quinta-feira, 26 de novembro de 2020

[SNES/MEGA DRIVE] DISNEY'S THE JUNGLE BOOK (Julho de 1994) [#566]



A vida antes da internet era bastante estranha, quando pensada sobre o prisma de hoje. Hoje, toda informação básica já produzida pelo homem está facilmente acessível e não existe “você não saber” o básico de alguma coisa, ou uma lista de quase qualquer coisa. Você deliberadamente escolhe não saber, o que é muito diferente de não ter outra opção.

Por exemplo, quando eu era criança todos os filmes lançados pela Disney eram os filmes que tinham na locadora do meu bairro. Se não estivesse naquela prateleira, simplesmente não existia. Simples assim.

Foi assim que eu conheci até mesmo filmes bem antigos da Disney, como Bela Adormecida, Robin Hood e “Você já foi a Bahia?”, porque esses filmes estavam na prateleira da locadora e logo existiam. Isso quer dizer que existem alguns filmes que eu nunca sequer havia ouvido falar que existiam alguns filmes da Disney até muitos anos depois, quando eu tive acesso a internet e essa informação passou a ser parte da minha vida.

E um desses filmes é Jungle Book, eu nunca tinha sequer ouvido falar desse filme até minha adolescencia e só fui saber alguma coisa mais profunda a respeito dele quando do remake de 2016 - o primeiro filme que a Disney usou como prova de conceito para transformar animações em Live Action e faturar bilhões correndo risco zero (e oferecendo zero em troca).

Como os jogos de hoje são baseados nesse filme (não faço ideia do porque a Disney achou que era um bom timing lançar em 1994 um jogo baseado num filme de 1967), achei que era por bem assistir para ver o que era esse tal de “menino lobo”.


A primeira coisa que chama atenção nessa animação é uma coisa que é até dificil imaginar da Disney de hoje, mas as animações dos anos 60 eram conhecidas por serem o mais baratas possiveis. Logo a Disney, que hoje é feita de dinheiro e poder, naquela época tinha que vender o almoço para comprar a janta - um conceito que é realmente dificil de assimilar.

Isso quer dizer que os cenários de fundo (que são desenhados apenas uma vez e reutilizados em várias tomadas) são lindamente desenhados a mão, mas as animações dos personagens tem cortes de gastos que fariam inveja a um anime. Os movimentos corporais básicos do protagonista Mowgli, por exemplo, são repetidos várias vezes. Como ele ri, dá de ombros e aponta são quadros de animação utilizados em mais de uma cena. O mesmo vale para os animais do filme, mas até então repetir quadros de animação de animais dá menos na vista mesmo.

Mas então, sobre o que é esse filme?

Bem, o conceito do filme é interessante: baseado em uma coleção de contos de mesmo nome escrita por  Rudyard Kipling ainda no século XIX, The Jungle Book conta a história de Mowgli, um órfão humano que foi adotado pelos animais da selva e criado por eles - livros aventuras “exóticas” na selva “misteriosa”  era algo que que ingleses vitorianos entendiados apreciavam bastante. 

Um dia, os lobos da selva descobrem que Shere Kahn, um tigre cruel que tem um ódio intenso de seres humanos, voltou para a selva e quer matar todos os humanos da selva - o que se resume a Mowgli, infelizmente para o garoto. Em um esforço para proteger o menino e salvá-lo de Shere Kahn, Mowgli e seus amigos Baloo, o urso e Bageera, a pantera negra fazem um road trip pela selva para devolver Mowgli à aldeia dos homens, onde ele estará seguro e reunido com sua espécie.

Mowgli e sua gangue atravessam a floresta, encontram algumas figuras exóticas, tem uma grande aventura e aprendem alguma coisa sobre si mesmos. Nada de outro mundo, e definitivamente nada que Pinocchio já não tivesse feito de forma competente trinta anos antes - então não é como se eu estivesse exigindo uma sensibilidade moderna de um filme dos anos 60 nem nada do tipo.

