sábado, 30 de agosto de 2025

[#1542][Dez/1999] CRUSADERS OF MIGHT AND MAGIC


Quando eu comecei este projeto de rejogar todos os jogos que sairam na Ação Games, eu sabia que eu teria alguns esqueletos no armário para revisitar. Jogos que eu temia há anos, títulos que se erguiam como monolitos da perdição, tiquetaqueando até que eu fosse forçado a enfrentá-los em uma marcha inexorável em direção à dor.

E qual era o meu maior medo quando embarquei nessa jornada tola? O abismo sombrio dos jogos de plataforma 3D. Mas não qualquer jogo de plataforma 3D — esse trauma tão específico veio de um jogo em particular. O jogo que marcou minha infância como um pesadelo do qual eu nunca acordava: Crusaders of Might and Magic, a sombra que persegue minha vida gamer há décadas, um fantasma que sussurra: "Algum dia, você terá que voltar para mim". E esse dia chegou. Hora de finalmente confrontar o monstro, de tirar esse espectro devorador de tempo do armário e exorcizá-lo de uma vez por todas. Foi realmente tão ruim quanto me lembro... ou eu era apenas uma criança idiota que não sabia o que estava fazendo com um controle?


Um pouco de contexto: lá pelo ano 2000 eu não tinha um PlayStation, nem nenhum videogame. Minha família era pobre demais para o que na época era o auge do luxo. Todo o meu contato com jogos dependia exclusivamente de locadoras onde você podia comprar uma preciosa hora de jogo pela principesca quantia de R$ 1,00. Não que eu tivesse R$ 1,00 sobrando com frequência, veja bem. Na maior parte do tempo, eu estava sem dinheiro, vagando por aí só para absorver a atmosfera de segunda mão das telas de raios catódicos e controles de plástico.

E então chegou aquele dia. O dia em que um único jogo devorou ​​meu precioso e suado ingresso de uma hora para o paraíso digital e me cuspiu de volta na miséria. Um jogo tão confuso, tão sem objetivo, que marcou meu cérebro gamer em desenvolvimento para sempre. Por anos depois disso, tive sonhos recorrentes — não, pesadelos — sobre vagar sem parar pelas paisagens poligonais de Crusaders of Might and Magic. Sem um objetivo claro, sem ideia de para onde ir, apenas eu tropeçando em seus ambientes 3D áridos como em um daqueles sonhos em suas pernas parecem que pesam um milhão de toneladas enquanto vc grita de frustração por não conseguir acordar.

Essa imagem, esse desamparo sufocante, me assombrou por décadas. Mas aqui estamos nós agora. O garoto assustado e falido de 2000 já se foi há muito tempo. Hoje, não só aquelas... digamos, desvantagens financeiras da minha infância são coisa do passado — posso jogar o jogo que quiser, quando quiser — mas, mais importante, não sou o noob noção que eu já fui um dia. Esta é a review nº 1542 e se jogar mais de 1500 jogos não te ensina uma coisa ou duas sobre essa indústria vital, nada mais vai. Então, agora estou pronto. Eu tenho os recursos. Eu tenho o conhecimento. EU TENHO A FORÇAAAAAA!!! 

[VOCÊ ESTÁ REALMENTE LEVANTANDO UMA ESPADA DE PLÁSTICO NESSE MOMENTO?]

Bem, funcionou para o Príncipe Adam — eu tinha que tentar, vai que... seja como for, o ponto é que chegou a hora. Estou finalmente pronto para a batalha exorcizante da minha vida gamer. Pronto para enfrentar a fera que me assombra há décadas. Pronto... para ser um Cruzado do Poder e da Magia!


Então, a primeira coisa que eu tenho que dizer sobre Crusaders of Might and Magic é que... bem, não é nem remotamente tão ruim quanto eu me lembrava. Mas nem de longe. Finalmente sentar para jogar foi como confrontar um palhaço que assombrava seus pesadelos de infância — só para descobrir que ele é só um cara mal pago suando por trás de uma maquiagem barata. O grande monstro no armário não era um monstro de verdade. E, sinceramente, essa foi a parte mais decepcionante: Crusaders of Might and Magic não é catastroficamente ruim.

