quando DESCENT foi o primeiro jogo de tiro em 3D, eles não realmente ousaram enlouquecer muito com isso. Então FPS era sinonimo de ter a mira travada em algum lugar da tela (normalmente no centro) e então vc movimentava o personagem para enquadrar os inimigos no seu tiro.
Isso de andar e mirar ao mesmo tempo como entendemos hoje que é um FPS... isso é tudo na conta de Quake. Uma revolução sem precedentes no genero, mas definitivamente não inesperada dado que com os nomes envolvidos no jogo, poucos jogos eram mais aguardados que o novo jogo da ID Software.
A id Software praticamente inventou o gênero (pelo menos como o conhecemos hoje) em 1992 com WOLFENSTEIN 3-D. Então, em 1993, DOOM se tornou o maior fenomeno ocidental dos videogames se não de todos os tempos com certeza de algumas decadas. Seus desenvolvedores, John Carmack e John Romero não apenas viraram milionários como se tornaram rockstars dos videogames, andando por aí com Ferraris combinando (uma amarela e uma vermelha), capas de revistas, programas de TV e essa porra toda.
DOOM não apenas era um FPS competente, era uma pauleira de heavy metal encharcada com sangue de demonios literalmente no próprio Inferno, e o mundo estava impressionado pelo quão cool e divertida a combinação do level design estelar de John Romero era aliada as maravilhas tecnicas de John Carmack.
Em meados de 1996, todo mundo e a mãe de todo mundo já havia tentado emplacar o seu DOOM, e eu estou falando literalmente: HEXEN: Beyond Heretic, STAR WARS: Dark Forces, DUKE NUKEM 3D, ALIEN TRILOGY, KILLING TIME, VIRTUOSO, BLOODSHOT... a lista beira o infinito, mas vocês já pegaram a ideia da coisa a esse ponto. Não é atoa que esse genero era justamente conhecido como "Doom Clones". Foi apenas após o lançamento de Quake que passou a ser conhecido como "FPS", pq essa foi a verdadeira quebra de paradigma. Mas estou me adiantando, eu dizia que o próximo jogo dos criadores de Doom (dado que DOOM 2: Hell on Earth era apenas uma coleção de novas fases para o mesmo jogo e não um jogo novo) era a coisa mais esperada do verão americano de 96.
Principalmente pq Quake estava em desenvolvimento desde pelo menos 1994, com ninguém tendo muita ideia de que tipo de jogo ele seria dado que seu designer/rockstar postava coisas (em foruns de BBS, ainda na idade da pedra lascada da internet) que tornavam imaginar esse jogo... misterioso. Veja, por exemplo, o que ele postou:
Como da pra ver, Romerão da massa estava realmente focado em não apenas fazer um Doom 2.5, mas sim o RPG mais ambicioso de todos os tempos. E esse foi o começo dos problemas, porque no departamento tecnico John Carmack e o pessoal da programação apenas disse "MAS NEM FODENDO DE VERDE, AMARELO E GRENÁ".
Fazer um jogo rodando em 3D apenas com o básico do básico em uma velocidade satisfatória já era desafio mais do que suficiente, entre 94 e 96 havia apenas DESCENT e JUMPING FLASH que tiveram sucesso nisso e não são jogos radicalmente sofisticados em sistemas de jogo e comportamento de IA. Então, é, eu diria que fazer o mega blaster bogar RPG que Romero tava querendo definitivamente não ia rolar.
E o que ia rolar, então?
Bem, o que DAVA pra fazer na época era continuar fazendo o que eles já sabiam: um FPS, só que rodando numa programação inteiramente em 3D. O que, considerando toda genialidade de John Carmack, significa que sua engine rodava em 3D com uma suavidade e velocidade que não apenas sem precedentes para um jogo de computador como consumia tão poucos recursos que tornava o jogo acessível a maioria das máquinas.
O código de Quake era tão bem escrito e funcionava tão bem que vários estúdios tiveram problemas ao tentar porta-lo para outros consoles - adaptar a programação genial de Carmack para um sistema inteiramente diferente era mais dificil do que se poderia imaginar. Como curiosidade, Quake teve um port cancelado para o PS1, um para o Atari Jaguar e o port para Sega Saturn só foi lançado porque seus desenvolvedores refizeram o jogo do zero usando sua própria engine (que obviamente não roda tão bem quanto o código da ID Software).
O único port realmente decente de Quake é a versão para Nintendo 64, e apenas pq o console da Big N tinha o hardware mais avançado dos três daquela geração e aguentava o tranco melhor que o Saturn e o PS1, embora ainda sim com dificuldades.
Seja como for, por mais que a programação 3D fosse impressionante, os jogadores não estão particularmente interessados em aspectos tecnicos e sim se o jogo é bom... e aí, é bom?
Olha, verdade seja dita em termos de jogabilidade, Quake não quebrou muitas barreiras. A jogabilidade é excelente, mas em última análise é meio que apenas uma evolução segura dos conceitos introduzidos em WOLFENSTEIN 3-D e aprimorados em DOOM.
O legado de Quake não é significativo por seu impacto no design de jogos singleplayer, já que apesar do level design excelente ainda é essencialmente um Doom 2.5 mesmo. A grande sacada aqui é que Carmack se ligou que o bombava mesmo com a galere era o modo multiplayer e Quake foi programado tendo primariamente o multiplayer competitivo em mente - algo que é um dos pilares sobre os quais os FPS se mantem até hoje, taí Fortnite ganhando bilhões que não me deixa mentir.
Mas como o jogo fazia isso? Bem, não apenas suas mecanicas foram otimizadas para o PVP como o modo multiplayer não apenas colocava 16 jogadores em uma arena, dividia eles em times. Esse foi literalmente o primeiro E-Sport do mundo, e toda essa industria hoje bilionária começou aqui com os jogadores formando times de Quake e disputando competições
Esses clãs, guildas e grupos geraram suas próprias bolhas únicas de cultura. Prêmios em dinheiro entraram em cena com Quake também com o primeiro torneio - Red Annihilation - com 2.000 participantes e um fliperama como o grande prêmio. Essa foi uma das primeiras vezes que vimos comunidades online se misturando com comunidades sociais presenciais. Claro, hoje lotar um estádio para ver um campeonato de videogame com times se enfrentando, pessoas torcendo para o time A ou B sequer é mais noticia de tão normal que isso é, mas em 1997... nunca tinha acontecido antes.
E tudo isso começou com esse jogo aqui |
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