domingo, 14 de junho de 2020

[ANTIGA GAMERS 000] INSPECTOR GADGET (SNES, 1993) [#401]


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Já adianto pra vocês que o jogo de hoje é mais importante pelo contexto que cerca esse texto do que o jogo em si, que realmente não tem muita coisa de especial realmente. Mas já chegamos lá. Nossa históra começa, diferente de quase todos os outros jogos desse blog, não nos anos 90 mas mês passado.

 Estava eu, feliz e contente, jogando Final Fantasy 7 Remake e aproveitando aquela ideia bacana de nostalgia modernizada que deu certo da Square. Só que qualquer um existiu nos anos 90 poderá te dizer que não dá pra falar de Final Fantasy 7 no Brasil sem falar daquela que é considerada a melhor revista de videogames jamais produzida em português:



A Gamers Book de Final Fantasy 7 não é apenas um detonado do jogo, é um produto de paixão feito do fundo do kokoro. A revista inteiramente dedicada ao jogo comenta sobre a história enquanto ela se desenrola, traduz alguns diálogos, tem trechos de músicas para dar o clima, enfim é o mais perto que uma revista pode chegar de ter um amigo com você vivendo aquela aventura. Final Fantasy VII é um jogo muito especial, e a Gamers Book é realmente uma revista a altura. Isso é uma coisa que todo gamer brasileiro sabe, dificilmente você vai mencionar a revista e a pessoa não responder com uma variação de “ah, é mesmo... cara, aquilo era bom”.

Bem, mas o que isso tem haver com esse blog? Ora, o que eu apenas descobri depois da época da internet é que a Gamers Book era, obviamente, uma edição especial da Gamers. Demorou um tempo para eu fazer essa associação com a Gamers pelo fato que eu nunca tive nenhuma dessas revistas dado que as capas deles eram... esteticamente pouco agradáveis, vamos dizer assim...


Oh boy... Em um tempo que não tinha a internet, a capa na banca era tudo que você tinha realmente. O papel da Gamers era mais barato também, curiosidade parecido com o papel que as revistas americanas eram feitas porque os gringos priorizavam a quantidade de papel do que a qualidade, então eles tinham revistas de 80, 100 paginas enquanto a Ação Games tinha uma média de 60.

O que eu lembro mais é “ah, aquela revista de games do Capitão Ninja, isso existiu né?”. Mas então, eu fiquei curioso sobre a Gamers revista e pelo que eu li a respeito, o consenso que é a revista menos profissional e autoral do mercado brasileiro. Enquanto a Ação Games tinham uma pretensão de ser organizada por jornalistas profissionais e ser apenas mais uma revista temática de uma editora que já tinha revistas sobre música, cinema e etc, a Gamers era muito mais um bando de moleques como a gente que gostavam de jogar videogame mas não tinham muita formação profissional... ou nenhuma, realmente. Para o melhor e para o pior.


Review do filme live action do Inspector Gadget pelo Nostalgia Critic

Além disso, existem alguns jogos realmente importantes que a Ação Games não cobriu por whatever reasons. Até onde me consta, não existe uma matéria na Ação Games sobre Chrono Trigger, Resident Evil 1 ou Final Fantasy 6 (com efeito, até esse momento deu pra notar que a Ação Games tem uma "certa má" vontade com RPGs, toda vez que eles publicam um falam "a gente sabe que vocês acham isso um saco, MAS..."). Então, tal qual Gastão, eu estive pensando: porque não juntar as duas coisas? Quer dizer, ao mesmo tempo eu posso ter uma cobertura mais ampla da história videogamistica... e ter mais perolas dos anos 90, porque né?

Então eu decidi expandir esse blog para cobrir a Gamers, e só de bobeira a Super Game Power que começaram a circular em 1994. Dito isso, o que é a Gamers, exatamente?




Em 1991 havia uma rede de locadoras especializadas em videogames, a Progames. Com efeito, a Progames foi a primeira franquia de locadoras no Brasil numa época que pouca gente sabia o que era uma franquia(inclusive eles mesmos). Qualquer um dessa época não consegue lembrar das revistas sem lembrar do ninja dando um soco que era o mascote da Progames. 

Fato curioso: esse ninja é do jogo Little Ninja Brothers, que os caras da progames simplesmente registraram como deles no Brasil e ficou por isso mesmo. Sério, o Brasil do começo dos anos 90 era ESSE nível de putaria: a marca é de quem gritar “é minha!” primeiro. Tanto que o primeiro mascote que eles escolheram foi um menino andando de skate que eles só não puderam registrar porque ele já tinha sido registrado no Brasil uma semana antes, um tal de Bart Simpson.

