Existe um certo charme único, um je ne sais quoi nos filmes ruins que me fascinam e entretem imensamente. Só que, claro, não é qualquer filme ruim que serve para essa conta. É necessário, em primeiro lugar que um filme seja divertido ao ser ruim. Por exemplo, Batman V Superman (2016) é um calvário de quase três horas, enquanto BATMAN AND ROBIN (1997) é hilário por todos os motivos errados. Eu posso apreciar o George Clooney sacando um batcard dos seus batmamilos muito mais do que aguentar o Zack Snyder tentando retratar o Superman como Jesus em camera lenta por três horas.
No final das contas, eu não vou ficar checando meu telefone a cada dez minutos se o que está na tela na minha frente está me fazendo rir de quão sem noção são as escolhas em tela, do tipo "como alguém achou que isso era uma boa ideia em primeiro lugar?".
O que nos leva ao segundo ponto, qualquer um pode fazer um filme terrível e incoerente de propósito, mas o verdadeiro charme está em algo que claramente é tão ruim mas foi feito achando que tava arrasando. Claro que não podemos pensar em um exemplo mestre maior do que o clássico The Room (2003), em que ele transmite a cada cena o quanto seu criador insano achava que estava arrebentando a boca do balão. Com efeito, The Room até ganhou um filme indicado ao Oscar contando a história de como foi feito, de tão incrível e surreal é o fato dessa perola existir.
Isso sendo dito, é curioso notar que apreciar JOGOS ruins... é uma arte muito mais complicada. Quando você assiste a um filme ruim, uma completa falta de coerência, talento ou o minimo de bom senso se torna divertido porque o ridículo não realmente afeta sua capacidade de ver o filme. Não importa o quão ruim ele seja, o filme vai passar do começo ao fim e, embora possa não fazer sentido, você consegue vivenciar a coisa toda.
Já no caso de jogos, uma jogabilidade ruim se torna frustrante quando você não consegue progredir e fica preso por culpa do jogo. Ficar preso em uma seção com controles ruins ou tentar fazer algo e não conseguir (o que acontece muito nos jogos de luta ruins) é muito frustrante. Um jogo pode ter um roteiro hilariantemente ruim e ser divertido em sua ruindade, da mesma forma que um filme, mas uma mecânica ou design de jogo hilariantemente ruim só é engraçado por um minuto antes de se tornar mais irritante do que divertido.
Então suponho que podemos estabelecer que o segredo de um jogo ruim DIVERTIDO seria um jogo que é pavoroso, amador, terrível no nível "meu deus, quem achou que isso estava abafando?" em todos os aspectos exceto o gameplay, certo? Quer dizer um jogo que realmente te deixa na dúvida genuína se os caras estavam zoando ou se eles realmente achavam que aquela tosqueira era legal de verdade, desde que não afete o gameplay seria um jogo "tão ruim que é bom", certo?
Claro que tentar achar isso é meio que como procurar um unicornio e existem poucos jogos que realmente encaixam essa descrição: Deadly Premonition ou Sonic 06 são exemplos onde o gameplay... mais ou menos... funciona (embora eu esteja falando de cabeça do segundo sem rejogar, provavelmente não é o caso). E agora, tenho orgulho em dizer, FERROADEIRO AZUL se junta a esse dúbio panteão
Nossa história aqui é que no ano 2000 um terremoto aconteceu na península mexicana, afundando o território e trazendo de volta a tona o meteoro que matou os dinossauros. Mas antes que vc diga que isso não faz o menor sentido geológicamente, calma que melhora: o meteoro em si se torna uma ilha e sobre ela é construída uma cidade de pesquisa... e uma atração turística baseada no meteoro que matou os dinossauros
HÃ, UM PARQUE TEMÁTICO DE DINOSSAUROS NUMA ILHA... ESSA IDEIA ME PARECE FAMILIAR DE ALGUMA FORMA...
Vai vendo. Dezoito anos depois, nosso herói Eliot Com um L Só está tirando suas primeiras férias em dois anos, pensando apenas em pegar uma praia na ILHA DINOSSERO, como ficou conhecida... quando um meteoro cai em cima do meteoro que era a ilha-meteoro-boiador! Não apenas esse meteoroception acontece, como um domo de energia se forma ao redor da Ilha dos Dinossauros, não apenas prendendo as pessoas lá como transformando várias em monstros mutantes...
... que não tem nenhum dinossauro envolvido realmente, se essa não é a maior propaganda enganosa da história do turismo... mas divago, o ponto é que agora Eliot encontra o capitão de navio Doggs e a cocotinha Janine, a sniper/hacker (bela combinação de habilidades, parece um personagem que eu faria) do grupo. Juntos, eles precisam descobrir o que está acontecendo, escapar da ilha, o velho raguru.
Mas até aí, um jogo com uma premissa ruim não é algo novo nesse blog e na verdade a ilha que na verdade é o meteoro que matou o dinossauros e outro meteoro cai nela não é nem a pior que eu já vi por aqui. O que torna a coisa toda especial é a série de decisões pavorosamente sem sentido que acontecem depois que o jogo começa, e vc realmente fica se perguntando se eles estavam zoando ou alguém teve um AVC enquanto estava programando e só digitou coisas aleatórias no teclado.
Por exemplo, existe uma entidade de energia azul chamada "Nephilim" que saiu do segundo meteoro e que fica seguindo o nosso herói por toda primeira metade do jogo. O mais impressionante, entretanto, é que a equipe de desenvolvimento se deu ao trabalho tanto de programar a movimentação dela quanto ela ser uma fonte bem vaga de luz... apenas para não fazer nada com isso.
Sério, ela tem um real esforço de programação e comportamento aqui, mas mecanicamente ela não tem uma unica utilidade - a luz dela nem como fonte de iluminação ajuda - ela apenas está lá por razão nenhuma, até o momento que ela cansa de estar e para de te seguir. Novamente por razão nenhuma, os caras meio que apenas "ah, cansei disso".
MAS A IDEIA DE TER UMA APARIÇÃO TE SEGUINDO NÃO É PARA DAR UMA ATMOSFERA AO JOGO?
Suponho que em algum momento deveria ser, porém que atmosfera pode realmente ser dada a um jogo em que os inimigos derrotados explodem numa chuva de moedas como o Tio Patinhas sendo atropelado pelo Marcinho Black? Não, sério:
RESIDENT EVIL 2 |
São escolhas que vc fica tipo "mano, eles tavam zoando?". O que é reforçado pelos dialogos pq MEU DEUS, os dialogos desse jogo! Doggs nasceu para fazer comentários de tiozão e Eliot parece um personagem saído dos anos 50, que não consegue trocar duas frases com uma mulher sem ser uma cantada.
Sério, num dos primeiros momentos que o espirito da Nephilim aparece e começa a seguir Eliot, ele e Doggs tem o seguinte dialogo:
DOGGS (no melhor tom de tiozão): Ei, essa garota está te seguindo por toda parte, acho que ela está apaixonada por você!ELIOT (que tratava a Janine como namorada dele a um nível bem desconfortável de ver, mesmo tendo conhecido ela a cinco minutos atrás): Oh não, duas garotas, acho que lá vem encrenca, heim?
Aff... e certamente ajuda menos ainda que animação dos personagens seja tipo isso:
Abriu uma porta?