Videogames são impressionantes. Quer dizer, realmente impressionantes. Exemplo de caso: nesse blog eu já estou com 473 jogos resenhados, indo feliz e contente
a marca do quinhentésimo jogo. Então a esse ponto você poderia achar que eu já vi tudo que há para ser visto em um videojogo de plataforma. Eu, de fato, achava isso. Até a grande magia
dos videojogos me ensinar uma lição de humildade e que os videogames sempre, para sempre, serão capazes de me surpreender.
"Já vi o mal. Já vi o horror. Já vi a agonia. Já vi vermes profanos que se refestelam nos recantos mais sombrios da alma humana. Eu já vi tudo isso. Mas até hoje eu nunca tinha visto... foi VOCÊ"
Em outras palavras, o que eu nunca havia visto até hoje foi... Jim Power: The Lost Dimension in 3-D. Veja, eu já joguei todo tipo de jogo ruim. Jogos com controles ruins (T2: TERMINATOR'S 2 JUDGEMENT DAY), com level design ruim (SONIC CD), com objetivo do jogo ruim (BACK TO THE FUTURE II & III), qualquer tipo de atrocidade que você
pensar em um videogame, eu já estive lá. Mas o que eu nunca, nunca, jamais havia visto até hoje ou mesmo sequer achava que era possível existir, era um jogo como esse.
O que esse jogo faz de tão terrível assim, você pergunta? Bastante simples: esse é um jogo que me fez passar mal. Eu quero dizer não em
um sentido moral ofendido como gamer pela ruindade do jogo, eu quero dizer fisicamente mal do tipo “cara, pera que eu não to legal”. Esse é um novo nível de ruindade, senhoras e senhores.
O que acontece aqui é que o magnífico, lindo, espetáculoso ano de 1994 trouxe não apenas alegria na forma de grandes jogos para o Super Nintendo
e o nascimento do Playstation, como uma noticia que traz calor e felicidade a qualquer um que ama videogames: o AMIGA, aquele antro de iniquidade e horror gamístico, está praticamente morto na Europa. Já
não era sem tempo, três vivas a 1994 o slayer da ruína dos games!
Entretanto, contudo, todavia, porém, isso não veio sem um preço e um preço bem pesado: o AMIGA estava morto (yay!), mas os programadores daquelas
atrocidades que eles chamavam de jogos não deixaram de existir por conta disso (menos yay, mas ainda mais yay do que eu tinha no começo). Eles migraram para plataformas de verdades onde tentaram fazer carreira
e falharam miseravelmente.
A empresa francesa Loriciel é uma dessas baratas que correu quando a pedra do Amiga foi extirpada, mais conhecida por aqui como os responsaveis pela bizarrice que
eles chamam de jogo de luta que é BEST OF THE BEST: KARATE CHAMPIONSHIP. Ok, então temos um jogo que é feito por uma empresa que veio de fazer jogos para o AMIGA, o que possivelmente poderia dar errado?
Bem, para começar eles acharam que precisavam de alguma coisa para diferenciar o seu jogo. O que é uma atitude louvavel, certo um bom jogo de plataforma realmente
precisa de uma mecanica diferenciadora. Olha só, pode ser que saia algo bom daí, certo?
Então... a ideia deles foi, como o nome do jogo sugere, fazer um jogo em 3D. Você sabe, com direito a vir aqueles óculos de papel celofane azul e vermelho
na caixa do jogo e tudo mais. Bem, tecnicamente não era um óculos de celofane azul e vermelho, em vez dos óculos anaglyph (por exemplo, vermelho/verde) que todos se lembram dos anos 90, os óculos incluídos com Jim Power usavam o efeito Pulfrich.
Como você pode ver aqui, isso significa uma lente esmaecida (como um tipo de óculos de sol) e uma lente clara. As lentes não são coloridas. Para resumir a maneira como o efeito Pulfrich funciona:
- O efeito só ativa quando a imagem está em movimento;
- O olho humano leva mais tempo para processar a imagem esmaecida;
- Jim Power usa uma camada de paralaxe no fundo que se move mais rápido que o primeiro plano.