Porque aqui está o problema: CoMaM comete um pecado muito mais grave aos meus olhos hoje do que simplesmente ser "ruim". É chato. Dolorosamente, terrivelmente chato. Meu inimigo de infância, o jogo que um dia me assombrou como um espectro de sofrimento digital, não é um demônio — é um vazio cinzento e monótono de tédio. E isso é muito pior.

Então, vamos começar do começo: a série MIGHT AND MAGIC é um casos bizarro em que a 3DO Company realmente acertou uma. A mesma 3DO que nos deu os ARMY MEN 3D — aquelas fábricas baratas e genéricas de jogos de soldadinhos de plástico — também foi, de alguma forma, responsável por uma das franquias de estratégia mais amadas de todos os tempos. Mas, como dizem, até um relógio quebrado acerta duas vezes por dia, e Might and Magic foi o alinhamento milagroso da 3DO com a competência. Seu ápice foi HEROES OF MIGHT AND MAGIC 3, um clássico indiscutível e ainda considerado um dos maiores jogos de estratégia já feitos. Um bom jogo da 3DO — ainda parece errado dizer isso em voz alta, mas fatos são fatos.


Então, o que a 3DO fez depois de encontrar o ouro? Bem, a coisa mais 3DO possível, é claro: eles exploraram a franquia como se suas próprias vidas dependessem disso. Até porque provavelmente dependiam. Might and Magic não se tornou apenas uma franquia anualizada (porque, claro, se tornou), mas também gerou spin-offs inteiros mais rápido do que a maioria dos jogos consegue criar sequências. Em pouco mais de cinco ano tivemos vários Heroes of Might and Magic, Crusaders of Might and Magic, Warriors of Might and Magic, Shifters of Might and Magic, Legends of Might and Magic, Might and Magic: Heroes Kingdoms... a lista continua como uma arvore genealógica que causaria inveja aos Habsburgo.

Mas, falando sério, eu deveria ter ficado surpreso? Essas são as mesmas pessoas que spawnaram jogos da série ARMY MEN como um Mogwai abandonado na chuva. E ARMY MEN NUNCA SEQUER FOI BOM PRA COMEÇAR! Então imagine o que acontece quando eles colocam as mãos em uma franquia genuinamente ótima — eles a exploram até a vaca desfalecer e continuaram explorando até suas tetas virarem pó.

Então, depois que a 3DO esgotou a marca Might and Magic com estratégias e spin-offs de RTS, o próximo passo "lógico" foi se aventurar no território do hack 'n' slash — porque, claro, estávamos no final dos anos 90/início dos anos 2000, o alvorecer da era 3D, quando cada franquia de repente precisava de seu próprio jogo de ação desajeitado.


A proposta por trás de Crusaders of Might and Magic é bem simples: pegar o vasto mundo de fantasia de Might and Magic e transplantá-lo para um cenário de ação. Você joga como Drake, um herói tão agressivamente genérico que sua única característica notável é se parecer vagamente com Bruce Campbell em Army of Darkness. A missão de Drake é se vingar de um vilão maligno do mal que quer conquistar o mundo com um exército de mortos-vivos porque ele é maligno e, bem, porque ele pode. Pelo menos foi isso que consegui juntar nos momentos fugazes em que meu cérebro ainda não havia desmoronado sob o peso esmagador do tédio.

A jogabilidade é um hack'n slash em terceira pessoa, com o desenvolvimento do jogo dividido entre PlayStation e PC. Infelizmente, esse "co-desenvolvimento" significa apenas que ambas as versões são niveladas por baixo pelas limitações de hardware do PS1 — o que, no ano 2000, já eram gritantes.  Clipping não é apenas comum, é onipresente. E os poucos "floreios" gráficos que os desenvolvedores tentaram na versão de PC (que é o que aguentava, no PS1 é só o básico seco) parecem esquetes que deram errado.

Veja o efeito de sombra, por exemplo. O que você tem é uma bolha em forma humana que se estica, se contorce e frequentemente se desprende de você completamente. É difícil se sentir imerso em uma aventura épica de fantasia quando sua própria sombra está flutuando no teto como se estivesse fazendo um teste para um spin-off de Atividade Paranormal. Ou as pegadas: cada passo que você dá deixa uma marca, não importa onde você esteja pisando — terra, pedra, gelo, lava. Aparentemente, as botas de Drake são feitas de tinta de carimbo.