Mas então, em 1993 a Programes e a Editora Escala se juntaram para atender as necessidades das duas: a recem fundada Editora Escala queria lançar uma revista de games porque essa coisa estava começando a pegar fogo por aqui, a Progames queria um espaço para fazer publicidade dos seus produtos não apenas de graça, como tirando um lucro em cima disso. Juntou a fome com a vontade de comer.




Só que nem a Progames, nem a Escala sabiam nada sobre fazer uma revista de games (com efeito, a Escala não tinha experiencia com revista nenhuma de nada). O que foi feito então: literalmente eles pegaram um bando de moleques que passavam a tarde na locadora matriz da Progames (algo relativamente comum na época, hangear era um dos raros espaços para nerds hangearem antes da internet), deram um computador com word pra eles e vamo que vamo quicando. Nascia assim a revista Progames, um bando de moleque escrevendo sobre games. Novamente, isso funcionou para o melhor e para o pior.

O editor chefe da revista era o Marcelo Cassaro, relativamente conhecido na época na cena de quadrinhos nacional dos anos 90. Cassaro era um puta fã de RPG, e seu sonho realmente era fazer uma revista brasileira de RPG. 

Na época a editora não achava que havia publico para isso, então o melhor que ele conseguiu foi ser editor de uma revista de games. Isso não impediu ele, no entanto, de socar muita, mas muita coisa de RPG de mesa na revista, assim como quadrinhos do seu personagem Capitão Ninja. Ele também era o mais perto que a revista tinha de um profissional de verdade, e o único naquilo tudo que tinha mais de 18 anos.


Cassaro era bem famoso nos anos 90 pela revistinha dos Trapalhões, mas também fazia Sergio Malandro, Kamen Rider e adaptações BR do genero. Posteriormente seu maior sucesso viria a ser o manga brasileiro Holy Avenger e ele viria a realizar o seu sonho de fazer uma revista brasileira de RPG, a Dragão Brasil
A Progames durou apenas três edições até a Editora Escala e a franquia Progames chegarem a conclusão que a coisa fluiria melhor para todos os envolvidos se ela não parecesse uma revista tão diretamente ligada a loja, afinal qual a credibilidade que tem o elogio de uma revista que está literalmente tentando te vender o jogo?

Então a partir da sua quarta edição a Progames mudou para Gamers, e o resto é história. Uma história que você acompanha a partir de agora.



Bem, o primeiro jogo exclusivo da Gamers, que ainda não tinha saído na Ação Games... não foi um particularmente brilhante: a versão jogo de plataforma de Inspetor Bugiganga. Inspetor Bugiganga é talvez a animação que mais encompassa o pior dos anos 80 e eu digo isso não por causa de alguma bizarrice nonsense e sim pela forma que ela foi criada.

Uma empresa francesa chamada “Diffusion, Information and Communications” queria expandir seus negócios nos Estados Unidos, e para isso decidiu criar um desenho animado especificamente para o publico americano. Claro, eles poderiam começar percebendo que o nome da empresa deles é DIC. Claro, let’s shove DIC to the kids!



Atualmente, tirando os óculos de nostalgia, a DiC é frequentemente vista como o alvo de piadas. Os cartoons da DiC são notórios pela animação preguiçosa, escrita preguiçosa e tudo preguiçoso. Super Mario Bros Super Show e Capitão Planeta não envelheceram bem, a versão deles de Sabrina a Bruxa Adolescente foi genérica e esquecível e quanto menos se falar sobre sua versão de Sailor Moon, melhor. Existem algumas jóias, como o desenho bom do Sonic (tem que esclarecer, porque ao mesmo tempo eles produziram um hediondo e preguiçoso como o inferno) mas, na maioria das vezes, parece que a DiC realmente não se importa com qualidade, apenas em despejar nomes famosos e venda de brinquedos. Pode-se dizer que eles são tipo a LJN dos cartoons.

O problema é que, ao contrário dos videogames da LJN que fazem você rir com sua incompetência, os cartoons da DiC na melhor das hipóteses apenas faz em você dormir. A maioria dos programas de DiC são ruins no sentido de serem chatos, não de serem memoraveis pela sua ruindade - o que é o pior tipo de ruim. Todos seus cartoons são homogeneizados e pensados por um comite de executivos, tanto em termos de estilo quanto de animação.


