Bem, eu disse que a Super Game Power estava num frenesi de SNK, não disse? E, olha, isso até que é uma coisa boa realmente. Por alguma razão as revistas brasileiras pularam The King of Fighters '94 completamente em 1994, então finalmente estou tendo a chance de preencher essa lacuna na minha cobertura dessa franquia icônica. Então, sem mais delongas, vamos começar do começo com o "Rei dos Brigadores: O Ano do Tetra".
Uma coisa que eu acho particularmente fascinante sobre as origens do KOF é que o plano original da SNK era criar um spin-off beat 'em up com personagens de FATAL FURY e ART OF FIGHTING — um jogo que se chamaria Survivor. No entanto, a ideia não sobreviveu por muito tempo (sim, eu sei, eu sou o rei da comédia). Em 1994, os jogos de beat 'em up estavam em declínio, com os jogos de luta reinando supremos nos arcades. Então, em um momento que mudaria o curso da história, alguém na SNK passando pelo corredor (provavelmente um filho de um funcionário visitando a empresa no "dia de levar seu filho ao trabalho"), disse: "Se vocês vão fazer um crossover… por que não fazer um jogo de luta? Jogos de luta não são meio que a coisa que vocês são bons? E não é como se faltassem personagens para usar..." E é por isso, crianças, que quando vocês eventualmente se tornarem um vilão supremo e maligno do mal, sempre mantenham um conselheiro de oito anos ao seu lado. Eles apontam as coisas mais óbvias que todo mundo ignora.
Enfim, eu já cobri a (bem extensa) história por trás do torneio The King of Fighters na minha análise do THE KING OF FIGHTERS 97 — e eu recomendo muito a leitura, porque é uma história bem interessante. Então, vamos pular essa parte aqui e focar no que realmente importa para o KOF '94.
Vale mencionar que, na sua encarnação original, a série organizava os times por país. E sim, isso foi feito basicamente porque o STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR fez isso primeiro — e porque o produtor era Takashi Nishiyama. Sim, aquele Takashi Nishiyama: o homem que literalmente inventou o STREET FIGHTER 1. O de 1986, aquele jogo que todo mundo esquece que existe — porque, acreditem ou não, existe uma razão pelo qual Street Fighter II tem esse número dois depois do título.
E eu preciso dizer que Nishiyama ama, mas ama mesmo, países. Então, ao invés de escolher lutadores individuais, você escolhia times nacionais compostos por três personagens fixos… mesmo quando esses personagens tinham apenas a relação mais tênue possível com o país que supostamente representavam — isso quando tinham alguma. A partir da iteração de '95, essa ideia foi abandonada, permitindo que os jogadores formassem times como quisessem. Claro, se você seguisse os times canônicos ainda teria os finais próprios e algumas cenas extras — mas eu já escrevi sobre THE KING OF FIGHTERS 95, então vamos ficar com o que o '94 nos dá.
O Time Japão é formado por personagens totalmente novos: Kyo Kusanagi (o futuro garoto-propaganda de toda a franquia), Benimaru Nikaido (estiloso, confiante e descolado) e Goro Daimon (sério, tradicional e construído como uma parede de tijolos). Todos eles são realmente japoneses, o que já coloca esse time acima da média em termos de coerência nacional. A SNK claramente criou o time da casa a dedo para agradar um novo e amplo público japonês, o que explica por que o Kyo foi projetado com uma vibe mais forte de "protagonista de anime". E, olha, pra mim funcionou. O Kyo é genuinamente descolado e rapidamente se tornou um favorito dos fãs, e por boas razões.
O Time Itália, por outro lado, apresenta os irmãos americanos Bogard — Terry e Andy — junto com a estrela japonesa Joe Higashi, todos três tirados diretamente de FATAL FURY. O que a Itália tem a ver com qualquer um deles? Sua explicação é tão válida boa minha.
A mesma lógica — ou falta dela — se aplica ao Time México, que consiste na dupla japonesa de pai e filho, Ryo e Takuma Sakazaki, ao lado do italiano Robert Garcia. Então, deixa eu ver se eu entendi: tem um Time Itália sem italianos, e aí você coloca seu personagem italiano de verdade no Time México? Claro. Por que não. Geografia é claramente mais uma sugestão aqui.
O Time Brasil-sil-sil é composto pela dupla de soldados americanos Ralf Jones e Clark Still, de Ikari Warriors (o famoso jogo do A,B,B,A da SNK), junto com seu comandante Heidern, um personagem totalmente novo criado para este jogo. A base militar deles, supostamente, fica no Brasil — então há algum tipo de conexão aí… eu acho. Devo apontar também que FATAL FURY 2 já tinha um núcleo cultural brasileiro com o Pão Pão Café (um nome que eu com certeza usaria se abrisse uma padaria), mas então,acho que estamos sendo representados por mercenários. Justo.
O Time China reúne a dupla chinesa Sie Kensou e seu mestre Chin Gentsai, junto com a ídolo japonesa Athena Asamiya. Kensou e Athena vêm do jogo da SNK "Psycho Soldier", enquanto Chin foi criado especificamente para o KOF. É uma mistura estranha, mas pelo menos há uma conexão temática e narrativa que os une, o que já os coloca à frente de vários outros times.
Time Inglaterra — mais tarde conhecido como "Time das Garotas" — consiste na francesa King, na japonesa Mai Shiranui e na também japonesa Yuri Sakazaki. King e Yuri vêm do ART OF FIGHTING, enquanto a Mai vem do FATAL FURY. Essa formação tem alguma coisa a ver com a Inglaterra? Não realmente. Mas, pelo menos uma delas tem o nome de King, e monarquia é uma coisa britânica… acho que isso conta?
