Existe uma coisa entre a "comunidade" (detesto essa palavra, mas suponho que ela sirva aqui) das pessoas que falam sobre jogos antigos que eu gosto de chamar de "AVGN Cascade". Funciona assim: quando o Angry Video Game Nerd fala mal de um jogo, brotam 8514,37 "analistas" descendo a lenha no jogo porque agora é oficialmente permitido falar mal dele.
Isso porque a cena retrogamer se divide entre os jogos "antigamente tudo era bom, perfeito e hoje TUDO é uma porcaria" e os jogos que é socialmente aceitavel falar mal - sendo ter um video do AVGN um grande divisor de águas nesse sentido.
Versão para Nintendinho, lançada simultaneamente a versão de SNES |
Alguns números para vocês: até esse momento eu tenho o montante de 411 jogos jogados da Ação Games, dos quais 12% são realmente muito bons (selo "The Best of C de Cilencio"), 20% são bostas que beiram o injogável quando não pior (selo "The Worst of"), e 68% não fedem nem cheiram tanto assim. São números bem parecidos com os que você imagina dos jogos hoje - games, games never change.
Mas falava eu dos retrogamers e dessa coisa entre rasgar seda para tudo que é "dos bons e velhos tempos" ou descer o pau no que for permitido pela comunidade e como é dificil encontrar textos sobre esses jogos que não tenham sido escritos por um mentecapto. Isso porque a maioria das pessoas parece não se atentar ao fato que o AVGN não é um documentário, ele é um personagem e várias vezes o James Rolfe fala mal de jogos dos quais ele na verdade gosta - sendo Castlevania 2 (o jogo que começou a série Angry Video Game Nerd) o exemplo mais famoso.
"This game sucks". Nascia uma lenda.
O problema é que enquanto o James faz isso por razões de entretenimento, a maior parte da (argh) comunidade toma os vídeos como gospel e leva a ferro e fogo - o que é um dos motivos pelo qual é tão difícil achar bons textos sobre jogos antigos. Exceto pelos meus, eu sou awesome e você precisa apenas de mim na sua vida.
EU NÃO TERIA TANTA CERTEZA DISSO, VOCÊ JÁ LEU O QUE VOCÊ ESCREVE? PRECISO TE LEMBRAR DOS JOGOS DE MSX, POR EXEMPLO?
Eu... eu melhorei nesses três anos e meio, tá bom? Seja como for, dizia eu que...
AH, E COMO ESQUECER KARATEKA COM APENAS UMA IMAGEM DO JOGO? NO TEXTO?
... dizia eu que ...
SE QUISER ALGO MAIS RECENTE, TEM BOMBERMAN 2 QUE É PRATICAMENTE SÓ FALANDO DA CUTSCENE DE ABERTURA...
É mais difícil do que parece, tá bom? Dá um desconto, Jorge!
Enfim, enquanto eu luto para segurar as lágrimas e contemplar a futilidade de minha existencia, eu queria falar de um dos jogos que mais sobre com o efeito cascata do AVGN: Mario is Missing.
Bem, vamos dar uma uma olhada em algumas reviews. Apenas uma rápida visita à Gamespot revela algumas joias viscerais como: “verdadeiramente o pior jogo de Mario da história.” "Eu desperdicei 15 dólares nessa porcaria." "A Nintendo cometeu um grande erro." "Não aprendi nem me diverti jogando esse desperdício de tempo absoluto." Os comentários de usuários em outros sites são semelhantes, se não piores. Luke Plunkett, do Kotaku, o descartou em um artigo com uma palavra: "horrível". E essa é a narrativa que vejo em toda a Internet; é sempre o espancamento de "fracasso de crítiva", "reviews esmagadoramente negativas." e "Critical flop".
Isso porque, basicamente, tem um video do AVGN zoando com o jogo:
Então, linha de baixo é o seguinte: se alguém falar mal de Mario is Missing a sério (e não apenas para propósitos de entretenimento, como o AVGN), essa pessoa é um completo idiota, ignore a existencia dela, salgue seus ossos e queime-os com fluído de esqueiro
DEPOIS QUE ELA MORRER, VOCÊ QUER DIZER?
