sábado, 5 de setembro de 2020

[AÇÃO GAMES 039] THE NINJA (Master System, 1985)[#482]


"The Ninja" para Master System é um port de um arcade de 1985 chamado "Ninja Princess" e é um run'n gun tão simples e primitivo que poderia perfeitamente ser um jogo de Atari. Você sobe na tela e atira adagas nos inimigos. É bonitinho, mas literalmente não tem como ser mais simples que isso.


Tão simples, de fato que eu não teria nada a falar sobre esse jogo... não fosse o fato da sua história ser rica. E por história rica eu quero dizer mais fora da tela do que dentro.

A história do jogo começa durante o Japão feudal, quando o conselheiro Zaemon Gyokuro dá um golpe e toma para si as terras da família Kurumi - despachando a princesa regente dentro de uma caixa apenas porque ele é muito mau e tem um fetiche estranho por lolis dentro de caixas. Uma pesquisa rápida na internet me ensinou que nem é um fetiche tão raro assim saiba você!


Porém havia uma coisa que Zaemon não havia considerado, e algo que ele realmente deveria ter pensado: o nome do jogo. Kurumi não é apenas uma princesa qualquer, ela é uma motherfucking PRINCESA NINJA!

... bem, a essa altura presumo que seria seguro assumir que todo mundo no Japão é Ninja, mas não foi o que Zaemon fez. O resultado é que durante o trajeto até o palácio, Kurumi se liberta sem que seus captores percebam.

Flw vlw
Bem, outra coisa que Zaemon realmente deveria saber é que Kurumi não é apenas uma princesa ninja comum. Não, claro que não! Ela é uma PRINCESA NINJA FULL PISTOLA!

Assim, ela decide que tentar sequestra-la foi o último erro de Zaemon e marcha até o palácio dele massacrando qualquer um que ousar ficar em seu caminho, porque aqui é ninja pistola que vai meter kunai na fuça de quantos precisar para retomar seu castelo, caralho!

HENSHIN!

A princesa-ninja Kurumi é apenas a terceira protagonista feminina da história dos videogames, e a primeira a ser uma mulher badass fazendo coisas badasses. Antes dela ouveram apenas Ms. Pacman, que dispensa explicações, e Lady Bug, que é um clone de Pacman


Nenhuma das duas é muito um personagem, e de qualquer forma não são humanas (eu nem sei o que a Ms. Pacman é, na verdade) de forma que Kurumi é efetivamente a primeira mulher a ser protagonista de um videogame na história.

E como os japoneses reagiram a essa deviante mudança de perspectiva?



Bastante bem, na verdade. Ninja Princess foi um sucesso nos arcades e logo recebeu um port para o SG-1000 (a primeira versão do Master System, que nunca saiu do Japão).  Grande parte desse sucesso se deu a arte de Rieko Kodama na capa.

Rieko Kodama começou na Sega como artista, mas seus bons insights sobre jogos (as ideias que fizeram Phantasy Star não ser apenas uma cópia de Final Fantasy, como o cenário espacial e ter uma mulher como protagonista, são dela) a fizeram subir na empresa e se tornar a primeira mulher a ser produtora de videojogos. Ela é produtora da série de RPGs Skies of Arcadia, reconhecido como um dos melhores RPGs do Sega Dreamcast, e também de uma das séries de jogos mais vendidas na história do Japão, Brain Training para o Nintendo DS.

Se pá, é a capa mais bonita que eu já vi em um jogo de Master System

Então está tudo muito bom, tudo muito bem, e qual é o próximo passo a partir daí? Levar um jogo de sucesso para o ocidente, claro. Também conhecida como a hora que a Sega mostra suas verdadeiras cores.

Isso porque os executivos da Sega da América achavam que duas coisas não iam funcionar para o mercado americano: a temática pesadamente oriental (com efeito, as fases são castelos de papel, os inimigos são samurais e assim por diante) e, mais importante que isso...


Os executivos da Sega não acreditavam que o publico ocidental aceitaria uma protagonista feminina, e por isso além dos esforços para o jogo ficar menos orientalizado (foram mantidas apenas as referencias ao Japão que um ocidental entenderia), o protagonista foi mudado para um dude. Assim, Ninja Princess virou apenas "The Ninja".

É só um cara que tem que salvar uma princesa (que não é ninja) ou whatever.



O resultado é que a Sega mudou o jogo para agradar grupo de machos que nunca jogaria um jogo com uma mulher como personagem principal. Eu sei que esses tipos de caras existiam na época e provavelmente existem hoje. Mas pensar que a Sega estava tão preocupada com o sexo do personagem principal que eles reformularam um jogo inteiro apenas para acomodar esse suposto público? Isso é tão impressionante quanto triste.



Mas sabe qual a parte irônica dessa história? É que, tal qual o Sega CD, a Sega teve na mão algo realmente de valor para entrar na história e meteu os pés pelas mãos. Alguns meses depois a Nintendo lançou um jogo com uma mulher como protagonista e foi carregada nos braços do povo pela qualidade estupenda do seu jogo.

Samus Aran, protagonista de Metroid
E essa é a grande lição aqui que a Sega deixou passar. Enquanto babacas sempre existiram e sempre existirão, a maioria dos gamers não está preocupada se o protagonista é homem, mulher ou um batata dorê. O que importa é fazer um bom jogo com bons personagens. Se a Sega não fosse tão cega, teria visto isso.

A Sega esteve muito perto de entrar para a história dos videogames como a primeira protagonista mulher de um jogo, mas escolheu não faze-lo. O resultado é que hoje (ou mesmo na época) ninguém lembra de Ninja de Princess, muito menos de "The Ninja". Já Metroid vendeu 20 milhões de jogos (incluindo o melhor jogo de Super Nintendo de todos os tempos) até hoje e contando.

Você colhe o que você (não) planta, Sega.