domingo, 15 de novembro de 2020

[AÇÃO GAMES 049] BRAM STOKER'S DRACULA (Sega CD, 1993) [#555]



Essa semana eu joguei dois jogos realmente marcantes por razões bastante diferentes que tentam (e conseguem) fazer coisas muito diferentes: Final Fantasy VII Remake e Death Stranding. Entretanto jogar esse daqui entremente causou eu ficar me perguntando como diabos nós chegamos a esse ponto.

Hoje nós temos jogos que são literais obras de arte, com mensagem e uso da metalinguagem de uma forma que só podem funcionar em videojogos, e isso é realmente impressionante. Mais impressionante que isso é como nós não desistimos no meio do caminho para conseguir chegar a esse ponto. Que determinação, que fé cega nós tinhamos que os videogames um dia chegariam a esse ponto? Como nós acreditavamos tanto que um dia os videojogos seriam o que são hoje?

Seja qual for essa crença inabalavel que nos movia, o certo é que esse Dracula do Sega CD pôs todas nossas convicções a prova. Isso porque em 1993 a Sega havia adotado uma nova estratégia para vender seu acessório de 700 dolares (preço atualizado para hoje): lançar jogos originais para ele. Olha só, precisou apenas de um ano e pouco para a Sega perceber que lançar o mesmo jogo para o Sega CD e para o Mega Drive não motivava as pessoas a comprarem o Sega CD, olha que coisa doida!

Assim, nesse ponto da história, o acessório começou a ter jogos não encontrados de forma de cartucho. Jogos novos, que usassem todo potencial oferecido pelo CD! Jogos que explodiriam as mentes dos jogadores usando mais de 500 MB de espaço enquanto um cartucho a muito pau e corda tinha 5! Agora vai, uma nova era dos videogames, certo?


Fim.

Oh, ok, ok, certo, suponho que eu tenha que fazer isso por algum motivo, então vamos começar do começo: e o começo é que esse jogo sequer tem um motivo para existir! No natal de 1992, Francis Ford Coppola lançou um grande, grande filme sobre o vampiro mais famoso do mundo.

Agora eu sei o que você está pensando: oras, mas faz todo sentido biológico adaptar um filme do Dracula para videojogos, afinal se Castlevania nos ensinou algo é que crianças adoram bater em vampiros!

Sim, pode ser, exceto que não é assim que o sr. Coppola rola. A coisa dele é fazer filmes looongos sobre temas psicológicamente densos e com bem pouca ação. Quando as pessoas pensam em Apocalypse Now, pensam na cena iconica de quando toca a Cavalgada das Valquirias em meio ao comboio de helicopteros americanos no Vietnã. O que ninguem parece lembrar são as outras duas horas e meia que mostram o processo de um soldado perdendo a sanidade naquela que é a mais insana de todas as atividades humanas.



Não estou dizendo que é ruim (pelo contrário), só não é o yppi-kay-yee que você poderia esperar da premissa. E o mesmo se aplica a este "Dracula de Bram Stoker" dirigido por ele. Não é um filme para crianças e não no sentido que tem sexo e violencia, mas porque é um filme arrastado, estranho e lento.

Seja como for, parece que a coisa que "crianças gostam de vampiros because Castlevania é um sucesso" e tivemos inumeras adaptações desse filme para os videogames da época. Teve um point'n clic para Sega CD, a versão para SNES e Mega Drive que eu já falei aqui (BRAM STOKER'S DRACULA) e então essa outra versão para Sega CD que de todas é a mais fiel ao filme... porque isso é algo que os jovens demandavam, certo?

Bem, ligamos o jogo e logo após o logo do Sega CD e da Sega nós já vemos...


Aqui. Isso bem aqui. Novamente...



Só isso já devia ser motivo suficiente para fazer parar o que está fazendo e atirar o CD do jogo em fogo santo de Israel. A Psygnosis é a criadora número 1 do genero que eu carinhosamente chamo de "jogos bosta de Amiga", tais como SHADOW OF THE BEAST ou FATAL REWIND. Sério, você poderia parar aqui, porque não tem como possivelmente isso dar certo. 

Mas nós não pararemos por aqui, pararemos? Não, claro que não. Porque nós somos burros, é por isso.

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Hm, ok. Esse efeito 3D com a música tema do filme não é nada mal para 1993. Nada mal mesmo, talvez isso possa possivelmente funcionar e...

