quinta-feira, 3 de outubro de 2024

[#1312][Jul/1999] LEGEND OF MANA

Em 1999, a Squaresoft estava em uma posição particularmente única no mundo dos vidjigueims: embora não fosse a maior produtora de RPGs da sua terra natal (e a este ponto eu não acho que milagre algum faria Final Fantasy - o carro chefe da Squaresoft - passar a popularidade do fenomeno cultural que era DRAGON QUEST), no ocidente o nome da Squaresoft era um selo de qualidade para todos nerds cabeçudos querendo waifus e historinhas, não necessariamente nessa ordem. 

Mesmo quando não acertava totalmente, a Squaresoft ainda acertava bastante - caso em ponto, FINAL FANTASY 8 pode ter várias... questões... que eu abordei naquele texto, mas ainda sim foi o quarto jogo mais vendido de toda história do Playstation, com mais de 8 milhões e meias de cópias. Então, sim, no ocidente a Squaresoft era sinonimo de sucesso.

E sucesso no maior mercado do planeta significava uma coisa e uma coisa apenas para a Square:


Mas pq eu estou explicando o contexto? Bem, primeiro pq eu sou um nerd velho que não tem amigos para falar sobre todas as coisas inuteis que eu sei, mas segundo e principalmente pq entender que a Square estava acendendo charuto com nota de 100 é muito importante para entender o jogo de hoje.

Isso pq como a empresa estava fazendo mais dinheiro do que sabia o que fazer com ele, eles podiam se dar ao luxo de permitir projetos mais conceituais, mais artisticamente ambiciosos e menos seguros comercialmente. Em outras palavras, eles podiam se permitir bancar jogos esquisitos. E acredite em mim quando eu te digo que dificilmente vc vai encontrar um jogo mais esquisito do que A Legenda da Irmã!


A trilha sonora é composta pela lenda Yoko Shimomura, que se tornou uma lenda por ter composto as musicas temas de STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR ainda na Capcom, e que posteriormente se mudou para a Squaresoft onde continuou esbagaçando com coisinhas como a trilha sonora de SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars e PARASITE EVE. A mulher é um monstro ou o que?


Então, a minha história com a série Mana é meio esquisita: eu absolutamente detesto o primeiro SECRET OF MANA (que na verdade é o segundo da série), acho que a Square falha em coisas muito básicas nele, mas em compensação acho que TRIALS OF MANA é uma puta de uma aula de como se constrói um mundo de RPG. Isso sendo dito... nada disso tem a menor importancia aqui pq o terceiro jogo da série (que na verdade é o quarto) não tem absolutamente nada a ver com os jogos anteriores, ou com nenhum jogo na verdade. Legend of Mana é muito a sua própria coisa.

E por isso eu quero dizer que esse é um RPG que não tem realmente uma história, ele não é nada senão uma coleção de sidequests aleatórias. Mais precisamente, 68 sidequests que não realmente se juntam para contar uma história maior nem nada. Você chega na cidade, pega a sidequest de recuperar o poodle dourado do Mr. McGuffin, faz a dungeon correspondente e isso é isso, enxagua e vamos pra próxima. É isso o jogo.

Claro, nem todas as sidequests estão disponíveis de cara para o jogador e completar algumas são requisitos para desbloquear outras. O que parece bastante simples na teoria... até que você começa a jogar e descobre que navegar entre as quests desse jogo é tentar desembaraçar uma bola de fios que ficou no seu bolso enquanto a roupa era lavada.


Legend of Mana tem um fluxo ambicioso, onde as quests te dão artefatos que você usa para abrir novos lugares no seu mapa, e entrar nessas áreas pode desbloquear novas quests. O que funciona mais organicamente no papel do que na prática, eu temo, pq não raramente vc esta em uma missão que enviava um NPC para um novo local que vc ainda não desbloqueou. Então vc começa outra missão que é essencial para destravar a missão final do jogo, apenas para descobrir que vc não consegue progredir porque precisava falar com aquele NPC e ele tinha sumido. 

Isso quando vc sabe que precisa falar com dado NPC, mais frequentemente sim do que não a quest apenas trava e você não faz a menor ideia do pq, se você olhar um detonado ele vai te dizer para falar com tal NPC em tal lugar, mas não tem ninguém lá - e que condições fazem ele aparecer naquele lugar é algo que você não tem remotamente como descobrir já que as condições de ativação não são remotamente claras nem pra quem já terminou o jogo 10 vezes.


Como eu disse, Legend of Mana é um emaranhado de fios que vc tem que desembaraçar e na maior parte do tempo sequer sabe o que está tentando conseguir em primeiro lugar. Existem jogos que precisam necessariamente de um detonado para serem terminados, mas LoM é a primeira vez que eu não posso garantir que mesmo isso vai te resolver a vida. Talvez vc não tenha falado com um NPC o numero correto de vezes, talvez você esteja no dia da semana errado, talvez você não tenha feito a quest certa... a grande razão é que na maior parte do tempo vc não vai saber porque as coisas não estão avançando e isso não é exatamente a definição de diversão no meu livro.

Adicione a isso que o jogo é abarrotado de coisas que simplesmente não funcionam, parece que a Square estava usando esse jogo como um laboratório de ideias para ver o que podia usar nos seus jogos "de verdade" e o resultado é que temos aqui meia duzia de sistemas que não apenas não fazem diferença nenhuma, como simplesmente não funcionam direito. 


