Todo mundo sabe que eu sou um otaku safado. Quer dizer, o que mais eu seria? Um hippie vendendo minha arte na praia? Qualé. O que menos gente sabe, no entanto, é que a palavra "otaku" não se refere necessariamente a esquisitões de anime como eu. Em japonês, otaku (おたく) originalmente significava algo mais próximo de "sua casa" ou "sua família", mas evoluiu para descrever alguém cujos interesses são tão obsessivos, tão consumidores, que o hobby se torna uma segunda casa — ou, em alguns casos, a primeira.
Agora, antes que me alguém apareça com um "bem, tecnicamente...", sim, existem nuances, subcategorias e notas de rodapé sociológicas maiores do que esta análise. Vamos não fazer isso, só vem comigo. Porque otakus não são apenas nerds de anime com travesseiros de waifu e habitos higiênicos questionáveis. Existem otakus de esportes que conseguem recitar, de cabeça, a escalação completa do Bangu de 1954. Existem otakus de trens, otakus de câmeras, otakus de café. E, claro, otakus militares — o tipo que pode te dar uma palestra de horas sobre as vantagens, desvantagens e casos de uso muito específicos de cada projétil de .mm já concebido pelo homem, pelo cramuião ou por empreiteiras da defesa.
Já escrevi bastante sobre essa fandom em particular na minha review de TOM CLANCY'S RAINBOW SIX, mas a versão resumida é essa: especialmente nos Estados Unidos, existe um público enorme que vai ter um aneurisma se ouvir você confundir um carro blindado com um tanque. E não estou julgando. Se funciona para você, funciona para você. A minha coisa é ter waifus 2D adoráveis para lidar com uma solidão debilitante. A sua é ficar absurdamente animado ao assistir um jato de quatro bilhões de dólares vaporizar um barraco no meio do deserto. Cada um com seu cada qual.
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| Esse é um daqueles jogos que era figurinha carimbada nas revistas que vinham com um CD de jogos na época |
No entanto, onde nossos interesses realmente se alinham é que essa obsessão inevitavelmente transborda para os videogames. Pq claro que existem jogos feitos sob medida para esses fanáticos por exército. TOM CLANCY'S RAINBOW SIX é o exemplo mais famoso — o grande popularizador do gênero. Não tecnicamente o primeiro atirador tático (esse tipo de "primeiro ever" geralmente pertence a algum jogo de PC bizarro dos anos 80 que doze pessoas jogaram e três se lembram), mas aquele que definiu as fundações sobre as quais todos os outros construíram. Fases de planejamento. Morte com um tiro. Equipamento realista. Ritmo lento e metódico. Todo mundo conhece essa história. O que menos gente conhece é que o Rainbow Six não moldou esse gênero sozinho.
Correndo em paralelo a ele havia um parceiro no crime mais quieto, mais cru, muito mais humilde. Um jogo sem o nome de um romancista best-seller estampado na caixa. Um jogo que não tinha poder de marketing nem apelo de massa. Mas que foi tão fundamental para o DNA dos atiradores táticos.
Esse jogo era Hidden & Dangerous.
Então, antes de continuarmos, vamos fazer um resumo muito breve do que é um atirador tático, só para garantir que estamos todos na mesma página, ok? Primeiras coisas primeiro: esqueça seu FPS típico, onde você consegue absorver mais metal que um detector de metais numa convenção gótica, onde se esconder atrás de uma caixa por cinco segundos, talvez tocar num health kit e voilà — você está novo em folha. Num atirador tático, seu personagem morre com um tiro. Dois, se você estiver se sentindo particularmente sortudo e o jogo estiver se sentindo estranhamente generoso. Porque, sabe, na vida real, levar uma bala geralmente é o suficiente para estragar o seu dia. Não importa o quão durão você pense que é, o corpo humano não é significativamente mais resistente a projéteis metálicos em alta velocidade do que uma água-viva. Como regra geral, esses jogos são todos sobre não levar um tiro. O que, incidentalmente, também é um excelente conselho para a vida em geral.
O segundo pilar definidor de um atirador tático é o realismo — ou pelo menos a ilusão de realismo. Esses jogos são feitos para pessoas que resmungam, enquanto dormem, a velocidade de saída do projétil de um determinado rifle em um dia ventando. Então tudo tenta se comportar "corretamente": tipos de munição importam, alcance importa, tempos de recarga importam, manejo da arma importa. Você não apenas atira para todo lado, você conta os tiros, planeja os ângulos e xinga alto porque recarregou meio segundo tarde demais. E essa atenção obsessiva aos detalhes não é apenas ambição artística — é autopreservação. Você está lidando com um fandom profundamente obcecado por armas de fogo. São pessoas que vão notar se sua animação de recarga estiver errada, se o pente tem duas balas a mais, ou se uma arma dispara um projétil que historicamente nunca usou. Então é do melhor interesse da sua saúde tentar não irrita-los.