Como eu disse, a premissa do filme não é a pior do mundo. Ele tem boas idéias, ação de comédia pastelão decente e definitivamente boa música. Discutivelmente, a melhor música que a Disney já havia feito até então: a música mais famosa do longa “Somente o necessário” é super fácil de cantar com um refrão que gruda, e o macaco Rei Louie tem uma música que é basicamente uma jam session de Jazz de quatro minutos, e você consegue sentir o quanto os músicos se divertiram fazendo aquilo.

O problema é que The Jungle Book, no que tange aos dramas individuais dos personagens incrivelmente corrido, e as motivações dos personagens não são exploradas muito mais profundamente além de seu valor superficial. Mowgli, por exemplo, quer permanecer na selva em vez de viajar para viver na aldeia do homem, mas nunca nos disseram o porquê. Presumimos que seja porque a selva é onde vive sua família da alcatéia, mas como eles só aparecem nos primeiros 15 minutos do filme e nunca mais são mencionados, esse não parece ser o caso. 

Baloo é um urso folgado e tranquilo que quer criar Mowgli como seu filhote, e não parece ter um sentido nisso. Por que Baloo, que claramente não quer nada com responsabilidade nenhuma - esse é literalmente seu defining trait enquanto personagem - quer criar Mowgli como seu filhote depois de conhecer ele por apenas alguns minutos? No melhor caso, pode-se estipular que é porque ele achou que seria divertido sem pensar muito no assunto direito e isso é tudo. O que não é realmente o argumento mais adequado para fazer o publico se importar. 

Muitos anos depois a Disney usou essa mesma trope só que feita do jeito certo: Timão e Pumba no Rei Leão. Timão e Pumba são dois malandros que não querem nada com trabalho, mas acabam criando um filhote de leão não apenas "porque não to fazendo nada melhor mesmo, lol" e sim tem um motivo nisso. Exteriormente porque eles percebem uma vantagem ter um leão como aliado, mas o verdadeiro motivo é que eles são bons e não querem deixar o filhote morrer. Agora isso é uma boa caracterização de personagem, mas Baloo apenas parece que teve um capricho porque achou legal e foda-se.

Agora essa é uma boa pergunta

Mowgli é ainda pior. Por que Mowgli do nada passa a amar esse urso como se fosse a família que ele nunca teve depois de conhece-lo por alguns minutos quando ele caga solenemente para a família de lobos que o criou (tanto que o título em português é “Mowgli - O Menino Lobo”)? Mowgli acaba apenas parecendo um menino caprichoso que faz as coisas porque dá capricho e foda-se... o que também não faz dele o melhor personagem ever.

E porque Mowgli e Baloo estão mais preocupados em relaxar e descansar na selva quando os dois sabem que um tigre comedor de gente está atrás dele? O que me leva a Shere Kahn. Ele é talvez o mais subdesenvolvido de qualquer um dos personagens, o que é o mais frustrante para mim porque ele tem o maior potencial que qualquer um dos outros personagens - se alguma coisa, a Disney é famosa por seus vilões memoráveis. Dizem que ele é um tigre que odeia seres humanos. Ok, por que isso? Houve alguma experiência profunda e traumatizante em que a humanidade o marcou para o resto da vida? Ele perdeu sua família de tigres para uma tribo humana? A humanidade matou e tomou seu suprimento de comida? Por que Shere Kahn odeia a humanidade?

Além dessa música ser muito boa, eu realmente gosto como o macaco genuinamente acha que fazer fogo é algo racial dos humanos e que nós apenas sabemos fazer, da mesma coisa que qualquer animal apenas sabe fazer as coisas que eles fazem

Nunca é dado um motivo. Shere Kahn odeia homens, e Mowgli é um homem, e é só isso. E o que torna isso particularmente frustrante é que a atuação de George Sanders é de longe a melhor do filme. Na forma que ele fala e se comporta, Shere Kahn não parece considerar em nenhum momento que ele não vá conseguir o que ele quer - e se ele vai ter sucesso de qualquer jeito, porque não fazer isso com classe e elegancia?

