Todo genero bem sucedido nos videogames (ou em qualquer coisa, na verdade) precisa de um exemplo do que eu chamo de "padrão ouro". Não necessariamente o melhor da categoria, mas um referencial que qualquer leigo possa entender do que estamos falando. Por exemplo, a esse ponto de 1999 o jogo SUPER MARIO 64 não era mais o melhor jogo de plataforma 3D do mercado, BANJO-KAZOOIE era um jogo melhor por exemplo.
Mas se vc precisa apontar uma base, um norte, um ponto de partida para entender o que é um jogo de plataforma 3D, então mostre a essa pessoa SUPER MARIO 64. Você pode não gostar de tudo, você pode fazer melhor ou pior, pode escolher ignorar suas lições ou pode escolher resolver seus problemas, mas seu ponto de partida, sua tabula rasa, onde você começa a pensar o genero. Assim como CONTRA é o pilar sobre o qual todo genero run'n gun foi construído.
E agora que você entendeu esse conceito, você vai entender quando eu disser que Dance Dance Revolução é o definidor do genero para os jogos de ritmo musical. Não foi o primeiro, não é o necessariamente o melhor, mas quando você pensa em ritmo musical, seja para construir em cima ou concertar seus defeitos, você está pensando em dançar dançar e revolucionar.
Vamos lá: em 1998 a Konami estava apostando uma boa grana que jogos de genero musical eram uma ferramenta maravilhosa para atrair publico leigo para os fliperamas. É uma cena pouco provavel que você vai ver um bando de colegiais japonesas saindo da escola e cotovelando os marmanjos pra jogar umas fichas de SAMURAI SHODOWN 64: Warriors Rage no meio da fumaça e bitucas de cigarro. Agora tocar uma musiquinha em Guitar Hero, é, isso é bem mais provavel.
Logo, a Konami (e várias outras empresas) viram nesse genero um filão para atrair o publico que não er gamer inveterado - vulgo, a maior parte das pessoas. Assim eles tentaram varias vezes com varias variações possiveis de atrair o publico leigo: BEATMANIA era sobre ser um DJ com uma pickup para brincar no fliperama, POP'N MUSIC era voltado a um publico mais novo com grandes botões coloridos e satisfatórios para apertar, eles tavam na pista tentando... e ainda estão, esses jogos são lançados até hoje com máquinas e lineups de músicas diferentes.
Porém o sucesso sucesso mesmo só veio quando a Konami acertou o ouro ao descobrir que o segredo não estava em fazer música, mas sim em dançar. Poucas pessoas são musicos na vida real, mas muita gente dança. Alias bem ou mal, todo mundo dançou em algum momento da vida ou o está fazendo nesse momento. O que torna meio dificil de ler esse texto, mas quem sou eu para julgar?
Mas tá, como você faz para fazer um jogo de dança em 1998? Quer dizer, hoje é fácil e barato fazer um sensor de movimento, mas em 1998 comofas? Bem, felizmente essa questão já havia sido respondida uma decada antes, literalmente. Desde a época dos anos 80 tapetes de movimento para os controles já eram uma coisa, e não eram muito dificeis de fazer - tanto que funcionavam no Nintendinho... hã, mais ou menos funcionavam, mas vc pegou a ideia.
Essa era a isca perfeita para fazer um jogo para pessoas que não jogavam fliperamas, porque não parece que você está jogando um jogo ao mesmo tempo que tem todos os reforços positivos de jogar um jogo: é satisafatório bater o pé no lugar certo na hora certa e ver as flechas explodirem com um feedback imediato informando o quão preciso você foi.
Se tem algo que as pessoas sempre param pra olhar, são máquinas de construção civil trabalhando e alguem fervendo no DDR
Os gráficos eram brilhantes e a música no talo como uma boate, mas as instruções na tela são super legíveis e o fundo não distraía. Tudo no jogo foi feito para fazer você esquecer o quão ridículo você pode parecer e talvez o mais importante seja fazer com que qualquer espectador que você tenha tenha muito mais interesse em assistir a tela em vez de assistir a você, para que você nunca se sinta envergonhado em jogar.
