quinta-feira, 28 de agosto de 2025

[#1541][Out/2000] DUKE NUKEM: Land of the Babes

Uma coisa que repito com frequência neste blog é que o jogo que você joga com os dedos não é nem de longe tão importante quanto o jogo que você joga na sua cabeça. O que quero dizer por isso é simples: sua percepção de um jogo, a sensação que ele proporciona, importa mais do que a mecânica em si.

Um exemplo bem iconico: Grand Theft Auto. Uma das franquias mais aguardadas e definidoras de cultura de todos os tempos. Todo mundo conhece. Todo mundo discute sobre ela. As pessoas estão por aí dizendo que pagariam cem dólares por GTA 6 sem pestanejar. Todo aquele hype, todo aquele peso cultural. Mas aqui está o pequeno detalhe que quase ninguém fala: mecanicamente, GTA nunca foi tão bom assim. A movimentação sempre foi um pouco desajeitada, a parte de tiro sempre foi datadas (cada jogo foi lançado com tiroteios que pareciam uma geração atrás) e, em termos de variedade bruta do que dá pra fazer no jogo, tem muitos jogos que oferecem mais coisas para fazer, mais refinamento, mais diversão jogabilisticamente falando. E, no entanto, nenhum deles é GTA.

Essa é a magia. A ideia de GTA — a fantasia da liberdade do mundo criminoso, as histórias que as pessoas contam sobre ele, o mito do que ele representa — é mais impactante do que a soma de seus sistemas reais. E, sim, eventualmente eu vou fazer a análise dos GTA 3D de verdade para dissecar por que isso acontece. Mas, por enquanto, o que importa aqui é o seguinte: a percepção de um jogo é mais importante do que o jogo em si. Varias franquias vivem e morrem por essa regra, mas uma franquia em particular entendeu isso melhor do que ninguém: Duke Nukem.

Veja, Duke Nukem nunca foi sobre a jogabilidade. Isso sempre foi secundário. Estamos falando de uma franquia que nem genero tem, as pessoas lembram dos jogos de tiro em primeira pessoa por causa de DUKE NUKEM 3D, mas isso nem é a maioria — tem jogos de tiro em terceira pessoa e jogos de plataforma 2D em maior número. Duke nunca foi sobre mecânicas, design ou consistência de gênero. Era sobre personalidade. Era sobre saudar o rei, baby.

Então, o que é Duke Nukem exatamente? Bem, a resposta curta é que ele é a personificação ambulante e falante do tropo da bravata canastrona machista que Bruce Campbell tão bem personificou com a série EVIL DEAD (de quem Duke até usa os mesmos bordões). Não se trata apenas de ser "másculo". Trata-se de ser tão másculo, tão exagerado, tão absurdamente movido a testosterona que dá a volta completa e se torna uma paródia. Duke é tão macho, mas tão macho, mas tão macho que a piada é essa.

E é aí que fica interessante: as pessoas reagem a Duke de maneiras completamente diferentes. Algumas riem do ridículo, apreciando o exagero e a tolice autoconsciente. Outras levam tudo muito a sério, idolatrando Duke como se ele fosse o modelo máximo de machismo descolado. E há uma terceira parcela que o odeia completamente, vendo Duke como um símbolo de tudo o que há de errado com fantasias juvenis de poder e masculinidade tóxica.


A parte engraçada é que eu entendo as três perspectivas — e, honestamente, eu meio que oscilo entre elas. Sou um grande fã do fenômeno "tão ruim que é bom", em que algo é tão cafona e exagerado que acaba ficando incrível. Heróis como Duke, Ash ou até mesmo Austin Powers prosperam nesse espaço: eles são tão bobos, tão autoindulgentes, que é impossível não admirar a idiotice.

Mas, ao mesmo tempo, sim... eu também entendo por que muitas pessoas reviram os olhos. Principalmente o publico alvo dessa figura (garotos adolescentes) não têm o contexto cultural ou a autoconsciência para perceber que é para ser uma piada. Toda vez que Duke Nukem, Ash ou Austin Powers abrem a boca, sempre há o risco de alguém levar a sério. E quando isso acontece, os direitos das mulheres voltam cinquenta anos para o passado.

