Jogo número mil trezentos e trinta e três nesse blog, e para a review de um numero bonito assim hoje temos um jogo igualmente bonito assim. Isso porque hoje é dia de falar dele, o tão aguardado jogo do...
Agora o interessante é que existe um numero generoso de formas de invadir e sair do lugar lutando o minimo possível - preferencialmente nenhuma vez, dado o quão ruim é o já citado combate desse jogo. Vc pode atirar uma flecha com corda e entrar pelo telhado, achar uma entrada pelo esgoto, seguir um guarda e roubar a chave dele, ou qualquer macetagem maluca que você conseguir bolar. Você tem flechas de agua que apagam as tochas para criar areas de escuridão (mas poucas, escolha com sabedoria quando usar) ou flechas sonoras que atraem guardas, o limite de como abrir seu caminho depende bastante da sua paciencia, criatividade e gerenciamento de itens.
Com efeito, se vc sabe o que fazer, existem speedruns que terminam as fases em um minuto e meio, dois minutos tops pq é só entrar, roubar e sair - porém para você aprender esse caminho são algumas horas de gameplay. E é exatamente isso que Thief te oferece, a sensação de ser um master thief. Você vê aquela mansão enorme e já pode entrar no modo 11 Homens e um Segredo, pq hoje o heist do século vai rolar, mermão!
Sabe, falando sério, se tem algo que eu aprecio em um jogo é quando ele oferece mais do que uma mecanica, é te vender um conceito. Veja, OUT RUN não é apenas um jogo de corrida, é a experiencia de passear num domingo de manhã com sua namorada numa Ferrari Spider. SID MEIER'S COLONIZATION não é um apenas um 4x4 de turnos, é sobre se colocar na pele de um administrador de colonias nas américas e entender a realidade dele, entender pq eles fizeram as escolhas que eles fizeram - mesmo as horríveis.
E Thief faz justamente isso, ele te vende uma ideia. Vc é o mestre dos ladrões, uma sombra na noite que pode entrar e sair de qualquer lugar sem ser detectado, vc é o motherfucking Thief e isso é absolutamente awesome! E não é atoa que esse esqueleto de jogo se tornou a base dos melhores jogos do genero: se você jogar Batman Arkham, Disnohored, Hitman, Splinter Cell, mesmo jogos posteriores de METAL GEAR SOLID, todos esses jogos se você prestar atenção foram construídos sobre o esqueleto de Thief. E com razão, pq a sensação de ser o predador, de estar no controle da situação e das sombras, agora isso é videogame na sua melhor forma.
Falando nesses jogos, agora que eu conheço Thief, posso dizer que Dishonored em particular é um sucessor espiritual das ideias do jogo de 1998. Claro, o combate de Dishonored é muito melhor (não que tivesse como ser pior que Thief) e a implementação de magias é soberba, mas ao que eu me refiro é que a vibe do jogo bebe muito da atmosfera e em especial da construção de mundo de Thief.
Isso pq, nos 15 poligonos que formam cada boneco, Thief tem um mundo muito interessante e estiloso - tão interessante de facto que ninguém menos que o homem, a lenda, o mito Terry Pratchet era um fã do cenário e frequentemente discutia sobre ele nos foruns primitivos da interwebz. O pessoal da Looking Glass já tinha uma reputação por sua habilidade de contar uma história com graça e sutileza através do cenário, como System Shock havia provado isso quatro anos antes, mas foi Thief que os demonstrou como os mestres desta arte. A narrativa que envolve o jogo é extremamente rica e, ainda assim, quase invisível.
Eu sei que essa sentença pode parecer contraditória, mas pense na narrativa dos jogos Souls da From Software e vc consegue ter uma ideia de como isso pode ser feito. De qualquer forma, a ação aqui se passa em "A Cidade". Não uma cidade, "A" cidade. Muito pouco é dito sobre o que há além dela, mas o que é dado a entender é que um mundo hostil e perigoso repleto de horrores que justificam as pessoas aceitarem viver nessa cidade... que não é tão mais segura assim que isso, verdade seja dita.
