domingo, 7 de dezembro de 2025

[#1614][Set/2000] SABAN'S POWER RANGERS: Lightspeed Rescue


Como você já deve ou não ter percebido a esse ponto, eu sou muito o que os cientistas chamam, usando um jargão estritamente técnico, de um weeaboo. E sempre fui — muito antes mesmo de descobrir que existia uma palavra especifica para "desenhos animados japoneses". Meus programas de TV favoritos quando criança eram os tokusatsu na falecida TV Manchete, especialmente Kyojuu Tokusou Juspion — ou "O Fantástico Jaspion", para os íntimos. E até hoje, mantenho que as lutas do Daileon estão entre as melhores batalhas de tokusatsu já coreografadas. Quer dizer, com que frequência você testemunha uma nave espacial se transformar num robô gigante só para dar um suplex em um kaiju, como se estivesse fazendo teste para o WrestleMania? Lembre disso para (o verdadeiro) Pacific Rim 2, Del Toro. De nada.

E claro que ajuda muito o Akira Kushida esmerilhando

Mas divago. Esse momento de nostalgia é relevante porque eu também cresci assistindo uma tonelada métrica de Super Sentai — sendo Choushinsei Flashman, o famoso "Comando Estelar" sendo meu favorito pessoal. E sinceramente, dá pra me culpar? Eles tinham armas únicas, trajes chamativos e, mais importante, um robô que usa a carreta de um caminhão-baú como armadura. Um caminhão. Como armadura. Isso aí é o ápice do encantamento infantil.

Eu sempre racho como o monstro olha pro tamanho da munalha do robozão e fica "Senhor, calma senhor, a gente pode conversar, também não precisa ser assim na violencia também, né..."

Então, quando eu assisti Power Rangers pela primeira vez em 1994, não foi exatamente uma experiencia chocante. Minha reação foi basicamente: "Ah, tá. É daqueles programas japoneses... mas trocaram o elenco não transformado por americanos porque os americanos são inseguros desse jeito". Na época eu usei uma expressão menos polida, temo dizer. Mas o ponto é que não ajudou em nada o fato de eu estar mergulhado — e quero dizer, numa profundidade nível Fossa das Marianas — na minha fase otaku hardcore, onde qualquer coisa que não fosse japonesa ia automaticamente para a lata de lixo do meu gosto refinado de dez anos.

Claro, eu nem era um pré-adolescente naquela época. Hoje, como um adulto plenamente funcional, amadureci imensamente. Agora eu acho que tudo é lixo, inclusive as coisas japonesas. É brincadeira. Sério. Não sou esse tipo de cara. Sinceramente, eu realmente tento ser positivo. Tento gostar das coisas, porque quanto mais coisas você gosta, mais coisas você tem que podem te fazer feliz. Certo? Então eu abordo tudo com a mente mais aberta possível —

— e mesmo assim, mesmo com uma mente mais aberta que a de um candidato à próxima reencarnação de Buda, ainda não consigo me forçar a gostar de Power Rangers.

Mas suponho que o dever chama, e ainda tenho que falar sobre isso. Então vamos ser rápidos.
Na verdade, não — 
Vamos fazer isso... na velocidade da luz.
Pegou o que eu fiz? Hein?
Hein?

Agora, tenho que confessar: embora seja um admirador vitalício de qualquer coisa brega, boba ou gloriosamente constrangedora, meu amor por tokusatsu vai mais fundo do que só "prazer culpado". É praticamente meu tipo sanguíneo a essa altura. Dito isso... Super Sentai sempre foi meu sabor menos favorito no buffet do tokusatsu.

Kamen Rider? Delicioso.
Ultraman? Um gosto adquirido.
Filmes de Kaiju? Perfeição vintage envelhecida num barril cheio de suor de roupa de borracha.

Mas Super Sentai é onde eu suspiro, dou de ombros e murmuro um educado "tá bom, eu acho". E eu entendo — entendo mesmo. A missão principal do Super Sentai é vender brinquedos para crianças (para ser justo, é como todo tokusatsu se paga ). A diferença é que Super Sentai mira numa faixa etária muito mais baixa. Enquanto Kamen Rider e Ultraman frequentemente miram no público em idade escolar e pré-adolescente — e Ultraman ocasionalmente te surpreende o quão dramático pode ser um cara de latex lutando com monstros de borracha — Super Sentai não tenta nada disso. Seu público-alvo são "crianças que ainda acham que comer cola é uma experiência textual interessante".