Então, sim — eu entendo todos os lados do debate. Duke pode ser uma paródia hilária, um lixo ultrapassado ou até mesmo uma caricatura perigosa, dependendo de como você o encara. E essa tensão — entre comédia, constrangimento e conto de advertência — é exatamente o que o torna uma relíquia da cultura pop tão fascinante (e frustrante). E agora que você entende do que se trata essa grande tolice, pode entender por que Land of the Babes é provavelmente o jogo mais Duke Nukem que já existiu. Quer dizer, o título por si só praticamente já explica tudo que vc precisa saber — sutileza nunca foi o ponto forte do Dukão da Massa.


A história começa no único lugar que faria sentido Duke estar: um clube de striptease. Ele está lá, de boas na lagoas quando, de repente, um portal se abre e de lá sai uma mulher misteriosa que lhe entrega seus icônicos óculos escuros — os antigos, porque aparentemente o destino do universo depende de óculos vintage. Antes que Duke possa dizer uma frase de efeito, policiais porcos irrompem, matam a mulher e são imediatamente explodidos em pedaços de bacon pelo nosso herói. Duke segue o portal e aterrissa em um bunker subterrâneo no futuro, porque é claro que temos uma viagem no tempo.

Aqui, ele conhece Jane, que lhe conta a o que está pegando: alienígenas exterminaram todos os homens da Terra, mulheres foram escravizadas e a invasão é liderada por Silverback — um híbrido de policial porco e macaco que parece um vilão rejeitado de desenho animado de sábado de manhã. Jane também é a líder da UBR, a "Unified Babe Resistance". Sim, esse é o nome real da coisa, porque é claro que é.

Então, o que temos aqui é o ápice de Duke Nukem: ele é literalmente o último machão super-carregado de testosterona da face da Terra, cercado por nada além de mulheres malvestidas e de peitos tão grandes que tem sua própria gravidade, dependendo dele para salvar o dia. Se isso parece a fantasia de um moleque de quatorze anos escrita no verso de um caderno do ensino médio, bem, é porque é exatamente isso que ela é. Eu disse que esse era o jogo mais Duke Nukem que jamais Duke Nukou.


O que nos traz de volta ao início desta review: o verdadeiro ponto de venda de DN:LotB não é a jogabilidade, é o conceito. A proposta toda é Duke sendo ultra-machista, portando armas enormes e se exibindo enquanto mulheres em trajes que mal podem ser classificados como "roupas" existem ao fundo. Estamos falando de blusas que parecem estar a um espirro de explodirem, com muito esforço segurando gazongas tamanho 46-DDD. Esse é o ponto. Esse é o gancho. Este jogo não existe por causa de propor inovações, sequer é pela jogabilidade, é apenas porque alguém pensou: "E se Duke Nukem fosse literalmente o último homem na face da Terra em um mundo cheio de gatas?" e a diretoria disse: "Manda bala".

Mas já que estamos aqui, vamos falar da jogabilidade em si. E... é surpreendentemente ok? Honestamente, eu diria que ele joga melhor do que DUKE NUKEM: Time to Kill e DUKE NUKEM: Zero Hour — embora, para ser justo, enquanto esses jogos não são nem perto de serem catastróficos, também não são lá uma barra muito alta de comparação. Seja como for, eu teria dificuldade em explicar exatamente o quanto ele realmente é melhor. Ainda assim, tem algumas melhorias claras na qualidade de vida que eu posso apontar, como por exemplo a mira automática está muuuuuito melhor. E em um jogo de tiro ser confortável atirar é meio que uma coisa importante, sabe?

O level design também é um avanço. A mistura de plataforma 3D e jogabilidade de tiro parece mais fluida, menos como dois jogos diferentes socados juntos. E talvez o mais importante, os níveis são bem menos labirínticos. Acabaram-se os momentos intermináveis ​​de ficar vagando por aí resmungando: "Ok, para onde diabos eu vou agora?". O ritmo está mais fluido, os objetivos mais claros e, embora nunca vá te surpreender, pelo menos não vai te dar vontade de atirar o controle na parede de frustração.


Agora, embora Land of the Babes seja mais um DLC para DUKE NUKEM: Time to Kill do que um jogo totalmente novo, ele traz sim uma mudança interessante na jogabilidade: o sistema de energia. Em vez de uma barra de saúde tradicional, a força vital de Duke está diretamente ligada ao seu ego. Sim, sua autoconfiança absoluta e inabalável em si mesmo é o que o mantém vivo.