Hã... sure... claro, é isso que eu quis dizer, caham. Mas enfim, o ponto que as pessoas parecem esquecer quando revisam um jogo - e que eu realmente tomo cuidado para nunca perder de vista - é qual o objetivo do jogo em questão. Você não pode julgar FIFA 2020 por não ter um grande desenvolvimento de personagem
NA VERDADE, ESSE NÃO É UM BOM EXEMPLO. FIFA TEM UM MODO CARREIRA COM CUTSCENES, ESCOLHAS E TAL...
Porra, Jorge, tu tá foda hoje heim?
Ok, você não pode criticar Overcooked por não ter uma dublagem emocionalmente ressonante e... e... nada?
HMM, NAH. TÁ OK, ISSO FAZ SENTIDO.
Obrigado. Então, o ponto é que você tem que julgar um jogo pelo que ele se propõe a fazer e Mario is Missing é um jogo educativo para crianças em idade pré-escolar. Comparar ele com Super Mario World é niveis de demencia que me faz perguntar como você consegue ir ao banheiro sem se afogar na água da privada.
Quer dizer, o manual do jogo literalmente termina com dicas para os pais sobre como melhor aproveitar a experiencia educativa. E quer saber de uma coisa? No que se propõe a fazer, Mario is Missing is fucking awesome!
O jogo roda basicamente como Where in Time is Carmen Sandiego? só que melhorado em cada aspecto - apresentação, fatos e gameplay. Eu posso dizer que eu, com mais de trinta anos na cara, aprendi algumas coisas interessantes sobre lugares do mundo que eu não sabia de uma forma lúdica e não sofrível - imagina então o público-alvo desse jogo.
Mas como o jogo funciona?
Nossa história começa em uma pacífica Terça-Feira, quando Mario está de bobeira no Reino dos Cogumelos pensando como eles não se revoltam e depõe a Peach como princesa em favor de ter um representante da sua própria espécie, quando de repente, não mais que de repente...
Oh noes! O encanador bigodudo mais amado dos games foi engolido por um buraco selvagem e agora o posto de personagem do melhor jogo de plataforma está aberto a disputa! Imagina se cai nas garras do Sonic ou... argh... do Bubsy?
We are doomed, DOOMED!
Ah, ok. Alarme falso. Mario está bem, só quebrou o pescoço caindo do céu e se esbabacando no chão da Antártica. Meh, ele já passou por coisas piores.
Eu não disse? Um baixinho resiliente, este daí. Bem, mais um dia, mais um castelo. Vamos fazer a velha rotina de chutar bundas do desgraçado do Koopa e...
AH C'MON! Isso já está ficando ridículo! Bem, seja como for, nosso herói desaparece e agora o que faremos com Mario desaparecido? Que esperança há sem o pulador das multidões, o estandarte dos videogames?
Não vejo quem poderia nos salvar nesse momento de grande necessidade, alguém tem o telefone do Toad?
Ah, sim, desculpe Luigi. Tinha esquecido de você, mas claro, o garoto maravilha verde terá que salvar o dia! Com efeito, esse é o primeiro jogo estrelado pelo weegie - então vá e brilhe como você totalmente não nasceu para fazer!
O jogo começa no palácio onde os filhos do Bowser tem um andar cada um. Cara porta leva a uma cidade diferente, completando as cinco de cada andar você vai para o próximo e assim por diante até o fim do jogo.
O objetivo do jogo é visitar um local do mundo e rastrear artefatos nativos que foram roubados pelos koopa troopa. Então, em São Francisco, por exemplo, você tem a tarefa de resgatar a buzina de neblina da Golden Gate Bridge (sim, os Koopas Troopas não são os ladrões mais ambiciosos ever). Você localiza esses artefatos pisoteando as várias Koopa Troopas que vagam pela cidade. Não existe uma estratégia para isso - a Koopa Troopa carregando a buzina de nevoeiro é completamente aleatória, e você simplesmente pisa em todas elas, como um jogo glorificado de bater na toupeira, até encontrar a correta e ela dropar um saquinho com o item.
Aí então você tem que falar com as pessoas na cidade para saber o que caralhos aquáticos você pegou, e de posse dessa informação ir até o ponto turístico correto no mapa e devolver o item.
Em roma, por exemplo, você tem o Coliseu onde foi roubada uma lança, a Fontana di Trevi onde foram roubadas moedas, e a Capella Sistina onde... foi roubado o teto? É isso mesmo, produção, o teto da Capella Sistina foi roubado e... está nesse saquinho?