E tudo bem! Não foi feito para mim, sem problema. E apesar disso, ainda acho coisas nele que eu genuinamente gosto. Por exemplo, eu genuinamente amo Samurai Sentai Shinkenger, e eu serei um cadáver frio e duro antes de parar de rir das tolices e da autoconsciência da tosquice de Gekisou Sentai Carranger. Então, mesmo não sendo meu favorito, ainda é uma franquia que pode funcionar comigo eventualmente.

Ah, Carrengers, o puro suco da tolice. Como não amar?

Então... por que Power Rangers não funciona para mim?

Minha teoria pessoal é que Power Rangers é criado exatamente pela mesma razão fundamental do Super Sentai — vender brinquedos para crianças. A diferença é que japoneses e americanos tem uma visão radicalmente diferente do que "adequado para crianças" realmente significa.

Enquanto os programas infantis japoneses vão casualmente incluir angústia existencial, dano psicológico leve, um monólogo filosófico sobre a natureza da coragem e um monstro que parece um liquidificador possuído por um demônio, a versão americana tende a ir assim: "Ok, mas e se ao invés disso... todo mundo sorrisse mais e também aprendesse uma lição sobre trabalho em equipe?"

GoGo Sentai Boukenger, de 2006, também é o puro suco do CINEMA ABSOLUTO

Me permita dar um exemplo: Digimon Adventure.

Sim, Digimon é inegavelmente um anime voltado para crianças, mas dificilmente é uma tigela grande de sopa de hospital. Claro, as crianças vão em aventuras alegres com parceiros monstros, mas o programa não as trata como batatas semi-sencientes. Digimons morrem — e não de um jeito fofo. O Wizardmon não foi para uma fazenda no interior, ele morreu de uma forma tão dramática que traumatizou uma geração inteira.

A cara do Myotismon de "vai tocar Wada Kouji, tomei na tarraqueta"

A série também aborda temas que realmente importam para as crianças. O TK e o Matt lidando com o divórcio dos pais? Isso é real. Arcos de desenvolvimento de personagem — talvez não os mais profundos já escritos, mas certamente mais sofisticados do que "Eu aprendi trabalho em equipe, eba!" E sejamos brutalmente honestos: alguns designs de Digimon absolutamente não passariam por uma classificação PG ocidental sem alguém desmaiar. LadyDevimon? Angewomon? Metade do mundo digital está a dois pontos de ser rotulada como "conteúdo sugestivo".

Digimon é algo que as crianças japonesas assistiam antes da escola, e ainda assim os escritores claramente não assumiam que o público era feito de bolhas acéfalas pré-escolares. A mídia japonesa tende a operar na filosofia de que as crianças podem lidar com riscos, temas, perdas e um pouco de peso emocional sem quebrar imediatamente como se estivessem rodando Windows Vista. A televisão americana, por outro lado, frequentemente interpreta "para crianças" como "para bebês que acham que o alfabeto é um quebra-cabeça avançado". Quanto mais próximo um programa chega de Backyardigans ou "Thomas e Seus Amigos", mais confortáveis os executivos da rede ficam — porque Deus nos livre que uma criança de dez anos encontre algo com tensão dramática.

Claro, houveram tentativas bem-sucedidas de contar histórias genuínas naquela época — Batman: The Animated Series, ReBoot, talvez algumas outras que você pode contar nos dedos de alguém que deve dinheiro à yakuza. Arcos narrativos, temas desenvolvidos (não apenas um PSA colado no final), cenas de ação com peso emocional... E embora isso não seja raro hoje em dia, naqueles dias aqueles eram unicórnios. Fantásticos. Raros. Possivelmente ilegais. 

E Power Rangers reflete perfeitamente toda essa zeitgeist americano.
Você sabe que não haverá temas recorrentes.
Você sabe que nada muito sério estará em jogo.
Você sabe que todo episódio vai terminar com uma risadinha em grupo no estilo Scooby-Doo porque — É. PARA. CRIANÇAS.
Mas não "crianças" no sentido que Digimon usa o termo.
Crianças como vistas através da lente da TV americana: querubins frágeis e risonhos incapazes de processar qualquer coisa mais intensa do que "seja legal com seus amigos".

E aí, bem aí, está o cerne do motivo pelo qual Power Rangers nunca me pegou.

Agora, não estou dizendo que não há temporadas ótimas de Power Rangers e que tudo na franquia é um picolé de chuchu. Eu não assisti cada uma — porque valorizo meus três neurônios restantes — mas sei que há algumas entradas genuinamente boas por aí. O problema é... Lightspeed Rescue não é uma delas.


Na verdade eu até pesquisei um pouco e descobri algo quase impressionante em sua mediocridade: Lightspeed Rescue não se destaca nem pelos padrões de Power Rangers. A maioria dos rankings dos fãs o coloca bem no meio — não bom o suficiente para ser memorável, não ruim o suficiente para entrar no hall da fama do "tão ruim que não tem como esquecer". LSR existe. É puro bege. E honestamente, concordo com esse consenso, porque se há algo mais insosso e seguro que Lightspeed Rescue, a baunilha vai ter que atualizar seu currículo e fazer um perfil no Linkedin.