Quando aparece no filme após ser anunciado como o mal encarnado, como o diabo mascando mariola, Shere Kahn na verdade é extremamente polido e centrado, porque você sente que ele tem tudo tão sob controle que ele não precisa levantar a voz para ser ameaçador.

Entretanto não é feito nada particularmente interessante com ele senão uma sequencia de ação bem marromenos no final, e isso é meio que um desperdício. Eu reconheço que os personagens, embora sem nenhuma motivação para fazer o que fazem (exceto talvez Baghera, que apenas não quer ver uma criança ter uma morte horrível na selva - essa é uma motivação que eu posso entender) tem personalidades interessantes e diferentes entre si. Os musicais são as cenas onde as personalidades dos personagens brilham mais, e sua energia boba, maluca e divertida toma conta da tela. São as partes fora da música que o filme fica lento.

E nisso o principal problema é o arco do Mowgli, porque ele continua pedindo insistentemente para ficar na selva - quando está claramente na cara que é uma coisa ruim, não apenas teoricamente mas porque ele se mete em problemas a cada 5 minutos, ele é basicamente uma donzela em apuros a ser resgatada durante a maior parte do filme. E sempre que ele faz algo por conta própria, na verdade é apenas por pura sorte.

Pior que isso, quando ele se mete em uma roubada e escapa na cagada, você não acredita genuinamente que ele aprendeu com seus erros. Ele é um típico garoto teimoso, que parece fazer as coisas apenas por capricho. 

O que nos leva ao final do filme, o final mais constrangedor e cringe que eu já lembro de ter visto em um filme da Disney: após terem botado o Shere Khan pra correr (temporariamente), a gangue chega até a vila dos homens e Mowgli está ali birrando que “não quer ir porque naõ quer, ele quer ficar na selva com seu “papai urso”” e tal... até que ele vê uma garota indiana da idade dele (ou seja, não mais que dez anos, bem menos até), ela dá um olhar de “hmm, vem que tem gostosão” e então ele vai pra vila dos homens... e o filme acaba.


Uau... apenas... uau. Isso é realmente, REALMENTE errado, e isso sendo dito por alguém que já assistiu Eromanga Sensei.

Quer dizer, isso definitivamente é desenvolvimento de personagem realmente maduro, forte e complexo. De repente eu nunca ter ouvido falar desse filme até a internet não tenha sido a pior coisa que já me aconteceu...

O que não pode ser dito da versão de Super Nintendo desse jogo, essa sim foi uma das piores coisas que já me aconteceu. A de Mega Drive é okay, mas a de SNES... puta merda...

SABIA, TAVA DEMORANDO VIR VOCÊ FALAR MAL DA SEG... ESPERA, O QUE?


Pois é, eu também custei a acreditar nisso mas it is what it is. Vamos lá: a versão de Jungle Book para consoles da quarta geração é, para surpresa de zero pessoas, um jogo de plataforma em que você precisa coletar um número X de rubis em uma fase para poder habilitar a saída. Yay, fases labirinticas com coletar itens, meu favorito... ¬¬

A boa notícia é que, na versão de Mega Drive, o bicho não é tão feio quanto soa. Pra começar você tem uma bússola indicando a localização do rubi mais próximo e isso ajuda bastante. Outra coisa que também ajuda é que você não precisa TODAS as gemas da fase, e isso torna o jogo bem menos cuzão de ser concluído tendo que achar itens escondidos no cu molhadinho do Judas. Se você quiser coletar todas as gemas da fase abre uma fase bonus no final e isso é algo com o que eu estou totalmente okay. 

Eu particularmente não me importo com fases bonus, mas se você comprou o cartucho e quer ter um desafio extra de fazer tudo, tudo bem. Divirta-se. Isso sendo opcional e não obrigatório, we are cool man.