                  
Err... eu não estava preocupado até você o titulo do jogo mudar de "Bram Stoker's Dracula" para "TE PREPARA" que fica 30 segundos na tela. Eu não sei porque os desenvolvedores acharam que meio minuto de BEWARE era a forma correta de começar o seu jogo. Não creio que algum dia eu estarei preparado o suficiente. Jamais.



Uma coisa realmente legal desse jogo é que ele tem cenas digitalizadas do filme. Claro, digitalizadas para os padrões de 1993, mas ainda sim isso era o Ray Tracing da época. Um fato menos awesome, entretanto, é que o mesmo não foi feito com a trilha sonora do filme. Ou trilha alguma, na verdade: todas as cenas tem o video mas não o audio - apenas uma música background genérica. 

Menos yay, mais ainda mais yay do que tinhamos no começo.



Consideravelmente menos esforço foi colocado nessa narração, entretanto, em  que um GIF de 3 segundos fica rodando durante um minuto inteiro enquanto o tiozinho lê a história de como Jonathan Harker (nosso menino Keanu magia) foi parar no castelo Sirius Black.

Ou isso, ou eles contrataram um narrador com os primeiros estágios do mal de Parkinson que fica indo e voltando a mão lentamente. O que teria sido bastante bacana da parte deles, eu te digo.


Os gráficos não são ruins para a época. Até onde imagens digitalizadas vão, isso é meio o que dava para fazer em 1993 e este ponto jogos com atores não eram tão comuns de modo que isso chamava muito atenção. Claro, em 1993 nós não sabiamos ainda que perderiamos o folego pelo menino Keanu, então suponho que hoje esse jogo teria mais pontos do que teve quando Keanu Reeves era só o moleque do Bill e Ted.

Os cenários de fundo, no entanto... A melhor descrição que eu posso dar é que parece que alguém tentou fazer modelos 3D no Word Art. Para adicionar ofensa a injuria, a movimentação dos pixels do Keanu Reeves são deslocadas do cenário. O pé dele não está a altura que devia estar, quando tem uma parede ele não interagem da forma que deveria.

Não parece que ele está andando no chão de uma fase, parece que ele está caminhando na frente de um chroma-key e dos bem toscões!


Sabe o que isso parece? Aquele programa do Gugu que a criança "entrava" no jogo e jogava correndo na frente de um chroma-key!

Não que na época nós soubessemos disso, era uma magia como uma coisa dessas podia acontecer! Quando eu digo que as crianças de hoje são mais espertas do que nós eramos, é por coisas assim...
Agora se apenas andando o  nosso herói já parece todo tronchão, você pode apenas contemplar o horror inanarravel que é esse rapaz em movimento! Em primeiro lugar os pulos são tão travados e lentos que fazem Bubsy parecer Super Mario Odyssey em comparação! Porque sacumé né, aquela boa e velha programação porca de jogo do Amiga que só a Psygolosis (sei lá como escreve essa merda) pode nos oferecer!

Adicione a isso o efeito que eu comentei antes que o jogo finge muito mal que estamos diante de um chroma-key e isso resulta em momentos de perolosidade videogamisticas como esse:



Jesus dançando no pogobol, eu posso te garantir que apertar os botões para fazer isso... seja lá o que isso for... é muito mais horrível e travado do que assistindo paree. E olha que já parece muito. A melhor coisa que poderia acontecer nesse gameplay é o Gugu interromper em algum momento gritando "HIPNOTIZADAAAAAA", mas adianto que o jogo não tem essa graça salvadora.

E, bem, se pular é esse acidente de trem então o que dizer do combate desse jogo? Meu amigo, sério, o que dizer dos ataques desse jogo que eu mal conheço e já considero muito:



O. Que. É. Isso?!?

Não, sério, se eu tivesse que fazer um joguinho em flash para parodiar os videogames, e eu quisesse muito avacalhar, ele ainda sim seria melhor que isso! Mas que desgraça da muléstia, sô! É com isso que a Sega pretende que as crianças gastassem SETECENTOS DOLARES em um acessório para o Mega Drive?

Com esse kung fu lindo e maravilhoso? Isso não é um jogo de luta, não é um beat'm up, é uma versão do homem pobre de Altered Beast e olha que em 1987 Altered Beast já era beeeem bosta, mas bota bosta nisso!

