quarta-feira, 2 de setembro de 2020

[AÇÃO GAMES 053] BLADES OF VENGEANCE (Mega Drive, 1993) [#479]



 Sabe qual minha abertura favorita de videogame de todos os tempos? A de Demon's Souls.

Não apenas pela ominosa trilha de tambores intercalada com um canto lírico, mas pela mensagem: no primeiro dia ao homem foi concedida uma alma, e com ela veio clareza. No segundo dia um veneno irrevogável foi plantado sobre a Terra, um demonio devorador de almas.

Pois sempre que algo bom, algo puro, algo essencialmente incrível surge, quase instantaneamente uma força de igual poder e malignidade surge também, pois fundamentalmente o universo busca senão equilibrio. É uma discussão muito profunda e ainda sem resposta na física quantica porque o universo é do jeito que é, mas uma hipotese é que as coisas são assim porque é o único jeito que elas podem ser. Talvez tenha havido centenas, milhares, milhões, infinitos outros universos e esse que vivemos é o único que se manteve estável devido a sua incessante busca por equilibrio. Talvez não.

Como de costume, três personagens: o cara forte mas lento, a mulher mais fraca mas ágil e o mago moloide mas com ataque a distancia

O que sabemos ao certo é que no momento em que algo essencialmente bom e poderoso como os videogames nasceram, uma força de igual poder porém voltada a malignitude também nasceu pois este é o princípio do equilibrio das coisas. E estou falando é claro, de Jordan Mechner.

Meu mais antigo inimigo na história desse blog, Jordan Mechner é um homem que dedicou sua carreira e sua própria vida inteira a tornar os videogames a experienia mais sofrível e irritante que um jogo pode possívelmente ser. É um homem que tem só uma lição na sua escola de game design: "se é possível frustrar o jogador em cada pixel do jogo, eu farei isso".

E ele faz mesmo.

Ok, ao menos o power walking é cool


Agora, a boa notícia é que não existe mal que sempre dure e após flagelar a humanidade com desgraças como KARATEKAPRINCE OF PERSIA e PRINCE OF PERSIA 2: The Shadow and the Flame ele foi banido a sua cripta de ódio e rancor contra os videogames, onde hibernaria até 2003 quando a Ubisoft decidiu ressucita-lo com um novo Prince of Persia. Ou seja, é praticamente um daqueles filmes de maldição da múmia onde uma trupe de exploradores gananciosos fode a porra toda abrindo coisas que deveriam permanecer seladas para sempre.

Pois bem, entretanto você realmente pode dizer que é um overlord cthulluniano do mal se sua presença neste mundo não deixar uma seita de seguidores insanos dispostos a trazer a sua desgraça e ruína de volta a este mundo a qualquer custo? Não, é claro que não pode.

Eis a turba de vis rufiões! Mas zoeira a parte, achei legal o manual do jogo dar um rosto e querer dar humanizada nos programadores, é algo que não víamos muito naquela época

Por isso embora o jogo de hoje não seja um filho direto dos horrores infligidos por Jordan Mechner, é definitivamente inspirado por ele e a maldita, desgracenta escola de level design deixada por ele onde a única regra é frustrar o jogador em toda e pequena escolha de design. Não ironicamente, o jogo se chama "Laminas da Vingança", onde os produtores definitivamente tentaram se vingar daqueles que baniram seu mestre das trevas para o limbo onde ele pertence - ou seja, aqueles que gostam de videogames.

Mas comecemos do começo.

Nossa história começa quando Mannax, a Sombria não apenas conquistou todo o Reino (que só tem esse nome de "Reino" mesmo), como de alguma forma selou os poderes de Deus. Considerando que eu vivi durante 2020, não posso dizer que sou um grande fã da administração de Deus e que não esteja disposto a deixar outra pessoa tentar fazer o trabalho.

Infelizmente o jogo não toma o ponto de vista racional da coisa e assim você joga com um dos três escolhidos de Deus para recuperar os poderes dele e botar ordem na porra toda.