Agora, tudo isso poderia ter sido perdoável se o jogo tivesse compensado em outras áreas. Gráficos raramente são a alma de um RPG de ação. Uma textura sem graça aqui, uma sombra estranha ali — tudo bem, desde que o mundo pareça vivo e a jogabilidade envolvente. Mas Crusaders of Might and Magic comete o pecado visual mais grave de todos: o péssimo, pavoroso uso de texturas. O mundo aqui é dividido em seis zonas (floresta, gelo, lava, caverna, etc) e, após uma análise meticulosa (leia-se: horas tentando me manter acordado), descobri algo interessante: os desenvolvedores criaram exatamente seis texturas para o jogo inteiro. Uma única para cada zona. E então eles simplesmente espalharam a mesma textura por todas as superfícies como se estivessem pintando uma casa com apenas um balde de bege.

Mas tá, visuais sem graça e design de níveis repetitivo por si só não são suficientes para condenar um jogo. Afinal, em um cenário de fantasia, o som — tanto os efeitos quanto as vozes — muitas vezes tem tanto peso quanto os gráficos. E, para ser justo, os efeitos sonoros em Crusaders of Might and Magic são... okay. Eles existem. Eles fazem barulhos. Espadas fazem "clink", esqueletos fazem "rattle", portas rangem. Funcionais, nada mais. Mas as vozes — meu Arceus, as vozes. A única explicação que consigo imaginar é que o técnico de som chefe devia um favor aos seus enteados idiotas, então os enfiou na cabine de gravação para impressionar os coleguinhas idiotas deles. A história dos games está cheia de dublagens hilariamente terríveis — das "Jill Sandwichs" de RESIDENT EVIL ao inesquecível engrish de TENCHU: Stealth Assassins —, mas Crusaders merece um lugar no panteão dos verdadeiramente atrozes e isso é uma coisa que eu não digo isso levianamente. 

Mas tudo bem, sejamos magnanimos. Visuais sem graça, design de níveis repetitivo e vocais que parecem uma peça de teatro do ensino fundamental gravada em uma lata ainda não são suficientes para condenar completamente um jogo. Porque, no fim das contas, em um RPG de ação e fantasia, a jogabilidade é o que importa. Todo o resto é superficialidade efêmera, distrações destinadas a embelezar o loop principal. Então, o que Crusaders oferece depois de tiramos o superficial da frente?


Principalmente corrida. E não me refiro ao tipo de corrida que quer dizer que o jogo é ágil e parece uma aventura, está mais para uma maratona. O jogo é construído quase inteiramente em torno de longas caminhadas por corredores gigantescos e vazios (até mesmo as "florestas" são essencialmente corredores verdes) enquanto você ataca qualquer coisa que tenha o azar de cruzar seu caminho. Ocasionalmente, você terá algumas fetch quests (mais sobre isso daqui a pouco) para dar a ilusão de variedade, mas não se engane: este é um jogo sobre correr, esfaquear e, ocasionalmente, se perguntar por que você ainda está jogando.

Quanto ao seu autoproclamado status de "híbrido de ação/RPG", Crusaders consegue emular ambos os gêneros, sem sucesso em nenhum. Os elementos de RPG são ridiculamente superficiais. Claro, Drake ganha experiência e níveis, mas eles mal afetam a jogabilidade. Equipamentos e armas são quase os mesmos e pouco inspirados, e as conversas com NPCs são menos sobre imersão e mais sobre se maravilhar com o quão ruim a dublagem pode ficar.

A ação se sai apenas marginalmente melhor. O combate é repetitivo a ponto de hipnose, mas, para seu crédito, não é totalmente quebrado. O sistema de magias oferece alguma variedade (a única, na verdade), a detecção de acertos é aceitável — não ótima, mas funcional. Quase não há feedback quando você acerta golpe, mas os inimigos pelo menos respingam sangue ou espalham ossos ao serem atingidos. E, para ser justo, há uma diversão passageira e culpada em dar com uma clava em um esqueleto e ve-lo esguichar sangue como se vc tivesse cortado sua artéria em um filme B. Sim, aparentemente esqueletos agora têm artérias — novidade para mim também. Melhor ainda, descobri que barris também sangram mas só quando atingidos por flechas. O que é a vida senão um aprendizado sem fim, não é verdade?