E isso que eu não mostrei o melhor movimento do jogo, o lendário ataque "sai daqui rato borrachudo!"



Eu to passando mal aqui, o ataque "bicuda na canela" é a coisa mais inacreditavel que eu já vi na história dos videogames! E bicuda na canela do fantasma então é o creme de la creme! Eu não acredito que na Psybologna não teve um sacristão pra olhar isso e dizer:


Se o seu sonho sempre foi ver o Keanu Reeves todo mangolão dando bicudas na canela de tudo que aparece pela frente, saiba que você não precisa mais esperar Cyberpunk 2077! Não! Tudo que você precisa é de setecentos dolares e um Sega CD para ver o menino das bicudinhas em ação!

Porque né? Cade o DLC para jogar Dracula de Bram Stoker com o menino Ney que não sabiamos que precisavamos!

Agora, eu sei o que você está pensando: como aprimorar a magnificidade deste jogo? Como elevar o cosmo ao infinito e coloca-lo na grande galeria dos jogos bostas horrendos de todos os tempos? Ora,  esse jogo já tá ruim, mas é necessário ir além! E além eles foram, ou seu nome não é Psycochambradinha!

E esse toque especial na bostosidade do jogo vem na forma da seleção de inimigos! E foi uma seleção bem apertada, porque esse jogo tem menos do que 8 tipos de inimigos o jogo inteiro! Sim, não chega a dois digitos! Isso porque além dos ratos borrachudos e os fantasmas que levam bicuda na canela, temos ainda um modelo de capanga do Dracula como já apareceu antes, um esqueleto, aranhas, LIVROS...


Sim, crianças, aprendam com John Wick como tratar livros! É bicuda neles! Mas não para aí, pois além de enfrentar a cultura, nosso herói também se encara frente a frente contra...



... e UTENSILIOS DE COZINHA!

Olha, tenho que admitir que faze quase trinta anos que eu assisti esse filme, mas eu realmente não lembro de uma cena do Jonathan Harker socando frigideiras voadoras apenas para ser emboscado pelas costas por uma faca de cozinha. Definitivamente Francis Ford Coppolla faz filmes mais densos do que a nossa mera compreensão pode assimilar!

Mas se você acha que toda geniosidade bostosica da Psychomantis termina por aqui, você está muito enganado. Uma empresa conformada em fazer apenas mais um jogo merda pararia por aqui, mas estamos falando de alguém que saiu das terras nefastas e desesperadoras do Amiga! É claro que isso é apenas o começo.

Assim sendo, me permitam humildemente apresentar os chefes desse jogo!

FASE 1: Jornada ao Castelo do Dracula


Você pode estar se perguntando porque eu coloquei uma imagem do ataque do chefe, e não dele em si. Bem, a resposta é bastante simples: ESSE é o chefe. Sim, você tem que desviar desses ataques até o jogo achar que está bom e deixar você continuar. Com os controles de pulo criminalmente ruins que esse jogo tem, você ficaria surpreso do quão dificil isso é.

FASE 2:  A Busca pelo Dracula


Você poderia achar que procurar o Dracula seria dificil, mas no fim foi super fácil, mal um inconveniente. Ele é o chefe da segunda fase. Quer dizer, ele na sua forma de tia velha que o Gary Oldman tem no começo do filme antes de beber sangue. Então se você sempre quis ver como seria o Keanu Reeves dando botinada na boca de uma tiazona, eis o seu sonho realizado.

O que é um sonho estranhamente especifico, eu me preocuparia.

FASE 3: Rumo aos Calabouços!


Nessa fase, que é repleta de coisas sendo jogadas no Jonathan Boy e por isso é que a você mais tem que pular infelizmente, você enfrenta Dracula na sua forma de morcegão, que ele assume antes de ir pra Londres porque é assim que D-kun viaja: com estilo. Não seria uma luta de chefe tão lame, o monstro parece um bom monstro, não fosse o fato que os programadores esqueceram um detalhe: você pode prender o chefe no canto e moer ele de porrada.

Oooooopsie! Afinal que jogo bosta está completo sem uma programação igualmente bosta, não é?

FASE 4: O terreno da Residencia Hillinghan



Dracula deixou Jonathan para trás e veio para a Londres, e o pobre mancebo ficou lá sendo drenado diariamente pelas três vampiresas de estimação dele. Por algum motivo incompreensível, Jonathan decide escapar e precisa voltar antes que Dracula draculeie a sua noiva Mina (que por algum motivo, Dracula acha que é a reencarnação da noiva dele).

