Muitos jogos japoneses não foram lançados no ocidente, e os motivos são os mais variados possíveis. Frequentemente é o genero, na primeira metade dos anos 90 RPGs e jogos de estratégia (praticamente board games no videogame) eram os jogos favoritos dos japoneses, enquanto no ocidente havia pouco amor por qualquer coisa que não fosse RADICAL IRADA TOTALMENTE AWESOME DUDE, é bastante uma questão cultural realmente.
Pelo mesmo motivo alguns jogos não foram portados para o ocidente justamente por serem "fofinhos" demais, e as famílias tradicionais americanas não aceitariam para seus lares heteros tradicionais de bons costumes nada menos do que machões sarados de tanguinha besuntados em oleo mostrando seus abs másculos. Você sabe, hetero normie stuff. Jogos como SUPER BACK TO THE FUTURE 2 e TETRIS BATTLE GAIDEN nunca viram a luz do sol ocidental mesmo sendo pelo menos melhores que suas contrapartes lançadas aqui.
Tem também, é claro, os jogos que não foram lançados porque eram jogos de produtos licenciados que só existiam ou eram transmitidos no Japão, como o jogo de Gekisou Sentai Carrangers para Super Nintendo, ou a série THE GREAT BATTLE já que Kamen Rider, Gundam e Ultraman se não eram completamente desconhecidos no ocidente na época, eram bem pouco populares. Essa eu meio que entendo, de um ponto de vista comercial.
Agora existe um outro tipo de jogo que nunca foi trazido ao ocidente por um motivo bastante peculiar: ele é japonês demais para ser adaptado. E, nesse sentido, a série Ganbare Goemon é a franquia de jogos mais japonesa de todos os tempos.
Capa americana do primeiro jogo, apenas caso você tenha |
Verdade que a Konami fez o melhor que pode para adaptar toda japonesice do primeiro Goemon para ser palatavel ao gosto ocidental, transformando figuras históricas como Goemon no "Kid Ying" e Ebisumaru em "Dr Yang" because né? Assim o primeiro Ganbare Goemon virou THE LEGEND OF MYSTICAL NINJA
Porém para o segundo jogo da série, esse daqui, a Konami da América simplesmente olhou e disse: FODA ESSA MERDA, NÃO TEM COMO OCIDENTALIZAR ISSO! E de fato não tem, porque Goemon 2 é de fato o jogo mais japonês japonesão raíz já produzido até este ponto da história.
Ok, o segundo jogo mais japonês de todos os tempos |
No século XIX o Japão ainda era um país completamente fechado para o mundo e não comercializava com o ocidente, sequer tinha relações diplomáticas. E isso era um problema para os Estados Unidos, porque ter boas relações com o Japão seria um porto (tanto literal quanto figuradamente) para eles estabelecerem negócios com a Asia. Mas após anos e anos de porta na cara (os portugueses já tentavam isso desde 1500 sem sucesso), como fazer o governo japonês negociar com os americanos?
Bastante simples, fazendo a coisa ao bom e velho estilo americano: em 8 de julho de 1853, quatro navios de guerra americanos adentraram a baía de Tóquio, apontaram seus canhões para a cidade e disseram "e aí, a gente vai negociar ou tá dificil?". Because America.
Este ato culminou na abertura da terra do Sol Nascente ao exterior após séculos de semi-isolamento. O advento dos "quatro navios negros" (eles receberam esse nome devido a fumaça do carvão, até então os japoneses nunca haviam visto um navio a vapor antes) é um evento de bastante significado na história do Japão.
Porém, essa é a história que todo mundo conhece. Os bastidores dessa trama, aquilo que não te contaram, é sobre o que versa segundo capítulo da saga Gambare Goemon lançado no Super Famicom. Todos acham, por exemplo, que o comodoro Matthew Perry (líder da expedição) era um oficial carrancudo e austero da Marinha, porém o que apenas Goemon 2 te conta é que na verdade ele era um psicopata loiro de quimono.
E que seus homens, em vez do uniforme da marinha, usavam fantasias coelhos gigantes. E que o verdadeiro propósito da expedição não era estabelecer um acordo mercantil, mas perturbar e ocidentalizar o estilo de vida da população japonesa. Isso a escola não te ensina!