Time Coreia, infelizmente não é formado pelas Guerreiras do K-Pop, mas pelo menos é direto: Kim Kaphwan, de FATAL FURY 2, se junta aos personagens originais Chang Koehan e Choi Bounge. Todos são coreanos, e o time tem uma dinâmica interna clara — Kim tentando reformar dois criminosos condenados através da disciplina das artes marciais.
Finalmente, temos o Time EUA, formado inteiramente por personagens novos com temática em torno de esportes populares americanos: Heavy-D! (boxe), Lucky Glauber (basquete) e Brian Battler (futebol americano). É bobo, extremamente anos 90 e, funciona pra mim. Dito isso, ainda estou esperando o Time EUA 2, com as outras grandes paixões americanas: baseball, pro-wrestling, e atiradores escolares. A ideia foi de graça, SNK. De nada.
Falando do gameplay, onde o KOF '94 começa a esculpir sua própria identidade é com as mecânicas importadas de ART OF FIGHTING 2, mais notadamente o medidor na parte inferior da tela, oficialmente chamado de Power Gauge. Esse medidor enche conforme você ataca, defende e toma dano, mas você também pode carregá-lo manualmente segurando três botões de ataque — é claro, ficando completamente vulnerável a punições enquanto faz isso. Uma vez ativado, o Power Gauge aumenta o dano de seus ataques e permite que você execute seu Desperate Move, desde que sua vida esteja abaixo de 75%, um pré-requisito herdado diretamente de FATAL FURY 2.
Essa mecânica foi uma grande coisa na época. Adicionou uma nova camada de risco versus recompensa às lutas e tornou as viradas muito mais dramaticas do que na maioria dos contemporâneos. Na verdade, a ideia se mostrou tão influente que a Capcom incorporaria mais tarde uma barra de especial e super ataques especiais muito semelhantes em SUPER STREET FIGHTER 2 TURBO. Coincidência? Talvez. Mas é difícil não ver KOF '94 como parte da pressão que empurrou os jogos de luta em direção aos sistemas baseados em especiais que logo se tornariam o padrão do gênero.
Agora, obviamente, a coisa pela qual este jogo é mais conhecido é sua estrutura baseada em times. Não há rounds tradicionais aqui. Em vez disso, você seleciona um time de três lutadores, e a partida só termina quando todos os membros de um time forem nocauteados. É uma ideia simples, mas que imediatamente diferencia The King of Fighters '94 de seus contemporâneos.
A coisa interessante, no entanto, está em como esses times funcionam. Antes da luta começar, você escolhe a ordem em que seus três personagens entrarão em batalha. Uma vez que um lutador entra, ele fica travado na posição — você não pode tirá-lo ou trocá-lo no meio da luta. Eles ficam lá até vencerem ou serem nocauteados. Isso torna a ordem do time uma decisão surpreendentemente estratégica, especialmente considerando que você carrega sua barra de vida para o próximo adversário, o conhecimento sobre matchups e o fato de que um lutador inicial forte pode potencialmente arrasar um time adversário inteiro.
Curiosamente, a SNK experimentaria mais tarde a troca de personagens no meio da luta em KIZUNA ENCOUNTER: Super Tag Battle em 1996, introduzindo uma mecânica de tag propriamente dita. A Capcom rapidamente captou a ideia, importando-a quase imediatamente para X-MEN VS STREET FIGHTER. The King of Fighters em si, no entanto, levou muitos anos para adotaar essa abordagem por anos. A série não abraçaria totalmente a troca de personagens no meio da luta até o KOF 2003 — quase uma década depois que o conceito já havia provado seu valor em outros lugares.
E com tudo dito e feito, KOF '94 parece muito mais um experimento do que um carro-chefe verdadeiro. O jogo é muito duro, sobrecarregado por muitas mecânicas antigas herdadas de Fatal Fury e Art of Fighting. A SNK acabaria aprendendo a soltar as coisas — introduzindo movimentos mais fluidos, combos mais naturais, e uma sensação mais forte de ritmo e impacto — mas essa evolução viria só nos anos seguintes.
Nesse ponto aqui, o combate ainda reflete algumas práticas meio durangas de suas séries originais. ART OF FIGHTING 2 e FATAL FURY 2 não são exatamente meus jogos favoritos da SNK, e The King of Fighters '94 é muito construído sobre suas bases — não apenas em seu conceito inicial de beat 'em up, mas também nas mecânicas de luta que ele acabou importando. O resultado é um jogo que parece conservador, rígido e, às vezes, estranhamente hesitante, como se a SNK não estivesse tentando criar uma coisa nova ao invés de só juntar o que já existia — algo que foi o que exatamente a Sega fez em FIGHTERS MEGAMIX e ficou bem chumbrega.
O sistema de times fixos é outra grande decepção. A SNK já tinha um catálogo de personagens incrivelmente rico e colorido, mas KOF '94 restringe você a times nacionais pré-definidos, limitando a experimentação e a customização do jogador. Felizmente, este foi um dos primeiros problemas que a SNK resolveu nas edições seguintes, onde a composição de times se tornou muito mais flexível e interessante.
Então sim, KOF '94 é inegavelmente uma ideia promissora, e está claro que a SNK percebeu imediatamente que tinha algo valioso nas mãos — algo potencialmente especial que poderia crescer e se tornar uma franquia definidora. Mas esta entrada específica funciona melhor como uma curiosidade histórica do que como uma fonte de entretenimento. Tem valor para entender de onde veio The King of Fighters, mas se você está procurando a série no seu melhor, isso é mais uma experiência de "ver como tudo começou" do que algo ao qual você voltará por diversão.



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