A luta final acontece com Dracula na sua forma de lobisomem, embora a cena de encaçapar a boneca com a besta fera que tem no filme foi alterada para uma luta muito mal programada em que ele tem a programação mais previsivel que eu já vi em um jogo. Eu disse que esse filme não era coisa para ser adaptado para crianças, mas alguém me ouve?

FASE 5: Chegada na Abadia de Carfax


Eu tenho que dizer que não lembro exatamente dessa cena no filme ou no livro because trinta anos, talkey? A chefe dessa fase é terrivelmente irritante, não por causa da luta mas porque a cada golpe ela fala "embrace me my love". Que mulher fala isso ao levar um ponta pé nos peitos? Eu sei que Keanu Reeves é tudo de bom, mas vamos se gostar um pouco mais né amiga?


De qualquer forma, nossa amiga vestida de panda que perde a cabeça é só a sub chefe da fase, essa honra indo para Dracula em sua forma humana, tentando te seduzir com seus poderes vocais de Sirius Black. O que funcionaria melhor se ele não fosse tão mal programado, eu te digo.

FASE 6: A Perseguição Até o Castelo

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Essa fase deveria ser a mais legal do jogo. Deveria. Na primeira parte, eles usam o chroma-key para fazer uma corrida até o fundo da tela enquanto nossos heróis perseguem Dracula antes que ele entre no castelo. A detecção de colisão nesse jogo é hedionda, mas pelo menos aqui ela trabalha ao seu favor já que o jogo não registra hit de porra nenhuma.



O que fode a vida é essa segunda parte, onde você tem que pular e atirar na carruagem do Dracula. Qual o problema? Bem, apenas que ELES DECIDIRAM INVERTER OS BOTÕES DE PULO E ATAQUE! Sério, durante o jogo todo você pula no B e soca no A. Agora, nessa fase especificamente, você pula no B e ataca com o A! E o C, que era o botão de chute na canela, agora tem que ser apertado repetido para "impulsionar o cavalo"!

Você não faz ideia do nó que isso dá! Pra que uma merda dessa, eu te pergunto, pra que?!? Você pode tirar a Psycongruencia do Amiga, mas não tira o Amiga de dentro dela

FASE 7: O Confronto Final


No livro e no filme, eles não chegam a entrar dentro do castelo. Dracula é apunhalado na perseguição entra só para morrer. Mas isso não daria uma boa ultima fase, então eles tomaram essa liberdade criativa compreensível (que nos brinda com a épica cena dos livros sendo chutados). O que não é compreensível é eles reaproveitarem a luta do Dracula tiazona da segunda fase, só que agora o Dracula é o Shang Tsung do Mortal Kombat por alguma razão!

Pela razão de foda-se você, eu te digo! Reaproveitar o chefe da segunda fase como último chefe? Uau, isso é niveis de picaretagem e sapequice que mesmo o Amiga nunca viu nada igual!

Sabe, jogos como esse sempre me fizeram pensar por que qualquer criatura trazida de volta dos mortos leva apenas alguns golpes antes de morrer novamente. Quero dizer, eles não podem continuar voltando? Geralmente nos filmes nem mesmo uma centena de tiros pode detê-los. Uma espingarda pode funcionar para atrasar o monstro, mas geralmente é necessário algum tipo de feitiço para realmente você despachar o encosto. Neste jogo, você meio que chuta o Dracula até a morte.

Com a coreografia certa poderia funcionar, mas aqui é só patético mesmo.



Enfim, esse Dracula para Sega CD tem gráficos realmente impressionantes para o seu tempo, e ter tomadas inteiras do filme digitalizadas no CD é algo que muitos de nós não poderiam sonhar ser normais pelos próximos anos. O problema é que a escolha do tipo de jogo já era datada mesmo pra época (como eu disse, em 1987 Altered Beast já parecia sem graça - que é o jogo que originalmente vinha com o Mega Drive antes de Sonic, olha que bela bosta heim), a movimentação transcende novas definições de ridiculo e a escolha dos inimigos faz a coisa toda parecer uma grande pegadinha com quem comprou esse jogo.

Ou seja, uma BELA BOSTA com BB maiúsculo.