Devia ter pensado nisso antes de criar o coronga, te fode aí flw vlw - fim do jogo

A primeira coisa que chama atenção a respeito do jogo é o quanto ele tem cara de port bosta de jogo cocozento de Amiga. Quer dizer, as escolhas artisticas são ok (com efeito, o design dos personagens tem um grande feeling de Conan o Barbaro) mas a execução delas é naquele tom chapado de diarreia que o Amiga é tão proficiente em entregar.

Não é apenas a falta de cores que é o problema aqui (como normalmente é no Mega Drive), a movimentação dos personagens é de uma dureza que urra Amiga por todos os poros. É como diz o ditado: "se move como jogo bosta de amiga, tem cores de jogo bosta de amiga e som de jogo bosta de amiga... provavelmente é um jogo de Mega Drive lançado no final de 93/começo de 94 quando o Amiga já tinha subido no telhado e seus programadores se mudaram em massa para a coisa mais parecida, o console da Sega"

EU LITERALMENTE NUNCA OUVI ISSO NA VIDA, VOCÊ INVENTOU ISSO

Você não pode provar que eu não inventei!

ISSO É INVERSÃO DO ONUS DA PROVA, NÃO É ASSIM QUE FUNCIONA!

Escuta, Jorge, esse é um jogo sobre Deus. Inversão do onus da prova é todo o ponto aqui (na verdade o único), então é tematicamente apropriado

... VOCÊ TEM UM PONTO AQUI, EU SUPONHO...

Obrigado, mas prosseguindo a segunda coisa que você vai notar nesse jogo (logo após o tom monocromático de diarréia) é que os personagens são enormes na tela, como já foi explicado mais de uma vez que era uma exigencia da Sega porque ela queria que as fotos saíssem bonitas nas revistas e te fode aí quem for jogar. "Marketing é tudo, gameplay é nada", é como a Sega rola.

Isso nos leva ao problema que é uma característica mais iconica dos jogos de Mega Drive: saltos de fé. Como de costume, você tem que pular sem ter a minima noção de para onde ir ou no que vai cair, e em 95% dos jogos exclusivos de Mega Drive isso seria ruim, mas terminaria por aí.

E você achando que Nier Automata inventou o uso estratégico das escadas


Só que é aqui que a malignidade da escola Jordan Mecheriana entra, porque a Beam Software percebeu aí uma valiosa oportunidade de tornar a vida do jogador mais miserável ainda - como comanda a Bíblia das trevas do seu senhor profano JM. Isso porque ao desenhar o jogo os criadores identificaram quais pontos o jogador realizaria um salto de fé, e então estimaram qual seria o curso de ação mais provavel tomado pelo jogador apenas para ter certeza que ele cairia sobre algo desagradavel. 

Porque, claro, não basta encher o jogo de saltos de fé, a escola Mecheriana exige que você garanta que cada salto as cegas terminará em algo negativo para o jogador!

Quando eu falo da escola Mecheriana de filhadaputice, eis um exemplo do que eu quero dizer:

Tem um espaço apertado, aí caem inimigos de fora da tela porque a camera tem um zoom socado na bunda do seu personagem. Só isso já garante que você perde vida, porém isso não é suficiente, dá pra ir além! Porque veja, os inimigos que caem de fora da tela e que você não tem como manobrar - ou seja você não tem como se defender a respeito. Só que não apenas isso, ele também te empurra em direção a uma serra que não tem como você se defender!

Deixa eu repetir o que aconteceu aqui: apenas em uma plataforma você perdeu metade da sua vida SEM QUE VOCÊ POSSA FAZER ABSOLUTAMENTE NADA A RESPEITO DISSO. Repito, não existe quantidade nenhuma de skill, habilidade ou conhecimento previo do jogo que te impeça de perder metade da vida. É basicamente um evento scriptado, é como um mestre de RPG ruim dizendo "eu ganhei e vocês perderam, chupem losers!".

Shurikins!