Os controles também são super simples e intuitivos. Quatro direções na tela e quatro direções aos seus pés. Os símbolos eram consistentes, intuitivos e responsivos, o que era fundamental. O jogo tambem não é muito punitivo a principio (como os arcades tendem a ser) e o jogo te ensina a acertar o timing correto, é uma lógica de conquistar o jogador antes de arrancar o couro dele - dado que, novamente, era um jogo dedicado ao publico casual.
Mas tá, a Konami já tinha seu setup montado e era um bom jogo de ritmo, certo. Agora, qual seria a isca para o publico leigo? Ora, música, obviamente. Mas não qualquer música, a Konami decidiu que ia investir um pouco aqui e licenciou algumas músicas que seriam conhecidas do publico leigo, como por exemplo o remake de Kung Fu Fighting pela Bus Stop que era popular nas baladinhas da época:
Ou se você quiser algo mais clássico que seus pais certamente vão reconhecer, nada tema: DDR tinha você coberto!
E claro, aquela musica que gruda no ouvido de tão anos 90 que era!
Como os gringos dizem: line, hook and sinker! O resultado disso é a série Dance Dance Revolution se tornou um sucesso tão grande que tem mais de 90 versões oficiais, incluindo jogos para arcades e versões consoles domésticos. Claro que o numero é impressionante, mas na real bem pouca coisa realmente muda além da lista de músicas e de vez em quando algum modo de jogo (como o endless mode, onde a musica vai tocando até você errar e eu totalmente vejo um ditador louco usando isso como forma de execução "aqueles que serem eliminados do jogo morrem, dancem, dancem, vocês não queriam uma revolução?")
Com efeito, não é raro tres ou quatro versões do jogo sairem no mesmo ano, pq como eu disse a questão é mais só trocar a set list - e especialmente pq licenciamento de musicas é um gasto e uma burocracia do caralho - então 90 jogos em 26 anos ainda é um número impressionante, não é nada de extraterreno tambem.
Mas tão importante quanto isso, é que DDR se tornou mais do que um jogo, um fenomeno cultural sendo representado em filmes, séries e atraindo publico casual não gamer para os fliperamas de shopping - o que salvou essa instituição do ocidente, já que o tipico gamer de fliperama que era atraído especialmente pelos jogos de luta foi ficando cada vez mais e mais satisfeito com as versões domésticas dos jogos.
Não é realmente um exagero dizer que se ainda existem fliperamas em shoppings hoje, não é em pouca monta a necessidade das pessoas em dançar dançar e revolucionar! E claro que as versões domésticas não possuem o mesmo charme se jogadas com o controle, é por isso que a Konami tem você coberto e lançou controles na forma de tapete de dança... que ainda hoje existem e as pessoas usam para zerar Dark Souls, pq é assim que o ser humano rola, obviamente.
Inclusive a propria primeira versão do jogo para PS1 já vinha com um contador de calorias gastas supondo que você estava jogando no tapete, tornando esse um jogo de fitness muito antes do WiiFit realmente ser uma coisa (mas muito depois do Dance Aerobics, do Nintendinho de 1987).
Hoje, Dance Dance Revolution é mais do que apenas um videogame. Muitos jogadores usam DDR como exercício aeróbico e, em 2007, o New York Times informou que mais de 1.500 escolas de ensino médio dos EUA tinham planos de incorporá-lo em seus programas de educação fisica. DDR se tornou um esporte oficial na Noruega, com torneios patrocinados pelo governo.
O o sucesso da DDR também abriu caminho para a explosão de jogos musicais que se seguiram em meados dos anos 2000, como Guitar Hero e Rock Band, realmente se solidificando como o padrão ouro do que esperar de um jogo de genero musical e realmente se tornando uma revolução no cenário musical de jogos - como o nome prometeu
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 156 (Outubro de 2000)
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