domingo, 20 de outubro de 2024

[#1324][Set/98] THE GAME OF LIFE



Normalmente quando eu conto a história de algo no qual um jogo baseado - seja um livro, um filme ou mesmo um brinquedo - eu costumo voltar bastante no tempo. Porém nunca em mais de 167 reviews de outras midias, nunca mesmo, eu voltei tanto no tempo. Isso pq a nossa história começa em 1860, cento e sessenta e quatro anos atrás e isso é tempo para uma senhora de um membro fálico avantajado.

Nossa história com Milton Bradley, um empresário que possuía uma gráfica em Springfield, Massachusetts. Porém eram tempos dificeis para o menino Miltão da Massa já que era só questão de tempo até os estados do sul e do norte darem inicio a Guerra Cívil americana.

Preocupado não apenas com sua empresa mas com a eminencia de uma fucking guerra podendo acontecer a qualquer momento, Miltão se queixava com um amigo quando este sugeriu que ambos jogassem um jogo para esquecer um pouco os problemas e aliviar a mente. Esse jogo se chamava Mansion of Happiness.

Mansion of Happiness foi um jogo britânico do começo do século 19 e se tornou bastante popular na era vitoriana devido as suas morais puritanas: no tabuleiro tinham casas de virtudes e casas de vicios, se vc caia numa casa de virtude (tipo ir regularmente a igreja) vc avançava, se vc caia numa casa de vicio vc regredia (tipo "vc se apaixonou, retorne a uma fonte de água gelada para se acalmar"). Para determinar quantas casas vc andava, se usava um teetotum, já que dados eram associados com jogatina e coisas do capeta.

Milton então pensou "hã, eu tenho uma gráfica que tá parada, preciso de uma grana, a galera precisa aliviar a cabeça... bem que eu podia fazer uma versão atualizada desse jogo...", e assim ele fez uma versão "moderna" do jogo (quer dizer uma atualização de 1860 para um jogo de 1800) improvisada em um tabuleiro de xadrez

Assim as casas do tabuleiro representariam problemas mais preementes aos cidadãos de 1860, assim emulando a vida real e as coisas que aconteciam nela. Parou em “Apostas de jogos”? Volta até a casa da falência. Parou na casa do “Cupido”? Direto para o matrimônio. Caiu na casa "Contrato com o Governo"? Perfeito, agora você pode ir direto para a casa da Riqueza. Tá, algumas coisas realmente não mudaram tanto desde 1860, eu suponho...

O jogo acabou se tornando um grande sucesso, que não apenas segurou as pontas de Miltão durante os anos da guerra civil que veio a seguir, como fez dele um homem realmente rico e um magnata dos board games. Sua empresa - a Milton Bradley Company - passou a se focar em brinquedos e boardgames, criando alguns jogos que ainda são sucesso até hoje - jogos como Batalha Naval, Jenga, Operação, Twister e Hero Quest são alguns exemplos dos jogos criados pela MB Co

Twister, indiscutivelmente um dos maiores jogos já inventados

Mas muito que bem, esse não é o fim da história ainda. Isso pq 1959, o designer de jogos e brinquedos Reuben Klamer estava querendo dar o grande salto da sua carreira e conseguir uma boquinha em uma das maiores empresas de brinquedos do mundo.

Ele então botou seus projetos e suas ideias embaixo do braço e foi tentar ver se vendia seu peixe para a grande corporação. Ao que os executivos da Milton Bradley Company apenas olharam e disseram:


Mas hey, não é por isso que eles não podiam ser amigos e sabe mais o que? No ano seguinte, 1960, a Milton Bradley Company estaria comemorando seu centenário. Se Klamer tivesse algo legal para apresentar para comemorar essa data na empresa, eles poderiam fazer negócios.

Ao que Klamer pensou "hã, eu meio que posso ter uma coisa em mente sim...". Eis o que ele fez: foi até o porão da empresa, pegou o "Jogo da Vida" original que deu origem a empresa e decidiu fazer um remake dele. Quer dizer, o que poderia ser mais especial para comemorar o centenário da empresa do que um remake do jogo que começou tudo isso?

Assim Klamer pegou aquele jogo que era essencialmente um tabuleiro de xadrez e deu um tapa de modernidade, transformando ele no "Jogo da Vida" que conhecemos hoje e que provavelmente foi o que vc já jogou em algum momento.

Uma familia claramente forçada a sorrir sob coação joga o jogo da vida para o deleite de um maníaco no poder

Você sabe, fazendo um tabuleiro mais legal do que o original, colocando uma roleta mais legal que o teetotum original, e colocando eventos mais relevantes a vida de 1960 que os valores moralistas religiosos do original

A versão dele refletia no tabuleiro o consumismo do Sonho Americano dos anos 60, sendo que o dinheiro foi introduzido como o que você faz ganhar o jogo, não apenas "chegar ao final primeiro" - o que meio que era a visão dos anos 60, a vida do americano confortável era sobre acumular coisas até o fim da vida e não apenas conseguir sobreviver a ela como era em 1860.


E agora, em 1960, ao contrário do original você tinha até escolhas! Podia-se escolher seu caminho a seguir, indo para a faculdade e obtendo mais opções de profissões ou partindo direto para os negócios - o que na prática influenciava a quantia ganha a cada vez que passasse por uma das muitas casas de “Dia do Pagamento”.

As profissões do jogo original eram as mais clássica da época, você podia ser um médico, advogado, fisico, professor ou jornalista - porém versões modernas do jogo de lá pra cá atualizaram a lista de profissões, assim como a opção de mudar de carreira - algo que é bem mais comum hoje do que em 1960

Mas sabe o que é realmente curioso?  Em 2008, Reuben Klamer teve um ataque cardíaco e precisou fazer uma ponte de safena. O curioso disso é que depois conversando com o médico que salvou sua vida, o médico contou que decidiu ser médico pq ele jogava o Jogo da Vida quando criança e só vencia quando escolhia médico como profissão

O resultado disso é que o Jogo da Vida é o segundo jogo mais popular de todos os tempos (atrás apenas de MONOPOLY), e que continua caminhando e refletindo a sociedade em que vivemos.


No que é provavelmente o acessório mais aleatório da história dos videogames, existe esse controle de PS1 especificamente para jogar o Jogo da Vida no sistema

Claro, você pode argumentar que você faz realmente poucas escolhas para um jogo - e em especial em um jogo para videogame, onde tudo que você faz em 94% do tempo é rolar a roleta e assistir. E enquanto isso não está errado, o jogo realmente é sobre rolar a roleta com quase nenhum input do jogador, eu vou te dizer o seguinte em defesa do jogo: jogar o Jogo da Vida é o único cenário em que eu não vou morrer sozinho!

Então eu vou apenas aproveitar a fantasia irrealista e não reclamar muito a respeito disso, sem críticas adicionais. Até porque, afinal, esse é o grande jogo que chamamos de vida!



MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 138 (Abril de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 040 (Abril de 1999)