Agora imagine que cada tela, cada nook and cranny do jogo foi desenhado com essa mentalidade em mente e dá pra compreender o que realmente significa todo o horror da escola Mecheriana. Claro que para isso os desenvolvedores se reservaram algumas ferramentas particularmente tacanhas, de modo que eles possam gritar "AHA! TE PEGUEI!" a cada tela do jogo.

A mais blatantemente obvia é que seu ataque não é forte o suficiente para matar os inimigos, e não existe knockback para os seus ataques. O que significa que não tem nada, eu repito NADA que você possa fazer para evitar tomar dano de todo e cada inimigo trancando o caminho.

Claro que essa coisa do knockback só funciona para os seus ataques, inimigos te jogam para trás tranquilamente... especialmente quando você está em uma escada ou em uma plataforma. É uma masterclass de filhadaputagem inacreditavel.

Sabe, nessas horas eu fico pensando em Stardew Valley. O jogo foi programado por um cara sozinho no porão dele olhando para o seu gato Eustáquio, com o orçamento de dois elásticos de cabelo e um CD da Eliana, e que tem um sistema de combate implementado como uma sidequest opcional no jogo. Veja, não é que o jogo é sobre isso, é apenas uma coisa que o cara pensou "hã, seria legal ter isso no jogo".

E ainda sim ele fez um sistema de combate perfeitamente funcional EM QUE OS INIMIGOS SÃO JOGADOS PARA TRÁS QUANDO VOCÊ ACERTA PARA VOCÊ NÃO SER SURRUPIADO POR HORDAS DE INIMIGOS TER UMA CHANCE DE VENCER!

Enquanto isso esses calhordas da escolha Mecheriana em uma equipe de mais de vinte safados, financiados pela porcaria da Eletronic Arts que aquela época já era feita de dinheiro e os corredores da empresa eram adornados com pirocas feitas de ouro maciço... acharam que "meh, isso é o básico do que um jogo deveria fazer, mas não vamos fazer isso pq te fode aí nerdão".

Esse é um daqueles jogos lançados depois que a Eletronic Arts descobriu como hackear o Mega Drive e passou a lançar jogos sem licença da Sega, que são esses dessa peça plástica amarela que só existe pra dizer "te fode aí Sega"

É de um nível de calhordice e filhadaputagem que sequer sei expressar direito.

Falando em calhordice e filhadaputagem, que real jogo realmente se orgulhar se der o mais filhodaputa e desgraçado com o jogador se não ostentar o cálice sagrado dos jogos ruins que é nada menos que... DANO POR QUEDA EM JOGO DE PLATAFORMA?

Mas puta que me pariu em chamas holísticas, quem coloca dano de queda em jogo de plataforma tinha que ser besuntado em mel vencido e pendurado de cabeça pra baixo em um canil de puppies!

SUAS FORMAS DE TORTURA NÃO PARECEM TÃO TERRÍVEIS QUANTO VOCÊ ACHA QUE ELAS SOAM.

Desculpe, eu não sou muito bom nisso. O meu ponto é que dano por queda em jogo de plataforma é igual a usar personagem overpower em uma narrativa: até pode ser feito e funcionar, mas desde que você SAIBA PERFEITAMENTE BEM O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO!

Handle with care e sensibilidade... dois adjetivos que eu definitivamente não posso associar com essa desgraça aqui.

Falando em dano por queda, eu não posso deixar de falar do irmão siamês da bocabertice que é colocar dano por queda em um jogo de plataforma: a programação ruim. Porque um verdadeiro jogo da escola Mecheriana não estaria completo se ele não estiver repleto de bugs, e aqui você tem que tomar muito cuidado onde pula porque o risco de cair pra fora.

Porque é claro que além de todos os problemas desse jogo você ainda tem que se preocupar em bugar pra fora da tela e o jogo acabar, poruqe não tem password nessa merda. É inadmissível que um jogo de 16bits tenha bug - é só uma hora de gameplay, tem como checar essa merda de trás pra frente antes de lançar. Agora permitir um jogo com bugs que não tem ao menos password, não tem como não ter sido intencional uma desgraça dessas.