Conforme Duke toma dano, seu ego diminui. Mas toda vez que ele explode inimigos em gosma ou pega produtos licenciados dele mesmo, seu ego se infla novamente. A ideia é que matar bandidos e se cercar de lembretes de quão incrível você é restaura sua vontade de viver... o que é a mecanica mais Duke Nukem que se pode imaginar.

Agora, isso não substitui completamente os itens de vida — você ainda precisará deles —, mas introduz uma pequena mudança de risco-recompensa. Se Duke estiver por um fio, o melhor que vc pode fazer é ir pra cima dos inimigos metendo bala para viver e, para dar crédito a quem merece, essa mecânica foi muuuuito melhor realizada anos depois em DOOM (2016), onde todo o design do jogo gira em torno de se manter vivo indo pra cima dos cramuião. Land of the Babes não chega a esse nível — é desajeitado, inconsistente e mais um gimmick aqui —, mas pelo menos eu posso respeitar a intenção. 


E isso é praticamente tudo o que há para dizer sobre Land of the Babes. Até porque, honestamente, a primeira imagem que vem à sua cabeça quando você ouve "Duke é o último homem na Terra em um planeta de gatinhas" é exatamente o que você encontrará aqui. Sem surpresas, sem profundidade oculta, sem subversão inteligente. E esse é o ponto principal, não é? Duke sempre foi menos focado na jogabilidade e mais na ideia — a fantasia de um herói ultramachista, seja você o admirando, rindo dele ou apenas achando cringe. E eu posso te garantir que este jogo não faz absolutamente nada para desafiar essa fórmula.

Uma última observação antes de encerrar o livro sobre Duke Nukem por um tempo nesse blog (até pq o próximo jogo seria apenas Duke Nukem Forever... e esse, bem, se você sabe o que aconteceu, então você sabe). Revendo as reviews de Land of the Babes da época hoje é uma experiencia fascinante, principalmente pela forma como os críticos foram mudando sua atitude em relação a Duke. Em meados dos anos 90, DUKE NUKEM 3D foi elogiado por ser uma lufada de ar fresco: grosso, desbocado, caricaturalmente machista, uma paródia dos heróis de ação dos anos 80, numa época em que os protagonistas dos jogos ainda eram, em sua maioria, fuzileiros espaciais sem rosto. Mas, no ano 2000, o cenário cultural estava mudando. O que antes parecia ousado agora parecia obsoleto, até um pouco constrangedor.

A análise de Steven Garrett para a Gamespot em outubro de 2000 foi direta: "o mundo politicamente correto contra o qual personagens de desenho animado como Duke foram criados para se rebelar não parece mais existir, fazendo com que as piadas de Duke soem como humor de uma outra época". Enquanto isso, David Smith, da IGN, comparou a atitude de Duke a "um velho queijo Brie que está na minha geladeira há alguns meses". Parece que o amor acabou.

E sim, claro que o final é sobre Dukão repopulando a Terra, uma babe de cada vez

Da perspectiva de hoje, o que eu posso dizer é que Duke Nukem é uma relíquia de sua época. E isso não é necessariamente ruim — desde que nos lembremos de que ele foi concebido como uma paródia... eu acho. O problema é que a paródia exige que o público entenda a piada, e o público-alvo de Duke em 2000 (e, sejamos honestos, mesmo agora) muitas vezes não entendia. A internet é cheia de exemplos do quão obtusas as pessoas podem ser com relação a essas coisas, especialmente quando se trata de algo tão frágil quanto a masculinidade de garotos.

Mas, pessoalmente, eu consigo ver o apelo exagerado. Se você o levar muito a sério, Duke é uma máquina de constrangimento. Mas se você aceitar como uma paródia irônica de clichês de ação machistas — então existe um charme estranho e cafona em sua bravata de mastigar charutos e falar frases de efeito. E em nenhum lugar esse exagero é mais alto, mais estúpido e mais honesto do que em Duke Nukem: Terra das Gatas. E por isso, hail to the king, baby.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 149 (Março de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 040 (Maio de 1999)