Então, agora que você sabe tudo isso, provavelmente pode adivinhar de onde vem a parte "hidden" de Hidden & Dangerous. A furtividade aqui não é uma sugestão ou um estilo de jogo que você pode querer experimentar. É mais um ultimato: fique invisível, ou tome uma bala na cara. Esta é a mesma razão pela qual as forças especiais da vida real são obcecadas por neutralizações silenciosas. Não é porque ele querem se sentir o Batman — tá, é um pouco sobre querer se sentir o Batman também. Mas principalmente, é porque se aproximar sorrateiramente de alguém é muito mais saudável do que trocar tiros.
O ponto é simples: fique oculto o máximo que puder. Sua equipe consiste em oito caras, e só. Esse é o elenco inteiro para o jogo todo. Se alguém morrer, você não ganha um substituto. Não há reforços mágicos esperando nos bastidores. Você apenas segue em frente com quem sobrou — mesmo que isso signifique chegar na missão final com um único sobrevivente, mentalmente abalado e a barulho alto de ter um ataque de PTSD. Como regra geral, então tente não perder seus homens.
Para apoiar isso, o design de nível faz o possível para manter a maioria das missões repletas de opções táticas. Raramente o jogo te arrasta a força por um canyon estreito ou te acorrenta a um script rígido. Quer dividir seu esquadrão de quatro homens ao meio e infiltrar um objetivo por dois lados ao mesmo tempo? Vá em frente. Prefere ir full lobo solitário, zigzagueando entre patrulhas e silenciosamente esfaqueando sentinelas? Também é uma opção.
Claro, não é DEUS EX. Nem mesmo TOM CLANCY'S RAINBOW SIX — chegaremos nessa comparação em um momento. Mas dá a você liberdade suficiente para fazer as coisas do seu jeito, desde que nunca esqueça a regra estabelecida anteriormente: o corpo humano reage muito mal a metal em alta velocidade passando através dele.
É particularmente frustrante ver seus melhores guerreiros serem casualmente desvividos por uma rajada de tiros. Cada soldado em Hidden & Dangerous é classificado em cinco atributos diferentes, e o azar — ou o planejamento ruim — pode deixar você mancando em direção a um objetivo com um esquadrão que é forte como um bois ou furtivo como um gato, mas medíocre quando se trata de realmente acertar o que estão mirando. Não há nada como se infiltrar cuidadosamente uma posição, só para descobrir que o único cara com linha de tiro limpa não conseguiria acertar um caminhão parado se sua vida dependesse disso. O que, efetivamente, depende nesse momento.
Pelo menos as mesmas regras se aplicam ao outro lado. Os inimigos aqui não são esponjas de balas em uniformes nazistas. Alguns tiros de rifle bem colocados geralmente são suficientes para desfalcar o terceiro reich em um homem. Quando as coisas dão errado, dão errado rápido — mas isso vale para ambos os lados. E é isso que faz Hidden & Dangerous parecer mais tático do que injusto, o que é uma coisa boa.
Para crédito do jogo, o design de nível incentiva ativamente você a explorar vantagens táticas em vez de forçar encontros. O uso inteligente de ambientes explosivos pode limpar posições inteiras, e o jogo felizmente permite que você faça coisas ridículas, mas merecidas — como atirar no motorista distraído de um tanque Tiger e transformar essa monstruosidade blindada em um instrumento do caos. Poucos momentos são tão satisfatórios quanto ver um reduto inimigo desmoronar porque você usou o hardware deles contra eles. E em um jogo tão pé no chão, tão letal, essa sensação súbita de poder — quando os inimigos caem como se fosse um videogame "normal" — é especialmente doce.
Então, se eu fiz meu trabalho corretamente — e eu geralmente faço — você já tem a ideia geral: isso é essencialmente um TOM CLANCY'S RAINBOW SIX com tema da Segunda Guerra Mundial, só que com muito menos suporte porque você está operando atrás das linhas inimigas. Antes de cada missão, você tem a chance de selecionar suas armas, mas não espere um QG chique financiado pela OTAN com orçamento ilimitado. Estamos em 1944. É menos sobre óculos de visão noturna térmicos e mais sobre o que você consegue saquear dos "Jerrys" que você acabou de abater.
E honestamente, essa descrição seria bem precisa…
…exceto por uma ressalva importante.
A Illusion Softworks não era exatamente uma corporação multibilionária nadando em royalties de best-sellers. Eles eram um pequeno e humilde estúdio tcheco. E se a República Tcheca não conseguiu nem manter a Eslováquia, certamente não seria um estúdio tcheco que poderia torrar dinheiro em tecnologia de ponta. Ok, essa piada provavelmente acabou de negar meu visto na Europa Oriental.
Então, como você esperaria de um desenvolvedor trabalhando em um mercado terciário na época, o dinheiro simplesmente não estava lá. E você pode sentir isso. As intenções são sólidas, muitas vezes até inspiradas, mas a execução frequentemente parece que você está jogando um título inicial de PS1 que de alguma forma migrou para o PC. O jogo claramente quer ser atmosférico e imersivo, da mesma forma que Medal of Honor conseguiria apenas alguns meses depois. Para seu crédito, o design de som é surpreendentemente forte — e você pode absolutamente ver como a EA pode ter tomado notas aqui, assim como nas fases de infiltração disfarçada tambem — mas visualmente e estruturalmente, tudo parece estranhamente vazio.