- Quando o cérebro compõe as duas imagens através dos óculos Pulfrich, uma imagem leva mais tempo para ser processada do que a outra, e quando o cérebro tenta processar isso de forma a fazer sentido, ele traduz que essa imagem "atrasada" parece ter sido feita de um ângulo ligeiramente diferente da outra. O resultado é uma ilusão de efeito 3D sempre que o fundo estiver em movimento
Certo, parece legal, mas qual o problema aí? Bastante simples: o efeito paralaxe. Para quem não
está associando o nome a pessoa, efeito paralaxe é quando várias camadas de profundidade em um jogo se movem em velocidades diferentes, dando uma ilusão de deslocamento. SHADOW OF THE BEAST ...
outro jogo hediondo de Amiga (o que é que esse sistema tem com esse efeito?) demonstra isso muito bem:
Certo, mas aí você deve estar pensando: “Então o jogo usa um truque de imagens e bugar o cerebro para fazer ele achar que está vendo as coisas
em 3D. Mexer com o cerebro assim não pode ser, sei lá... perigoso?”
A boa notícia é que mal não faz. Na pior das hipoteses, o uso de efeito 3D pode fazer os musculos dos olhos trabalharem excessivamente para compensar
as coisas e por isso algumas pessoas sentem dor de cabeça ou nausea com 3D, mas como é só uma fadiga muscular não tem maiores problemas a longo prazo.
A noticia ruim é que essa fadiga é
imensamente agravada se os musculos dos olhos tiverem que trabalhar aloucadamente porque estão vendo algo que o cerebro está dizendo que está errado. Você sabe, quando por exemplo OS LES BASTERDÊS
FRANCESES INVERTERAM A DIREÇÃO DO SENTIDO DO PARALAXE!!!
Sério, eles fizeram o paralaxe errado, então uma das camadas do fundo corre na direção contrária do que deveria estar correndo. O resultado
é que o cerebro entende que essa imagem está errada e fica O TEMPO INTEIRO mandando os musculos dos olhso ajustarem a posição porque claramente eles estão vendo uma coisa que não deveriam
estar vendo. Mas não, é o jogo que foi feito errado mesmo. O resultado disso é que esse jogo causa cansaço visual, dor de cabeça e em alguns casos até nausea.
Aquele fundo deveria estar girando no outro sentido |
Não, sério, eu já vi todo tipo de jogo ruim na minha vida até então, mas um jogo que você tem que explicar esse tanto de biologia
para dizer porque ele fisicamente te faz se sentir mal é uma coisa completamente inédita na história desse blog! Mas meus muitos parabéns a todos os envolvidos, DEZ HORAS DE PARABAINS!
Mas enfim, quando o jogo não está ocupado tentando fazer o seu jogador literalmente vomitar (ao invés de apenas metaforicamente, como acontece com os
demais jogos ruins), que tipo de jogo é esse tal de Jim Power e seu 3D estúpido? Suponho que você possa imaginar a resposta a essa altura, mas vamos lá...
Certo, vamos começar vendo então a história do jogo e...
EXCUSE ME WHAT THE FUCK?!?
Não, não pode estar certo esse manual do jogo, deixa eu ver isso direito...
Eu não sei o que é mais impressionante: se o manual do jogo foi diagramado pela Ação Games, ou se metade do manual na verdade é propaganda
dos outros jogos da Loriciel. Seja como for, são graus de amadorismo que mesmo para os padrões bem baixos do AMIGA assustam. É inacreditável.
Seja como for, que tipo de gameplay essa perola oferece?
Surpreendentemente, um bem variado na verdade: Jim poderoso tem sete fases dividas em três generos diferentes. São três fases de plataforma tradicional,
o bom e velho run’n gun que lembra muito os jogos bosta de Amiga como Turricão...