Sério, ninguém pode cagar TANTO num jogo que não seja de propósito.

Mas aí você pode estar se perguntando: uau, isso tudo parece bem ruim... mas tem como piorar? Ok, pode ser que você não tenha se perguntado isso porque você é uma pessoa minimamente decente... o que não é o caso de gente que faz um jogo como Blade of Vengeance. Porque eles se perguntaram isso, e a resposta foi simples: multiplayer.

MAS ESPERA, MULTIPLAYER É UMA COISA BOA! ISSO DEIXA O JOGO MELHOR, NÃO PIOR!

Verdade... mas pra que melhorar se dá pra piorar? Eis um truquezinho sobre como tornar este o pior jogo cooperativo jamais produzido na face da Terra: 

        

Tá, e daí? Parece bom, né? Bem, me permita ilustrar mais de perto o que acontece:

Esse quadrado que eu desenhei é o limite do distanciamento entre os personagens. Se um dos jogadores de afastar do outro mais que isso, ele simplesmente trava. Se você apertar Start nesse jogo o personagem fica paralisado e permite que você rotacione os itens para usar no combate, pois é esse o efeito que trigueia que um jogador se afastar do outro o personagem simplesmente trava.

Isso é de um amadorismo de programação que mesmo em um jogo de Amiga eu não esperava uma merda dessas. Se um dos jogadores se afastar demais o outro tem que "ir buscar" o colega que deu um piripaque como o Chaves.

Não que efetivamente andar no jogo seja muito melhor que isso realmente, porque o level design é de um amadorismo que empalideceria mesmo seu mentor Jordan Mechner. Porque o que me chamou atenção foi que existem portões trancados nesse jogo, como não é incomum em jogos de Amiga: você precisa pegar chaves espalhadas pela fase para abrir caminho.

Só que aqui a coisa é feita com tanta preguiça, com tanta falta de talento que as chaves para abrir o portão estão em 97% das vezes NA FRENTE DA PORTA QUE ELAS ABREM. Mas puta que o pareo, qual é o proposito disso então? Pra que colocar uma porta trancada no jogo se a chave está parada na frente dela?

Pra que? Sério, eu só queria saber pra que uma coisa dessas!

Isso não é apenas ruim, isso genuinamente me ofende como apreciador de videogames. Vocês ganham o troféu Cartman de que não é possível meu conceito desse jogo descer mais ainda no meu conceito e...

... e...

... e eles repetiram o mesmo chefe duas fases seguidas? Quer dizer, não é nem um recolor, não é nem repetir o chefe três fases depois, na fase seguinte eles usam o mesmo chefe! Mas puta merda, isso são níveis de FODA-SE ESSA MERDA que eu não recordo de ter visto em um jogo a  muito, muito tempo!

Eu não vou nem entrar no mérito de como os chefes levam vários e vários minutos de hit para morrer ao ponto que você se pergunta se realmente está causando dano (sério, são muitos minutos), porque repetir o chefe em duas fases é mais do que eu posso aguentar.

Aprendizes de Jordan Mechner vão se foderem, sem requeijão.

De bom eu posso dizer que gosto das escolhas conceituais do visual do jogo, inclusive tendo uma segunda roupa quando você pega o upgrade de armadura (algo raro para a época) ... embora a execução de gráficos de Amiga caga tudo. E eu gosto do final: assim que você derrota Mannax e recupera os poderes de Deus ele vai full antigo testamento e passa fogo em todo mundo - culpado ou não. Porque é assim que Deus rola, ele tem sérios problemas de raiva e precisa de ajuda profissional... se bem que psicologos só servem pra deixar mais pistola ainda, malditos usando jaleco sem serem médicos... mas onde eu estava?

Ah, sim, ganha uma estrelinha pelo realismo. Uma de oitenta possíveis. Sem mais.