O que é isso, os Koopa Troopas são Time Lords e ninguém me avisou? Uau uau uau uau!
Bem, seja como for, de posse dos itens recuperados, só devolve-los ao seu lugar correto, certo? Não. É claro que não. Ao chegar no balcão de informações, a princesa Peach (que tá fazendo um bico como atendente de atrações turísticas em todas as cidades do mundo ao mesmo tempo) diz que aqui não é casa da mãe Joana e não é porque você tem um teto na sua sacolinha que ela vai aceitar isso como o original! Não senhor!
Então ela faz perguntas históricas e culturais sobre a coisa que você está tentando devolver. Olha, Peach, pal, eu aprecio que você se interesse em não se passada para trás, mas como EXATAMENTE responder uma trivia sobre o objeto vai provar que ele é verdadeiro?
Principalmente porque a forma de obter informações é lendo panfleto que você mesma dá, ou conversando com os nativos sobre a coisa?
Quer dizer, literalmente qualquer um não pode responder isso - tendo o objeto original ou não?
Bem, suponho que fazer sentido não seja o forte de Mario is Missing... porém creio não ser este o ponto aqui. Os fatos apresentados são interessantes, eu não sabia que a ponte de São Francisco foi feita pensada para que navios de guerra pudessem passar sob ela, ou que existem (ou existiam na época do jogo, pelo menos) grupos de sambistas no Rio de Janeiro que são contratados especificamente para se apresentar para os turistas ve-los do bondinho.
NEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERRRRRRRRDDDDDDDDDDDDDDDDDD!!!
Bem, sim. Embora eu não possa dizer que achar esses fatos legais (e mesmo quando criança eu já achava) vá fazer maravilhas por encher a sua agenda de telefones de cheerleaders, para o público alvo que esse jogo se destina são fatos interessantes o suficiente. Quer dizer, você é uma criança jogando um jogo educativo, é altamente provavel que você vá achar isso interessante.
E ajuda muito que a gamificação e apresentação dessa informação são imensamente superiores a Carmen Sandiego. Como você sente que está jogando um joguinho de plataforma - ainda que apenas superficialmente - você cansa muito menos.
Os méritos disso vem, em grande parte, porque a Nintendo licenciou os recursos de Super Mario World para a Software Creations fazer esse jogo. Isso quer dizer que vemos os mesmos sprites de SMW, os mesmos efeitos sonos, e quase as mesmas músicas.
Eu digo "quase" porque em algumas cidades o tema se Super Mario World é adaptado para soar como a música local e isso é um toque muito, muito legal. Algumas cidades você sabe imediatamente onde está apenas pela trilha sonora, a Rússia, o México e o Japão são bem fáceis de identificar nesse sentido.
Vurska vurska comrade, Luigi Mario!
Saber onde você está não é importante apenas por causa das músicas legais, mas porque essa é a forma que o jogo ensina geografia para as crianças também. Isso porque para sair da cidade você precisa ativar o Globulator no seu menu (o que?) e levar o Yoshi até a cidade onde você está.
Isso é bastante legal por dois motivos:
a) É a melhor forma que uma criança pode ter para aprender sobre onde ficam as cidades do mundo;
b) O mapa-mundi feito no estilo do mapa do Super Mario World é muito, muito cute! Eu totalmente teria um poster disso!
Mario Is Missing operava na velocidade de uma lesma, adicionado ao fato que não tem muita coisa em jogo - você não pode morrer ou tomar dano, e mesmo quando erra no quiz sempre pode tentar de novo depois de alguns segundos. Não tem limite de tempo também, ao contrário de Carmen Sandiego.
Mas quer saber? Tudo bem, porque esse não é ponto do jogo. O ponto é que é interessante aprender coisas novas, a apresentação visual é excelente (também, tirada de Super Mario World, né?), as músicas são agradaveis e existem elementos de gameplay o suficiente para manter seus dedos casualmente ocupados e o resto do seu cérebro ativo.
Até onde jogos educativos vão, não vejo como daria para fazer melhor que isso.
E, por último, a Software Toolworks ficaria feliz em saber que eu realmente reti e aprendi alguma coisa! Quando eu assisti Pantera Negra, onde a cultura do filme é bastante inspirada nas tribo Masai do Quenia, trinta anos depois de jogar Mario is Missing minha primeira reação foi pensar "eu aprendi sobre eles em Mario is Missing!".
Missão bem sucedida, caras!