... duas fases com visão de cima e camera giratória, inspiradas diretamente de algumas fases de CONTRA III: THE ALIEN WARS:
E, por fim, haviam ainda duas fases no bom e velho estilo shoot'em up:
O que é bastante ambicioso para um jogo que não consegue sequer evitar que o jogador vomite enquanto joga ele, não acham? Mas a pergunta que realmente importa é: toda essa ambição e variedade de gameplay resultou em alguma coisa boa?
Sério que você realmente esperava isso da produtora de jogos de AMIGA que criou um jogo capaz de fazer o jogador fisicamente passar mal? Serião mesmo, maluco?
Não, é claro que não. E isso porque não os controles sejam ruins (são bastante decentes) ou objetivo das fases seja criptico e ininteligivel (todas as fases tem um level design user friendly, mesmo a estilo Contra 3 que você precisa olhar no mapa para saber onde ir). Tecnicamente o jogo é até impressionante, a sensação que você tem é que os desenvolvedores fizeram uma checklist de todos os recursos que o SNES dispunha... e tentaram coloca-los todos na tela ao mesmo tempo.
Mesmo sem o background se mexendo na direção errada, esse jogo é uma das coisas mais confusas e visualmente poluídas que eu já vi em um SNES - metade do tempo você sequer entende o que está atirando em você. Então, é, Jim Power é realmente impressionante que eles tenham conseguido fazer isso. Divertido de jogar? Nem fodendo. Tecnicamente impressionante? Deveras
E em toda maravilha tecnica de fazer tanta coisa acontecendo na tela ao mesmo tempo (algo que o SNES nunca foi bom em fazer), nossos camaradas comedores de baguete esqueceram de uma coisinha nessa equação, algo que alguns jogos consideram importantes, sei lá: o jogador tem que ser capaz de jogar esse jogo. Porque veja, não é apenas todo recurso tecnico que é jogado na tela ao mesmo tempo (tem sempre alguma coisa rotacionando com milhões de cores e sprites mudando de tamanho e a tela gira e uou... too much info), também é todo tipo de ataque já pensado em um videogame é jogado em você ao mesmo tempo.
Inimigos atiram, correm pra cima de você, tem espinhos no chão, espinhos no teto, plataformas de movem sobre espinhos... cada pixel do jogo foi cuidadosamente pensado em como ser otimizado para matar o jogador. O que é bastante fácil, já que nosso herói Jim Power não é tão Power assim quando ele morre COM UM HIT.
Sim, exatamente isso, toda biblioteca de ataques dos jogos de 16bits é atira em você simultaneamente e seu herói descumcumbela com apenas um hit. É simplesmente inacreditável.
Essa cena, por exemplo, resume perfeitamente o que esse jogo é. É impressionante que tenha tanta coisa se movendo na tela, inclusive o efeito de chuva ficou muito bonito... pena que você não consegue pensar direito com tanta informação assim. E sério, que diabo de overkill de obstáculos é esse EM APENAS UMA TELA DO JOGO?!?
Olha isso! Nessa tela tem uma plataforma móvel sobre espinhos, tem um inimigo atirando dardos em você (para evitar você tem que cair sobre a plataforma então pular o dardo e aterrissar em cima da plataforma que se move de volta), está pingando ácido do teto (não dá pra ver nessa bagunça toda, mas está) e se, por algum milagre do destino você chegar no fim disso tem apenas frações de segundo para despachar o inimigo que está atirando em você.
Parece exaustivo e punitivo? Então imagine que isso é apenas uma tela do jogo, e CADA SIMPLES SEGUNDO DO JOGO É ASSIM, QUANDO NÃO PIOR!!! Na verdade essa tela é da primeira fase do jogo, as coisas só ficam mais dificeis daí pra frente!
Mas porra, não tem como jogar uma desgraça dessas! Simplesmente não dá! E isso as fases de plataforma, você realmente não quer ver quando o jogo realmente decide pegar pesado - que são as sessões de shmup!
Nunca esqueça: um hit, babaus. Boa sorte apenas tentando entender o que te acerta nessa tela, quanto mais desviar disso.
Jim Power, que morre com um hit, é apenas o jogo mais dificil já criado para o SNES.
