segunda-feira, 2 de maio de 2022

[#873][3DO] KILLING TIME [Dezembro de 1995]


Oficialmente, o 3DO foi descontinuado no final de 1996. Porém isso foi apenas a emissão do atestado óbito, o paciente já estava morto a muito tempo. Em Janeiro de 1996 a Ação Games desistiu de vez e publicou sua última matéria sobre o console (o tenebroso ALONE IN THE DARK 2fazendo jus a vida do console), a Gamers em março daquele ano. Ou seja, é onde estamos agora. A Super Game Power ainda vai insistir em tentar ressucitar o paciente um pouco mais (o último jogo é em julho de 1996 com WAY OF THE WARRIOR, outra perola que ilustra bem o petardo), mas é inegavel que o relógio estava correndo, as ultimas badaladas se aproximando.

Assim sendo, voltamos a eterna pergunta: terá o 3DO o lendário jogo original "The Best Of" antes do seu fim derradeiro? Bem, definitivamente Killing Time é uma das últimas chances desse console superar pelo menos o Jaguar. Provavelmente a última. E eu digo isso pq KT é um jogo bastante ambicioso, até mesmo a frente do seu tempo em vários aspectos, tudo isso apesar de sua engine ser um clone de Doom.

O port para PS1 e Saturn acabou nunca saindo, mas chegou a ser feita essa campanha de marketing

Nossa história começa no Egito, anos 30. Um professor de egiptologia chamado Dr. Hargrove descobre um relógio dágua na tumba do Faraó Ramses. Só que diferente do relógio d'água no shopping Iguatemi, segundo os escritos este relógio em particular tem o poder de conceder vida eterna ao seu dono. Considerando que eu não conheço nenhum egipcio eterno, essa é uma alegação altamente questionável.

Seja como for, a condessa Tess - a financiadora da expedição - decide tomar o relógio para si mesma. Até onde me consta, se ela pagou a porra toda ela tem o direito de ficar com as coisas pra ela, então vou assumir que estou jogando como um psicopata ciumento e de sangue frio que não pode aceitar que outras pessoas tenham coisas legais.


Mas essa não é a história toda: suspeita-se que o relógio foi levado para uma mansão na Ilha Martinicus, na costa do Maine, EUA, onde a condessa Tess costuma organizar festas suntuosas para a alta sociedade dos anos 30, recebendo desde celebridades da época até gângsters. 

Em uma dessas festas, no solstício de inverno de 1932, todos os ocupantes da mansão desaparecem sem deixar vestígios, e nunca mais se ouviu falar de Tess Conway ou de seus convidados naquela noite. Você é um detetive, amigo pessoal do Dr. Hargrove que decide investigar o mistério e vai sozinho até a mansão, contando apenas com sua inteligência, coragem e seu revólver .45.

Estranhamente, ao colocar os pés na ilha, seu relógio para...


Em primeiro lugar, essa não é exatamente a primeira tentativa de fazer um FPS com elementos de survival horror no 3DO: ESCAPE FROM MONSTER MANOR tentou fazer isso quase dois anos antes. Você investiga uma mansão onde coisas sobrenaturais acontecem, o que é só uma desculpa para tentar emplacar um Doom genérico para chamar de seu.

Bem, Killing Time pode ter uma descrição parecida, mas ele faz as coisas de uma forma mais interessante do que seu antecessor e - acredite ou não, anos a frente do seu tempo. Isso porque o jogo não conta sua história através de textos ou mesmo cutscenes, o que ele faz é que os NPCs interpretam seus papeis enquanto jogo tá rolando e se você não quiser parar pra ouvir o que ele tem pra falar, tomatecru é vitamina, você segue seu caminho.

Por exemplo, quando você chega na ilha é recebido por um policial que te avisa pra ficar longe da Tess pq a mina é tretosa:


Bem, o fantasma de um policial mais precisamente, mas hey, se você não consegue encontrar um policial vivo, policiais fantasmas são um substituto perfeitamente aceitável. Seja como for, ao longo de sua incursão pela mansão você vai aos poucos presenciando os fantasmas contando o que aconteceu na fatídica noite em que todo mundo desapareceu.


Alguns falam diretamente com você, outros você assiste ecos passados deles discutindo entre eles, alguns apenas reprisam o que aconteceu nos seus últimos momentos, mas seja como for é uma forma bem mais dinamica e organica de fazer as coisas.

TÁ, É REALMENTE LEGAL E TAL, MAS O QUE TEM DE TÃO REVOLUCIONÁRIO NISSO? QUER DIZER, TER OS NPCS CONTANDO A HISTÓRIA ATRAVÉS DE SUAS PRÓPRIAS AÇÕES DURANTE O JOGO É ALGO RELATIVAMENTE COMUM

Hoje, é. Em 1995? Sem precedentes. Com efeito, em 1998 Half-Life revolucionou o mundo dos FPS com vários upgrades no genero (colocando o nome da Valve no mapa) e entre eles essa narrativa integrada ao gameplay que é muito mais legal.

Não apenas esse jogo é um tipo de precessor espiritual de Half Life, como pensa só nisso: é um FPS com uma forte ambientação opressiva, que se passa nos anos 30 (e repleto de arquitetura Deco, por tabela) onde vc explora uma locação onde alguma coisa saiu terrívelmente errado e você vai revelando aos poucos o que caralhas aconteceu com todo mundo ali... isso te alguma coisa?