... bem, na verdade a escola não te ensina nada sobre a história do Japão, mas você entendeu... seja como for, temos que lutar contra a desawaifuzalização do mundo! É por isso que o famoso rebelde Goemon (mais ou menos o Robin Hood japonês) e seu excêntrico amigo, o ladrão Ebisumaru (que até hoje é o estereótipo de ladrão em ilustrações infantis) se juntam ao ninja robô Sasuke, para resolver o assunto sob o olhar sanguinário do Uchiha.
Bem, e como a jornada de Goemon, Ebisumaru e Sasuke contra coelhos invasores ocidentais é apenas a coisa mais japonesa já feita em um videogame? Eu não sei, me diga você quantos jogos você conhece que as plataformas são literalmente sushi?
Ou que os inimigos são ... monges Komuso (aqueles com cesto na cabeça que tocam flauta) em um pula-pula...
... ou que os chefes são pescadores com roupas tradicionais dos pescadores de Nagarawa e mascaras Hyotoko... que andam em barcos com as próprias pernas e... jogam bombas?
... ok, isso realmente está muito, muito estranho e muito, muito japonês mesmo. O que falta eles colocarem agora pra isso ficar MAIS japonês? Depois da luta contra o chefe ele se torna um monstro gigante e você entra em um mecha para enfrentar ele?
Tá, e daí? Grande coisa um robozão gigante, certo? Então... cabe lembrar que esse jogo foi lançado em 1993, quando a gigantesca maioria dos americanos jamais sonhava que algo como Tokusatsu sequer existia.
O que hoje seria apenas um "ok, entendi a referencia" em 1993 era mais um "WHAT THE ACTUAL FUCK?!?" do porque eles estavam entrando em um robo gigante com a forma de uma pessoa e pilotando ele juntos.
Enfim, eu poderia passar um bom tempo dando exemplos do porque esse é o jogo mais japonês ever, mas suponho que você tenha pego a ideia da coisa a este ponto. Com efeito, eu tenho dificuldade em imaginar como esse jogo poderia ser MAIS japonês do que ele de fato é...
ARA ARA INTENSIFIES |
... err, pensando bem, deixa pra lá.
Mas bem, agora que você tem um conceito geral do que é Ganbare Goemon 2, então vamos a pergunta sobre COMO é esse jogo.
Ao contrário do Legend of the Mystical Ninja anterior, Goemon 2 abandonou inteiramente as sessões de beat'm up nas cidades para ser inteiramente focado em ser um jogo de plataforma - possivelmente cooperativo para até dois jogadores. Como eu já mencionei, Goemon e seu rotundo amigo Ebisimaru estão de volta, mas eles se juntam ao robô ninja Sasuke.
Diferente do jogo anterior, entretanto, agora existem diferenças entre os personagens em força do ataque e distancia do pulo, fazendo o velho esquema que Sasuke pula mais longe mas causa menos dano porque lhe falta ódio, Ebisumaru é o contrário e Goemon é o intermediário. Também como no último jogo, os três personagens podem upgradear suas armas pegando bonecos de neko e se eles forem atingidos, suas armas voltam ao estado anterior.
Mas então abandonar as sessões de beat'm up para focar inteiramente na plataforma foi uma boa ideia?
Atores Kabukis gigantes com cabelos serra BECAUSE JAPAN! |
Em primeiro lugar, eu tenho que dizer que as cidades em A Lenda do Ninja Místico original eram mais um incômodo do que qualquer outra coisa. Você tinha que lidar constantemente com aldeões bêbados e samurais que te matavam rapidamente. Os aldeões em especial enchiam as ruas e spawnavam infinitamente, então você tinha que lutar o tempo todo, quer você gostasse ou não.
Adicionalmente o jogo forçava você a lutar infinitamente contra os inimigos para farmar ouro com o propósito de comprar itens que permitiriam que você tivesse acesso à próxima masmorra. Felizmente, esse processo foi eliminado em Goemon 2. Os aldeões não atacam mais você, a menos que você os ataque primeiro (como as galinhas em Zelda), então passar pelas cidades é tranquilo e elas tem o proposito agora apenas de ser um lugar para comprar itens e jogar minigames - e você raramente precisa comprar itens, apenas um é realmente necessário para avançar então o grinding não é mais necessário.