"Turururururu, mochi mochi? Bossu?" 
E nenhum desenho marca mais a esquecibilidade de grande parte do catalogo da DIC que Inspetor Bugiganga. Não tem nada de particularmente errado com Inspector Gadget, apenas não tem nada de certo também. Bem, tem algumas coisas certas como a música de abertura ser uma das melhores de sua decada, e a dublagem brasileira é espetacular... mas mesmo que é só isso realmente.

Um comite de executivos fez uma pesquisa de mercado e descobriu que crianças achavam agentes secretos maneiros, e que ciborgues também eram. Então eis um desenho de um detetive ciborgue para vender brinquedos. E enquanto, de fato, a ideia de um detetive ciborgue parece legal, a execução é apenas o padrão DIC de qualidade: meh. Dificilmente você lembrará de qualquer momento desse cartoon mesmo com uma arma apontada para seus doguinhos - exceto, novamente, a abertura que realmente é muito boa.

E quando eu digo que os cartoons da DIC eram escritos por um comite de executivos, saiba que eu estou sendo literal nisso: um episódio de Denis o Pimentinha, por exemplo, teve 56 escritores e 3 editores de história. Um. Episódio.
  

Oh boy...

O conceito da coisa toda não é intrabalhavel: Inspetor Bugiganga é um detetive incrivelmente incompetente e atrapalhado, pra não dizer burro como um tijolo, mas as coisas dão certo porque ele tem sorte como o diabo com seus gadgets cibernéticos que não funcionam como deveriam e porque a sua sobrinha Penny resolve os casos para ele. Sem receber o crédito, porque ela é uma garota. Hã... é, até dá para trabalhar com isso, mas precisaria de bem mais do que os anos 80 estavam dispostos a fazer...



A coisa mais memoravel a respeito desse desenho é que eu não consigo deixar de pensar no quanto a carreira do Matthew Broderick descarrilhou. Alguém que começou com o adolescente mais cool da história (Ferris Bueller) acabou rebaixado a fazer o live action de um desenho absurdamente genérico dos anos 80 é algo que sempre me impressiona. 

Quer dizer, o quão mais a carreira de alguém pode descer depois disso?


Oh, right...

Enfim, meu ponto é que eu assisti alguns episódios enquanto jogava o jogo e puta merda, não consegui deixar de pensar no quanto as crianças de hoje me dia tem vidas boas! Sério, você já viu os desenhos animados deles? É insano! Se você achou que bullying por ser nerd e mertiolate que ardiam eram ruins, espere até ver os desenhos que os bastardinhos tem hoje em dia. É apenas injusto o quão bons eles são hoje em dia. Espero que os hoverboards não sejam inventados até que safados tenham problemas de quadril, eu te digo.



Nesse sentido, quando você pensa sobre isso, alguém poderia argumentar que a adaptação para Super Nintendo de Inspetor Bugiganga é na verdade a mais fiel e precisa adaptação de um desenho animado para videogame jamais feita. Veja: Inspetor Bugiganga, o jogo, não é horrível. Ele sequer é ruim, na verdade. O que você esperaria de um jogo do Inspetor Bugiganga: um jogo de plataforma funcional com os gadgets dele como poderes especiais, certo?


Bem, é exatamente isso que ele é. Um jogo de plataforma totalmente okay, com poderezinhos que fazem você dizer “hã, okay...”. Os gráficos são okay para sua época, o pulo funciona okay, a detecção de colisão funciona okay, a dificuldade é okay... é um jogo, surpresa surpresa, okay. Só que não vai além disso em absolutamente nenhum momento. Não é um jogo ruim sob qualquer medida, mas jamais arrisca chegar perto de ser chamado de “bom” também.

Exatamente como o cartoon. Funcional, apenas desinspirado e genérico. Teria sido essa uma decisão artistica intencional da Hudson Soft para refletir no jogo a experiencia de assistir o desenho?


 Nah, provavelmente foi o melhor que eles conseguiram fazer mesmo. Se eu tivesse que apontar alguma coisa de realmente ruim nesse jogo, eu diria que é a incompreensível ausencia da música tema do desenho no jogo. Mais bizarro ainda, ele reproduz a abertura do cartoon no SNES, então a ausencia da música tema (novamente, a melhor parte do desenho) é inexplicável. Porém se isso é a pior coisa que eu tenho a dizer a respeito do jogo, é, eu definitivamente posso dizer que já vi piores. Bem piores. 

Infelizmente, muitos melhores também.

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EDIÇÃO 054