sexta-feira, 20 de novembro de 2020

[PC] THE LEGEND OF KYRANDIA: BOOK TWO - Hand of Fate (Maio de 1994) [#560]


Eu sempre acho impressionante quando eles fazem o personagem na capa ser mais feio do que com as limitações com gráficos do jogo

Sequências tendem a ter uma má reputação. Talvez não seja justo, mas vamos aos fatos: Em Busca do Vale Encantado MCXIV simplesmente não tem a mesma faísca que a primeira instalação da série. E eu não vou entrar no mérito que existe um livro chamado "Hamlet II: Ophelia's Revenge". Em videogames isso tende a ser menos problemático porque a grande maioria dos jogos é sobre a experiencia do gameplay do que um conceito artistico - especialmente nessa época. Então sempre se tem espaço para melhorar... especialmente quando o que você está tentando melhorar é um dos piores Point'n Click de todos os tempos. Quer dizer, THE LEGEND OF KYRANDIA: BOOK ONE - FABLE AND FIENDS é muito, muito ruim, eu acho que nunca dei um "The Worst Of" pra um jogo desse genero mas o primeiro jogo de Kyrandia é muito ruim.

Então, é, se tem um jogo que pode ser melhorado em uma continuação definitivamente é esse. E graças a Deus, The Legend of Kyrandia: Hand of Fate não deixou passar a oportunidade de ser melhor que o original... o que também não é tão dificil assim. Mas isso quer dizer que o jogo é bom? É o que veremos a seguir.

A capa japonesa do jogo é bem mais... conceitual, eu acho?

Para começar, temos um enredo completamente dissociado do anterior, o que é um bom sinal que os programadores desse jogo se envergonham de sua obra anterior. Seja como for, aqui temos um acontecimento em Kyrandia que poderia deixar muitas pessoas desanimadas, cabisbaixas, até mesmo tristes. 

Isso porque, para grande consternação dos Místicos Reais, Kyrandia está literalmente desaparecendo pedaço por pedaço e ninguém parece saber por quê. É decidido que alguém precisa fazer algo... alguém né... e um dedo é apontado para Zanthia, a mais jovem dos místicos, que deve viajar para a ilha de Volcania, descer ao centro do mundo e recuperar a lendária Pedra Âncora. 


Qualquer que seja o problema com o mundo, a Pedra Ancora é tão magicamente poderosa que pode resolver a treta seja ela qual for... eles acham. Zanthia embarca em sua missão com certa relutância, talvez por ser assustadora e perigosa, mas mais provavelmente porque o dedo apontado para ela pertence a uma mão gigante sem corpo.

Sim. Um dos personagens principais, e a razão do título do jogo, é uma mão enorme e inteligente e não é dada nenhuma explicação maior do porque ela é uma mão gigante, o que é algo que eu totalmente posso respeitar. 


Ok, até aqui estamos bem já que houve um upgrade na história. Meio chupinhado de História Sem Fim, mas ainda sim ok. Tudo que o jogo precisava agora era ter um protagonista com mais carisma e personalidade do que uma caixa de papelão molhado como no jogo anterior, e é exatamente o que temos aqui! 

Zanthia foi uma alquimista que ajudava em uma quest no primeiro jogo e que agora foi promovida a protagonista e ela não decepciona. Poucos jogos de Point'n Click do início dos anos 90 apresentam uma protagonista feminina. Menos ainda apresentam um personagem com a lingua afiada, gambiarreira e engraçada como Zanthia. 

É bastante claro que a Westwood percebeu o tamanho da merda que eles fizeram, e então resolveram jogar um PnC bom para ver como era. O resultado é que esse jogo tem muito do humor de lingua afiada e nonsense de THE SECRET OF MONKEY ISLAND. Enquanto Zanthia não é uma tentativa de imitação do pirata Guybrush Treepwood, certamente usa como uma inspiração e isso por si só torna o jogo bem mais divertido. Ainda mais porque o protagonista anterior tem o carisma de uma porta de zinco, como previamente estabelecido.

Quase toda tela do jogo tem uma tiradinha espirituosa, um trocadilho ou uma observação cinica, isso acaba usando uma das forças do Point'n Click que é aproveitar os dialogos para divertir o jogador. A mudança de escritor para essa continuação, agora nas mãos de Rick Gush, foi uma escolha bastante acertada. 

O mesmo se aplica aos NPCs do jogo, que claramente tem uma inspiração do senso de humor que não se leva tão a sério dos jogos da Lucas Arts. Nossa heroína tem um interesse amoroso metido a gostosão  que não faz merda nenhuma e quer levar o crédito mesmo assim, temos o Fauno, um sátiro que atua como secretário para Zanthia, mas quer só sabonetar o trabalho quando ela não está olhando e por aí vai. 