Então, é, eu diria que tirar aquelas sessões de beat'm up não fez a série perder muito realmente. Mas e as plataformas, melhoraram também?
"O massacre dos OXIRRA", colorizado |
A resposta é sim. Pra começar, esse jogo adiciona não apenas um novo personagem que é o cyber OXIRRA, como você também tem uma variedade de veículos para pilotar. Você pode andar em um rato que atira balas, um peixe gigante que o impede de se afogar, um suit que robo sumô e você pode pilotar o Goemon Impact, que é o robô gigante na forma do Goemon que eu comentei antes.
E, como esperado de um robo gigante, ele pode destruir aldeias e lutar contra chefes gigantes - essas chefes são lutados em um formato semelhante a jogos de boxe em primeira pessoa, usando efeitos do Mode 7.
E esse é o espirito da coisa aqui, uma das coisas que eu mais gostei nesse jogo é que ele frequentemente sai do seu caminho para fazer coisas novas tentando manter o gameplay interessante. Coisas como pular de teleférico em teleférico, rolar sobre bolas de neve gigantes no mar até que elas derretam, pular de toras que estão sendo serradas ao meio e atravessar uma fase em que um dragão fica passando na tela e você tem que usar ele como plataforma. Assim como em ROCKET KNIGHT ADVENTURES, a Konami frequentemente parou, colocou a mão no queixo e pensou:
"O que dá pra fazer que não fizemos ainda?"
"Hm, a gente não fez uma daquelas fases em que a tela vai subindo e o jogador tem tentar não ser esmagado"
"Verdade, então vamos fazer uma dessas... só que o jogador tem que ficar pulando de uma boneca kokeshi para outra"
"Tá, mas... tipo assim, parece uma coisa estranhamente especifica. Por que?"
"Essa é uma pergunta muito boa, mas eu tenho uma melhor: por que a gente NÃO faria isso?"
"... chefe, o senhor cheirou mangas de furries novamente, né?"
"Eu não nego nem confirmo essa informação, mas eu sou chefe aqui então é kokeshi ou sabaku coletivo!"
E essa é a métrica que pauta todo o jogo.
O design de níveis é uma melhoria significativa em relação a prequela, e mesmo com dois jogadores na tela o jogo não decai em saltos de fé ou inimigos posicionados estrategicamente no lugar mais irritante possível. Especificamente em se tratando de jogos cooperativos de plataforma, eu já me acostumei a esperar apenas o pior e tratar todos como se fossem contratualmente obrigados a serem o mais filhadaputa possível no menor espaço possível.
Goemon 2... apenas não faz isso. É um jogo de plataforma agradavel da Konami, como você esperaria da Konami onde tudo funciona como deveria. Os personagens tem um tamanho legal na tela sem precisar socar zoom, o que resulta em jogos que não tem tantos saltos de fé ou inimigos surpresa surgindo na sala.
Adicione a isso que as fases são geralmente um pouco mais fáceis e que os pontos de save e checkpoint também são mais frequentes, de modo que você evita ter que repetir áreas frustrantes continuamente. Novamente, um jogo que não sai do seu caminho para ser babaca com você.
As GILF pira nos Goemão |
Essa terceira melhoria em relação ao jogo anterior na dificuldade é uma das mais importantes, porém não posso deixar de observar que nesse jogo não apenas continues desta vez, mas especificamente esse jogo tem uma tela de continue interativa onde você deve apertar botões botão para evitar que o Goemon seja colocado em um caldeirão fervente. O que faz sentido quando quando você considera que o Ishikawa Goemon histórico realmente encontrou seu fim dessa maneira... e mais uma coisa que não faria sentido nenhum no ocidente.
Enfim, Ganbare Goemon 2 é um título nascido da Konami em sua melhor fase, e dá pra ver o cuidado meticuloso colocado em cada detalhe. A apresentação técnica é do melhor que o Super Nintendpo podia oferecer, a jogabilidade é o padrão Konami de qualidade (isso soa muito estranho dizer em 2020, dado o que a empresa se tornou) e a dificuldade é justa.
Se tivesse sido lançado no ocidente, certamente figuraria nas listas de melhores jogos de plataforma de todos os tempos. Porém este era um jogo apenas japonês demais para ser adaptado, e por isso todos nós pagamos o preço.