Versão para Mega Drive

Outra coisa que ajuda muito nesse jogo na versão de Mega Drive, é que os controles são responsivos na medida certa. Mowgli pula legal, não escorrega, você tem controle de onde está indo e para onde vai. As batalhas contra chefe são desnecessariamente longas e você tem uma margem de manobra para escapar dos ataques bem apertada, mas vá lá, isso não torna o jogo injogavel. 

As fases são baseadas no filme certinhas e a música é impressionantemente... audível para um jogo de Mega Drive. Elas não apenas não soam como um saco de bergamota secando no Sol, como são fieis as boas músicas do filme. No fim do dia, é um bom jogo, sólido e bem feito.

Já a versão de Super Nintendo, meu amigo, comandante, capitão, tio, brother e camarada... desce mais uma rodada porque a coisa é feia aqui e você poderia dizer que esse jogo não tem nem somente o necessário... viram o que eu fiz aqui? Hã? Hã?

Bem, provavelmente não. Então, obviamente, The Jungle Book é um jogo de plataforma 2D e funciona da mesma forma que a versão para Mega Drive: você joga como Mowgli, você pula em animais, você joga bananas. Ok, parece bom. Conceito divertido.

Versão para Super Nintendo

Infelizmente, é uma questão de segundos antes que os problemas comecem a sair do armario. Em primeiro lugar, controlar Mowgli aqui é uma experiencia absurdamente terrível. Ele é floaty demais, é difícil pular com precisão e seu personagem meio que voa solto pela fase a cada pulo. A sensação de peso do personagem é errada, apenas muito errada. 

Isso se torna problemático porque esse jogo também é muito difícil. Ao contrário da versão de Mega Drive, que tem uma dificuldade bastante okay para ser jogado, aqui os níveis são muito mais exigentes do que têm o direito de ser, dado a baixíssima qualidade de como os controles respondem. O resultado é que as fases realmente dão nos seus nervos em bem pouco tempo.

O jogo não só tem um posicionamento de inimigo ridiculamente filho da puta - novamente, tornado mais frustrante ainda por causa dos controles ruins - mas os próprios níveis são bem confusos e é difícil discernir o que é cenário e o que são plataformas de verdade (um problema que não existe no Mega Drive). Tudo meio que apenas parece igual.


E a questão é ... os níveis são tão grandes que fica ainda mais difícil descobrir onde você deveria estar indo. Quer dizer, devo subir? Descer? Voltar para a cama? (O que eu prefiro, neste momento). Isso porque algum lazarento, sacripanta, filho de uma passoquista teve a brilhante ideia de não colocar a bússola apontando a direção da gema mais próxima (ou esqueceu de colocar, o que é tão ruim quanto). Porque fazer essa experiencia minimamente jogavel quando você pode, é claro, totalmente não fazer isso?

É claro, né? 


E por mim tem também o problema que decorre da aparência do jogo. Quer dizer, não é um jogo feio e ele tem esses sprites realmente grandes e detalhados, mas Mowgli é tão grande que seu campo de visão termina sendo limitado e tudo nesse jogo é a respeito de saltos de fé. Porque é claro que é, como não? O que é isso, a dimensão do contrário onde a versão de Mega Drive tem bons controles e música decente, e a versão de SNES é sobre saltos de fé e dificuldade desbalanceada? Eu fui parar em uma dimensão alternativa onde cima é baixo, crooks chase cops, cats have puppies?

O mundo enlouqueceu e eu não recebi o memorando, essa é a única explicação possível.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 066





VERSÃO PARA NINTENDINHO
Preview na edição 061


VERSÃO PARA MASTER SYSTEM
Edição 067




MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 004

Preview na Edição 002 


Edição 044 (Novembro de 1997)




VERSÃO PARA NINTENDINHO
Edição 005


VERSÃO PARA MASTER SYSTEM
Edição 006


VERSÃO PARA MEGA DRIVE
Edição 007