Jogando Killing Time não tem como evitar ter algumas vibes de Bioshock, sendo que o jogo do 3DO veio mais de uma decada antes, e isso é algo a ser elogiado. Até pq como eu disse a ambientação é muito boa e passa o feeling opressor de survival horror - a edição de som desse jogo é muito boa, e você depender ouvir os gemidos agoniados das almas presas nesse limbo temporal pra encher elas de pipoco é algo que cria uma atmosfera excelente.

Alias falando em pipoco, todos os sons foram gravados a partir de armas reais - e falando do som, a trilha sonora desse jogo é bem variada desde temas opressores a canções de jazz dos anos 30, tocadas por instrumentos reais e compostas especificamente para esse jogo.


Outra coisa excelente é o design dos mapas: ao contrário de fases, a mansão é todo um grande único mapa que você acessa areas diferentes, algumas precisando de chaves especificas para abrir. Executar isso bem é algo mais dificil de acontecer do que parece, HEXEN: Beyond Heretic teve direção do lendário John Romero e ainda sim bateu cabeça em fazer essa ideia de fases conectadas. KT tem um mapa bem mais funcional do que isso, então kudos aos desenvolvedores por isso - o que também dá (mais ainda) pontos de imersão ao jogo.


Assim sendo, tem realmente muito o que gostar nesse jogo. O que realmente vende este jogo é a história, o design e a atmosfera - e o que embasa isso é a atenção aos detalhes. Tudo está lá por uma razão e você pode imaginar o que aconteceu naquela noite com base nos inimigos e cenário - como por exemplo, a dispensa está pegando fogo pq os empregados que moviam as caixas de munição estavam fumando, como você pode imaginar quando enfrenta os esqueletos amarelados fumantes nesse setor.

Os inimigos do jogo são praticamente tudo e todos que estavam na ilha naquela noite, desde os convidados até animais e insetos. Alguns se tornaram perigosos fantasmas e aparições enquanto outros são inofensivos mas foram condenados a repetir seus últimos momentos pela eternidade, todos com muitos detalhes e quadros de animação. Os fantasmas e monstros que infestam a mansão são uma mistura de filmagem, animação em computação gráfica e manipulação de imagens. O jogo é enorme e não há loading de nenhum tipo, carrega continuamente do disco e as fases são interligadas, sendo o único sinal de que você trocou de cenário a mudança do som ambiente e trilha sonora.

ENTÃO... É ISSO? ACONTECEU? DE VERDADE QUE O 3DO FINALMENTE TEM O SEU EXCLUSIVO "THE BEST OF"? REALMENTE ACONTECEU? 

O que? Ah, não, é claro que não. A jogabilidade desse jogo é uma senhora tremenda e colossal BOSTA.

NANI?!?

Pois é, eu fiquei assim também. O jogo tenta tantas coisas novas, coloca tanto esforço nos detalhes... mas simplesmente não parece que alguém pegou esse jogo pra testar, é a melhor forma que eu posso descrever a jogabilidade dessa coisa.

O que acontece aqui é que o D-Pad do 3DO é pessimamente programado, eu nunca vi um FPS tão sensível assim: se você segurar para o lado por um segundo o personagem dá quase dois giros completos, e mesmo depois que você larga a mira ainda continua deslizando um pouco como se o controle fosse algum tipo de fase do gelo ou algo assim - o que sequer faz sentido, mas é a melhor forma que eu posso descrever.

Isso torna mirar uma tarefa absolutamente ingrata e infeliz... o que é a definição de ter algo errado quando estamos falando de um FPS. O combate nunca é divertido com esses controles, e aí tu me fode o meio campo amigo.

Esses caçadores podem atirar em você de muito longe e vão dar um ou dois tiros antes que você possa centralizá-los em sua visão. É impossível sneakar eles. Eles levam até seis tiros de pistola pra morrer e raramente soltam munição.

Mas não apenas isso, o jogo é repleto de pequenos erros chatos que teriam sido corrigidos em um playtest. Por exemplo, no início do jogo tem um grande labirinto do lado de fora dos jardins da mansão, infestado de caçadores e patos que fazem um barulho irritante. Supostamente serviria como uma fase introdutória e uma espécie de tutorial, mas o que ocorre é que a dificuldade é desbalanceada e é muito dificil passar pelos caçadores com as armas que você tem porque você leva muitos tiros antes de conseguir matar eles - eles são inimigos mais avançados, não deveriam estar na parte inicial do jogo, não com as armas que você tem a disposição. 

Ou então outra coisa é que se você seguir o labirinto pela direita acaba indo parar nos subterrâneos da mansão, um lugar que não deveria chegar nem perto antes da metade do jogo porque você precisa de armamento bem pesado para passar por aí. Mas você precisa fazer isso logo no começo, e não é raro os jogadores desistirem porque o jogo tem esse dificulty spike louco com menos de 15 minutos de jogo. E assim o jogo é todo desbalanceado assim.


Outras pequenas melhoras que teriam acrescentado qualidade de vida ao jogo: um indicador de que lado você está tomando dano porque vc nunca sabe isso, os mapas terem nome de qual areas são conectadas para você se orientar, ALGUMA explicação do que os power ups fazem pq nem o manual diz isso. E por aí vai, conforme você vai jogando a cada instante você deseja que alguma coisa fosse feito de uma forma diferente.

Killing Time poderia ter sido um dos grandes jogos dos anos 90, sem exagero mesmo dado que o jogo teve ideias que depois foram reaproveitadas em clássicos como Half-Life e Bioshock... mas infelizmente tudo que envolve efetivamente jogar o jogo é envolto em sofrimento e dor. Uma pena, o 3DO chegou realmente perto dessa vez.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 015 (Junho de 1995)


Edição 024 (Março de 1996)