Descobrir como funciona a a magia, técnicas especiais, elementos, criação de monstros ou qualquer uma das dezenas de outras mecânicas de criação de armas e itens é um pesadelo do qual o jogo te explica muito pouco, quase nada. Durante o jogo você coleta centenas de itens que tem nomes muito legais, mas não usa um único deles pq os sistemas de criação de itens, armaduras, magias e etc são um pesadelo que não faz sentido nenhum. E também pq vc consegue terminar o jogo usando a espada inicial (no máximo comprar uma melhor em uma loja) e o ataque básico, um testamento que os sistemas desse jogo falharam miseravelmente na profundidade que eles deveriam trazer. 

Por exemplo: esse jogo tem um dos sistemas de criação de armas mais únicos que eu já vi, mas também é insanamente complicado, praticamente requer um guia de 40 páginas (e esse seria a versão resumida) e uma longa lista de todos os efeitos de todos os materiais. Lembrando que o jogo não explica absolutamente nada sobre como tudo funciona e o sistema de crafting pode levar horas literais. 

Quando o jogo foi lançado em 1999, ninguém entendia como ele funcionava e portanto não usava. Hoje você pode seguir um FAQ explicando algumas coisas, mas honestamente eu não vejo o ponto de ler um livro para aprender algo que nem faz diferença no jogo - como eu disse, o ataque básico dá conta e sobra para terminar o jogo. Use esse tempo para aprender a programar usando um teclado Casio do Paraguai, é um uso bem mais produtivo do seu tempo, acredite.


Eu não faço a mais remota ideia do que a Squaresoft estava tentando conseguir com isso, e eu desconfio seriamente que nem eles - tudo nesse jogo é tão desconexo e experimental que não parece que havia um plano realmente. O resultado final disso é que de todos os sistemas do jogo vc no máximo vai criar um pet que é o tutorial te ensina porcamente a fazer, e ele vai te seguir pela tela sem fazer muita coisa. E olhe lá.

CARAMBA, ENTÃO TU REALMENTE ODIOU ESSE JOGO MESMO, HEIM?

Então... essa é a parte triste: eu não odiei esse jogo, eu fiquei mais desapontado com o potencial desperdiçado do qualquer outra coisa realmente. Sim, é verdade que esse jogo é uma coleção de sidequests sem um proposito maior ligando ela, mas então... essas são boas sidequests. Com efeito, algumas das melhores que a Square já escreveu, saiba você!


Sei que não vou esquecer a quest da sereia e como mais pra frente ela se complementa com a quest de Gilbert pelo amor, chegando a uma conclusão tematicamente rica (e divertida). O debate filosófico no cerne do conflito de Ifrit, ou a história dos jumi, uma ideia genuinamente fascinante para uma raça de fantasia com um tom shoujoesco, o que é infelizmente muito raro em videogames. As interações encantadoras entre pinguins e piratas, e até mesmo o arco do dragão, que considero o mais fraco dos arcos de quest apresenta um cenário legal.

O que eu quero dizer é que com esse jogo a Square esta apenas atirando coisas na parede, e tem algumas coisas verdadeiramente legais jogadas aqui. A ideia geral da coisa é que em meio as sidequests aleatórias, existem 4 arcos de quests que mais ou menos contam um arco de história sobre alguns NPCs... mas então, eu preciso realmente ressaltar que eu aposto minha vida que se você jogar sem um detonado, você só veria uma delas, talvez parte da segunda se tiver muita sorte, e se trancaria para fora das outras. 

Se você falar com o NPC errado na hora errada, você fica bloqueado de 1/3 do conteúdo do jogo, ou pior ainda, não posicionar suas localizações corretamente no mapa. Não acredite no que as pessoas dizem que este jogo é "feito para ser explorado", pq quando você tenta explorar o jogo te pune bloqueando o conteúdo porque você foi e falou com a pessoa errada na hora errada.


Antes de terminar, obviamente, eu preciso ainda falar da coisa pela qual esse jogo é mais lembrado: PUTA. QUE. PARIU. HOLY. MAMOLLY. Esse é o jogo mais bonito do PS1. Sem discussão, sem "mas", sem nada. QUE JOGO LINDO. Sério, esse jogo parece desenhado do estilo da série Professor Layton, e eu não tenho palavras o quão anos-luz de distancia esses caras aqui estão de tudo mais que existia no PS1 (ou em qualquer sistema, na verdade) a essa altura.

Puta merda, Legend of Mana pediu pra ser bonito e entrou cinco vezes na fila, papo sério de como tudo é maravilhosamente desenhado aqui.


Enfim, Legend of Mana é um jogo com o qual eu achei muito dificil se divertir, mas que eu realmente queria conseguir amar ele. O pixel art é nível "puta que pariu largo a familia e caso contigo" de tão lindo e o combate é o melhor da série, mas não ter uma história principal e as história das sidequests serem tão desconectadas e tão faceis de perda-las que eu realmente me pergunto para quem a Square estava fazendo esse jogo, exatamente? Que tipo de jogador eles tinham em mente que seria capaz de apreciar a história, os sistemas de crafting e o mundo da forma que esse jogo foi montado?

Essa é uma pergunta para a qual jamais teremos uma resposta, eu temo. O que eu sei, entretanto, é que se o jogo tivesse uma estrutura mais tradicional, ele seria fácil um dos maiores RPGs de todos os tempos, cantado em prosa e verso até hoje, mas infelizmente não dá pra dissociar todas as decisões estranhas e desajeitadas que vêm com ele. Para cada decisão de design que Legend of Mana faz que o torna único e interessante, tem pelo menos outras duas ou três que você olha e pensa "mano, pra que...?"

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 153 (Julho de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 063 (Junho de 1999)


EDIÇÃO 066 (Setembro de 1999)


EDIÇÃO 067 (Outubro de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 039 (Março de 1999)


EDIÇÃO 043 (Agosto de 1999)





EDIÇÃO 072 (Julho de 2000 - Semana 2)