A Cidade é controlada por três facções: a Ordem do Martelo, ou os Hammeritas que são um grupo religioso teocrático e dogmático que segue as obras do Construtor, sua divindade. Os Pagans, quase não mencionados neste primeiro jogo da série Thief, são um grupo primitivo, quase animalesco e que controla muito do mundo do lado de fora da Cidade. E por fim existem os Vigias, a mais politica das três, uma sociedade secreta que treinou nosso ladrão Garrett e não está tão pronta para deixá-lo ir - mesmo que ele não queira ter nada haver com jogos de poder da cidade
A história da Cidade é contada através das notas e pergaminhos que vc encontra, através das conversas de outras pessoas que você ouve enquanto está escondido, e pelas belas cutscenes conceituais que vc assiste entre as fases. Este design gracioso de construir um mundo seria melhorado depois em Deus Ex dois anos depois, mas a entrega de Thief é de uma sutileza e elegancia que é uma obra de arte.
Nossa história aqui é que Garrett era um órfão que foi acolhido pelos Vigias, para ser treinado como um deles, mas abandonou a facção pq ele não tinha interesse pelos jogos de poder e politicagem que controlava a Cidade. Ele então vive a vida como um ladrão independente, especialmente para o seu receptador Cutty que lhe pede para roubar alguns itens especificos.
Cutty porém tinha dividas que nunca pagou e acaba preso pelos Hammeritas, Garret vai atrás dele afinal bons receptadores para alguém com o nome na lista negra dos Vigias não é algo que dá em arvore. Ele invade a prisão porém não a tempo de salvar seu truta... mas a tempo de chamar a atenção dos Hammeritas, que ficam mais impressionados com as habilidades de Garret do que putos realmente. Eles então propõe a ele roubar coisas para a irmandade.
E para que um secto fanático religioso quer itens mágicos bastante especificos? Olha, eu já vi deuses malignos loucos sendo revividos o suficiente para saber no que isso vai dar... e em breve, Garret também. Mas como eu disse, nada disso é contado diretamente no jogo. O que os Hammeritas pretendem fazer com os artefatos que você rouba pra ele, o que os Vigias fazem de tão sujo que mesmo alguem com pouca moral como Garret pegou e disse "pra mim chega" deu as costas para os Vigias, tudo isso só é pego explorando o cenário, lendo bilhetes, ouvindo conversas e isso é - como eu já disse - de uma elegancia que chega a emocionar
Mecanicamente o jogo é impressionante também. Não nos gráficos, essa é a parte mais fraca do jogo e vc vê claramente que foi um estudio pequeno que fez a própria engine, mas no excelente uso de som (você consegue ter uma boa noção da localização dos guardas apenas pelo som que eles fazem e dos seus passos - especialmente que tipo de piso eles estão pisando quando andam), e pela IA que pode não ser um chatGPT da vida, mas é competente o suficiente para equilibrar realismo de achar estranho uma porta aberta ou um item jogado no chão fora do lugar, com alguma burrice para te dar tempo de agir e corrigir os seus erros enquanto jogador. Para 1998, não tinha como fazer muito mais com a IA desse jogo.
Então, Thief: The Dark Project é um jogo que eu já tinha ouvido falar, mas só joguei agora pela primeira vez (bem, eu já tinha jogado o remake de 2014, mas aquilo não tem nada haver com essa experiencia) e encontrei bem mais do que eu esperava encontrar: o cenário tem um genuino esforço na sua concepção, a maior parte de sua mecânica é sólida, quando não é por escolha de design, e o jogo é a pedra fundamental sobre o qual todos os grandes jogos furtivos modernos foram construídos com níveis de detalhe que mesmo os jogos modernos não fazem.
Eu realmente adoro quando um jogo recompensa sua engenhosidade e penaliza a imprudência, e Thief te dá ferramentas o suficiente para brincar com sua engine de forma criativa e divertida. Existe uma razão pela qual este jogo (e sua sequência) aparece consistentemente perto do topo das listas modernas dos “melhores jogos furtivos de todos os tempos”, porque mesmo com ele mostrando sua idade em algumas áreas, mas a experiência geral é atemporal e definitivamente um marco na história dos videogames.
MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 040 (Abril de 1999)