Existem também algumas piadas correntes sobre a Mão (que dá titulo ao jogo) e seu mestre, o incompetente Marco, o Mago. É claro desde o início que a Mão é quem está por trás de toda essa bagunça, mas todos são completamente ignorantes a isso apesar de ser hilariamente obvio.

Também se aplica a essa lógica os cenários do jogo, que tem um feeling Lucasartistico: suas viagens te levam a lugares nonsense como um bar de piratas violento onde até os homens mais selvagens compartilham seus sentimentos com concurso de poesia, a entrada para o Centro da Terra é uma armadilha turística safada, cheia de atrações fajutas e coisas assim. O núcleo da Terra está cheio de dinossauros e a área final lembra algo como uma moderna estação de esqui.

Personagens e cenários a parte, o que faz desse jogo realmente interessante é que ele conserta o o problema mais premente de seu antecessor: o gameplay é uma bosta. Apenas um lembrete rápido de como funciona o jogo anterior: você anda em labirintos aleatoriamente coletando porcarias (pedras, frutas, whatever) e então chega em um ponto que vai jogando os itens que você coletou - que podem ou não funcionar.


E é  isso basicamente o que o primeiro jogo entende por "puzzle". Labirinto, colecione porcarias, soque 10 em algum lugar para um ou dois "servir", ainda faltam três então volte pro labirinto colecionar mais coisas. Puta que o pariu, mas vão apontar e clicar no meio da bunda rechonchuda de vocês carai!

Enfim, para a continuação eles decidiram... apenas não fazer essa atrocidade. Com efeito, o jogo tem uma mecanica bastante interessante: Zanthian tem um livro de poções, já que ela é uma alquimista, e nele tem receitas que você pode preparar com coisas que você coleta no jogo.


Por exemplo, tem uma area que você não consegue avançar porque tem um fucking urso bloqueando o caminho. Então você folheia o grimório da Zanthia e vê o que pode usar para resolver o problema e tem essa receita aí. Pronto, problema resolvido certo?

Então, a coisa interessante é que nem sempre você vai encontrar todos os itens da receita e Zanthia precisa ser um pouco mais... criativa... para conseguir fazer as poções. No caso acima, por exemplo, você não vai encontrar nenhum ovo podre para feder a "smell of eggs", mas encontra algumas pedras de enxofre. Se você aquece-las, gás de enxofre fede tanto quanto ovo podre, então deve servir, certo?


Ou então uma receita pede um toadstool- bem, você não encontrará cogumelos, mas você topa com um sapo gigante, que por acaso também possui um banquinho (a toad with a stool), então isso deve funcionar... possivelmente

Claro, o sistema não é perfeito e muitas vezes a poção que você tem que usar para avançar nem sempre faz o maior dos sentidos... e muito menos como "improvisar" os ingredientes. O que era um problema muito comum nos Point'n Click, ter que adivinhar qual a solução especifica que o programador pensou não é exatamente legal já que você consegue pensar por si mesmo algumas soluções diferentes das que foram previstas. 

Pode não ser o ideal, mas definitivamente é melhor do que a desgraça que era o jogo anterior e apenas por isso o jogo já merece uma estrelinha. 


Também ajuda a experiencia que o jogo não seja cuzão sobre isso, porque objetos de importancia se forem gastos inutilmente de uma poção podem ser recuperados com bem pouco esforço. O jogo não ser cuzão sobre isso definitivamente é um "plus a mais".

Outra coisa que esse jogo faz que é algo que eu aprecio em jogos do genero é que ele é inteiramente modular: ou seja, todos os itens que você precisa para avançar estão dentro daquela area. Quando você avança para a próxima area, é outro puzzle e outros itens. Isso é bom porque tem poucas coisas que eu odeio mais em um PnC do que chegar em um ponto do jogo que é impossível de você avançar porque três horas atrás esqueceu de clicar em um pixel aleatório da tela que te daria um graveto besuntado em sandálias derretidas. Então, não, Kyrandia 2 não é um desses jogos que sai do seu caminho para ser cuzão com você

Enfim, esse segundo jogo da série Book of Kyrandia é algo que eu não esperava absolutamente nada porque o primeiro jogo é muito, muito ruim. Mas a Westwood fez sua lição de casa aqui e fez um joguinho redondinho que faz o melhor que podia para emular a sensação dos jogos da Lucas Arts. Eu sempre digo que da onde menos se espera, daí mesmo é que nunca sai nada... mas não dessa vez.

Não dessa vez.

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