Ninja(s) Gaiden (há!)? Pff, brincadeira de criança.
Fase das motinhos de Battletoads? Passeio no parque perto disso.
Sério, esse jogo é inclemente, doentemente dificil, tão dificil que a única forma de terminar ele é decorar onde você tem que estar na tela a cada segundo do jogo e então executar essa programação a risca. Com efeito, a melhor forma de terminar ele é anotar cada toque no controle que tem que ser dado em qual timing e programar isso em um bot para executar já que em 90% do jogo você tem que estar nos pixels perfeitos. Adicione a isso que o jogo não tem a menor vergonha de jogar cada truque barato que consegue como se estivesse dependendo de comer suas fichas para isso, e temos uma verdadeira obra prima da tosqueira.
Quer dizer, olha como é o encontro com o primeiro chefe e me diz se isso não foi feito para ser deliberadamente cuzão:
BAM MORREU! HAHA!
O grande truque da Loreal aqui é que Jim Power é um filhadaputa enorme na tela, e a tela é muito colada no personagem então qualquer inimigo que pula na tela já aparece em cima do seu e não tem nada que você possa fazer a respeito já que cada inimigo leva um milhão de hits para morrer... ao contrário de você.
Mas ok, ao menos você pode tomar o seu tempo e avançar nesse labirinto de dor com seguran... oh, espere, tem um limite de tempo de apenas dois minutos e você tem que estar se movendo o tempo todo para chegar até o próximo item de resetar o relógio! Porque é claro, esse jogo não é criminoso o suficiente do jeito que é, claro que não! Vamos colocar um limite de tempo para garantir que os coitados que jogarem isso não tenham tempo para pensar direito! Não que eles já não tivessem com a tontura e toda a porcaria na tela e tudo mais!
É claro, que coisa genial!!!
Eu odeio tanto vocês, Lafranhese...
Agora, sabe o que é realmente doido? Que no manual tem uma explicação para ter limite de tempo, claro que tem naquele manual horrivel diagramado pela Ação Games! Ele diz que Jim Power usa um mecanismo de invisibillidade, e o tempo é quanto dura a bateria do cloak device dele. E que quando o tempo acaba, ele é descoberto pelas forças do inimigo e elas são tão numerosas que ele morre imediatamente.
Meu Deus, se isso que temos que passar no jogo não é nenhuma fração do exército dele, essa guerra não tem como ser vencida. Simplesmente não dá. E além disso, se nosso herói está cloak deviceado, então os inimigos estão apenas atacando aleatoriamente o ar?
Tipo esses soldados romanos acordam todo dia as 7:34 em ponto para despejar 798 barris pela janela? Hmm, não que isso fizesse muito mais sentido se eles estivessem te vendo, e poruqe tem tantos barris dentro dessa casa, afinal?
Mas enfim, meu ponto que esse jogo é horrível em formas que eu jamais achei serem possíveis, em campos que eu jamais achei serem atigiveis por um videojogo - uma prova que os videogames sempre te surpreenderão não importa o que.
Antes de encerrar esse post eu gostaria de aproveitar a oportunidade para prestar uma grande homenagem a maior heroina silenciosa da minha infancia, alguém a quem eu nunca agradeci, porém sem a qual eu jamais teria mantido sanidade o suficiente para chegar a idade adulta. Essa pessoa realmente especial chamada Christina Gomez.
C. Gomez é a gerente de produção da Larc'enciel, e é a pessoa responsável por escolher a capa muito, muito tosca desse jogo. Quando eu era criança, eu vi esse jogo na locadora algumas dezenas de vezes (provavelmente mais) e nunca cogitei alugar ele porque a capa era muito lame. Com efeito, quando eu vi o logo do jogo na Ação Games, eu imediatamente me lembrei dessa capa infame.
O que foi bom, porque se a capa fosse melhor eu totalmente teria alugado essa desgraça e minha vida estaria arruinada para sempre. Então valeu Chris, você não é a heroína que merecemos mas é a precisavamos nos anos 90!