Os níveis são esparsos, os ambientes parecem desprovidos de vida, e a apresentação geral muitas vezes dá a impressão de que você está jogando uma beta inacabada, em vez de um lançamento plenamente realizado. E eu entendo. Eu realmente entendo. A equipe era muito mais ambiciosa do que seu orçamento permitia. Mas a ambição não povoa magicamente um campo de batalha.
Para seu crédito, Hidden & Dangerous acerta nas partes que realmente importam. A jogabilidade com armas é exatamente o que precisa ser: letal, deliberada e fundamentada. Eu não me importo particularmente que sejam feitos de 8 poligonos em 1999. O que eu me importo, no entanto, é que a guerra às vezes parece menos como um conflito global massivo e mais como meia dúzia de caras atirando um no outro em um estacionamento vazio. E em um jogo que vive e morre pela imersão, essa ausência é impossível de ignorar.
A outra área onde este jogo realmente parece um R6 da Shopee é a IA — ou, mais precisamente, a falta dela. Uma das características mais distintivas do Rainbow Six era precisamente sua camada tática. Antes mesmo de iniciar uma missão, você recebia um mapa detalhado onde podia traçar rotas, definir pontos de entrada e saída, e coreografar seu esquadrão como uma força de ataque de precisão. Durante o jogo, você tinha controle granular sobre como esses planos se desenrolavam: dando ordens, pausando a execução, trocando membros da equipe, ajustando no improviso. Fazia você se sentir como um estrategista, não apenas um cara com uma arma.
Hidden & Dangerous tem… nenhuma dessas coisas sofisticadas. Sim, tem um mapa tático, mas a partir daí você basicamente por sua conta. Você tem que mover seu time manualmente, seja um soldado de cada vez ou através de um comando "siga-me", que funciona exatamente com a baixa frequência que você esperaria. Se a Core Design — com o dinheiro da Eidos por trás — não conseguiu acertar totalmente esse tipo de controle de esquadrão em PROJECT EDEN dois anos depois, não seria um humilde estúdio tcheco em 1999 iria quebrar essa piñata.
Seus companheiros de equipe podem ser apresentados como a nata do Exército Britânico, mas isso não os impede de ocasionalmente atirar na sua nuca, ou se afogar ao tentar a manobra altamente avançada de pisar de um cais em um barco. Como resultado, o jogo parece menos como executar um plano tático brilhante e mais como caminhar manualmente com quatro personagens diferentes pelo mesmo espaço. O que, infelizmente, me deu flashbacks do gerenciamento micrométrico estilo DONKEY KONG 64, em vez de Rainbow Six. E essa não é uma comparação que você jamais quer fazer.
O ritmo também não ajuda. Uma missão pode te jogar direto no fogo inimigo, forçando você a atirar para escapar e sobreviver. Então, após escapar por pouco e se mover para outra seção do nível, você passará os próximos 20 a 30 minutos fazendo absolutamente nada. Vagando por aí como um velho com um detector de metais, seu esquadrão de combatentes da liberdade terá sorte em encontrar alguém — ou qualquer coisa — para quebrar a monotonia. Quantas vezes eu tenho que circular esse mesmo caminhão de suprimentos antes que o jogo decida que algo deveria acontecer? E nem vamos começar com escadas. Eu sei que programar movimento vertical tem sido um pesadelo desde os tempos de Castlevania do NES, mas meu deus do céu. Nossos amigos tchecos levam uma surra das escadas neste jogo.
Agora, não me entenda mal — há muitas ideias louváveis dentro de Hidden & Dangerous. Em missões posteriores, você pode assumir o controle de imensos tanques Panzer e canhoneiras. Você pode gritar comandos em tempo real para seus companheiros de esquadrão e fazê-los segui-lo, recuar, avançar ou executar várias ações. Tropas alemãs realmente gritarão com você em sua língua nativa, tentarão detê-lo e até perseguirão você por passagens, pegando cobertura se você tentar revidar. Estes são detalhes genuinamente impressionantes para a época.
Mas quando tudo está dito e feito, simplesmente não é o suficiente para superar as outras deficiências do jogo. Hidden & Dangerous é muito melhor no papel do que na realidade. Por todas as suas boas ideias e flashes ocasionais de brilhantismo, há simplesmente muitas arestas ásperas impedindo-o de ser mais do que um título mediano. Felizmente para os desenvolvedores, atiradores táticos não eram exatamente um gênero lotado naquela época. Se você queria esse tipo de experiência, suas opções eram basicamente esta ou Tom Clancy's Rainbow Six.
Então o que você acaba tendo é um jogo cheio de grandes ideias, lançado no momento perfeito, mas puxado pra baixo por um orçamento não-tão-grande assim — e entregue com uma execução mais ou menos que nunca chega a corresponder à sua ambição.
MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 059 (Abril de 2000 - Semana 1)





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