Infelizmente, qualquer prazer que haja em sangrar barris e desmembrar esqueletos evapora rapidamente. O combate é implacavelmente unidimensional, e a interminável travessia por corredores idênticos o torna ainda pior. Com todos os corredores parecendo iguais graças ao orçamento microscópico de texturas do jogo, é assustadoramente fácil se perder sem perceber. Você pode pensar que está progredindo, apenas para descobrir — trinta minutos depois — que voltou ao ponto de partida. É menos "aventura de fantasia épica" e mais "esteira de baixo orçamento".

É daqui que vem meu trauma de infância. Com apenas uma textura por nível e um desfile interminável de corredores idênticos, não é de se admirar que eu tenha me perdido irremediavelmente quando criança. Analisando hoje eu consigo entender que o jogo espera que você se perca para aumentar artificalmente sua sua duração. O que é um game design de merda, mas... sinceramente? Meh. Já vi piores. As fases não são tão grandes assim — afinal, este é um jogo de PS1 — e sequer são verticais, o que diminui ainda mais o espaço que vc tem para se perder. Para quem já se perdeu por horas nas tumbas escuras de TOMB RAIDER 3: Adventures do Lara Croft ou vagou pelos playgrounds do tamanho de um estado inteiro de BANJO-TOOIE, Crusaders of Might and Magic nem chega perto de ser o pior que eu já vi.

Mas, ei, visuais sem graça, design de níveis repetitivo, vozes patéticas, jogabilidade insípida, labirintos malfeitos e barris sangrando não são suficientes para condenar um jogo. Não! Para uma aventura de fantasia verdadeiramente incrível, uma história nobre e brilhante ainda pode superar as deficiências técnicas e vencer! Sim, em verdade vos digo... exceto que, em Crusaders, a história é basicamente uma matrioska de fetch quests.


É uma coisa mais ou menos assim: a rainha das fadas precisa de um cristal. Os anões têm o cristal. O príncipe anão lhe dará o cristal... mas somente se você recuperar o cetro real. O líder rebelde tem o cetro. O líder rebelde lhe dará o cetro... mas somente se você buscar o MacGuffin dele. E por aí vai. Precisa de algo? É melhor conseguir outra coisa para conseguir o que você precisa. Ao final, a jornada "épica" se resume a ser um office-boy glorificado — exceto por ocasionais cortes de artérias de esqueletos e sangramento de barris para dar um temperinho. 

Então, como você provavelmente já percebeu, Crusaders of Might and Magic é a ovelha negra deprimente da franquia. Claro, há algumas pequenas lascas de diversão escondidas na lama (o sistema de magias é interessante e desmembramento de esqueletos nunca envelhece realmente), mas, na maior parte, é uma casca vazia de um jogo que não faria diferença não ter sido lançado. O lado bom é que se você sabe o que está fazendo, leva apenas cerca de cinco horas para terminar. O lado ruim é que essas cinco horas serão algumas das mais longas e entediantes de toda a sua vida gamer.


E então, o veredito precisa ser dado. Crusaders of Might and Magic está sendo julgado como o fantasma do meu trauma de infância, acusado de crimes contra a diversão e a imaginação. As evidências foram expostas: corredores clonados ao infinito, texturas recicladas, dublagem que soa como uma peça de teatro escolar que deu errado e uma jogabilidade tão insípida que faz esqueletos sangrarem só para te manter acordado. A defesa alega que "era o ano 2000", mas o fato de que mesmo no ano 2000 isso já era chato não valida a desculpa. 

Suponho que o que realmente importa aqui é que depois de todos esses anos eu finalmente enfrentei o demônio, exorcizei o fantasma e descobri que o grande bicho papão da minha infancia gamer era apeans um muppet bem tosco feito de borracha barata e texturas repetidas. O trauma acabou. A cruzada acabou. E se nada mais, pelo menos agora eu sei: a coisa mais assustadora sobre Crusaders of Might and Magic… é o quão pouco ele tem a oferecer.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 150 (Abril de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 066 (Setembro de 1999)


EDIÇÃO 070 (Janeiro de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 062 (Abril de 2000 - Semana 4)