Nossa história aqui se passa na cidade fictícia de Mariner Bay, uma metrópole construída diretamente em cima de um castelo cheio de demônios antigos presos. Sabe, um terreno prime. "O terreno é tão barato aqui, querida! Por quê? Ah, nada — só um portal infernal lovecraftiano selado sob a fundação." Inevitavelmente, esses demônios são acidentalmente despertados e ressurgem, planejando restaurar o castelo da Rainha Bansheera à superfície e, presumivelmente, contestar seus impostos atrasados.


COMO ASSIM  "MONSTROS NÃO EXISTEM", MINHA SENHORA?!? TODO SANTO DIA SEM FALTA DO OUTRO LADO DA RUA UM ROBO GIGANTE DE 50 METROS DE ALTURA ESTÁ LUTANDO CONTRA UM KAIJU DEMONIO E DESTRUINDO METADE DOS PRÉDIOS DA CIDADE!!! A POPULAÇÃO É EVACUADA DIA SIM, DIA NÃO POR CAUSA DA AMEAÇA DE MONSTROS!! COMO A SENHORA NÃO NOTOU UM NEGÓCIO DESSES, MINHA SENHORA?!

Para combater esse problema sobrenatural, uma organização governamental chamada Operação Lightspeed — liderada pelo estoico Capitão William Mitchell — decide que a melhor defesa da cidade não é o exército, nem forças especializadas, nem... sei lá... chamar alguém competente. Em vez disso, eles recrutam quatro civis aleatórios com hobbies específicos para operar equipamentos militares de bilhões de dólares:

  • Carter Grayson, um bombeiro, se torna o Ranger Vermelho.
  • Chad Lee, um salva-vidas e treinador de animais marinhos (porque golfinhos são basicamente instrutores de combate), se torna o Ranger Azul.
  • Joel Rawlings, um piloto de acrobacias, se torna o Ranger Verde.
  • Kelsey Winslow, uma entusiasta de esportes radicais que parece alérgica a mangas e segurança básica, se torna a Ranger Amarela.

Então o Capitão Mitchell completa o time com sua filha Dana, uma agente da Lightspeed que se torna a Ranger Rosa porque nepotismo é um dos princípios fundadores da civilização ocidental. Se seu pai comanda a operação, você ganha o traje maneiro. É assim que funciona.

Armados com um arsenal massivo projetado pela residente gênia da tecnologia, Srta. Angela Fairweather (sobrenome cuja dublagem apanha horrores pra falar), e sua equipe de cientistas — que aparentemente têm aprovação governamental para transformar o orçamento nacional em comerciais de brinquedos —, os Rangers defendem Mariner Bay dos servos demônios da Rainha Bansheera.

É competente. É funcional. Existe.
E esse é meio que o problema todo.

Logo de cara, vou que meu maior problema com a série está com seu elenco principal. Não porque sejam horríveis — se fossem horríveis, pelo menos seria divertido — mas por causa de como são totalmente desinteressantes. É tipo Malhação, mas não aquelas duas temporadas que você lembra, é Malhação AQUELAS OUTRAS temporadas. Aqui, como um time eles fazem tudo que um grupo de Super Sentai é obrigado por contrato a fazer: acreditar uns nos outros, mostrar camaradagem, proteger inocentes, lutar limpo, posar dramaticamente diante de explosões... você sabe, o normal.


Achou que eu tava exagerando?

Individualmente, porém, sua caracterização deixa muito a desejar. A distribuição de holofotes é desigual na melhor das hipóteses, com Carter monopolizando mais episódios que qualquer um. E olha, eu não gosto do Carter. Mas também não desgosto dele — simplesmente eu não consigo ter sentimentos o suficiente por ele nem pra isso. Mas o programa tenta tanto vendê-lo como o "Bombeiro/Herói Típico Americano" que se torna involuntariamente engraçado. Eu praticamente conseguia ouvir a águia-careca gritando toda vez que ele fazia um discurso motivacional, because AMERICA FUCK YEAH!

Em seguida na hierarquia está Joel, cujo desenvolvimento de personagem pode ser resumido em uma frase: ele quer carimbar a paçoquinha da Srta. Fairweather. É isso. Esse é todo o personagem dele. Sua contribuição inteira para o enredo é flertar mal, ser rejeitado, flertar mal de novo, ser rejeitado de novo e repetir o ciclo até os roteiristas se cansarem. Era pra ser cômico, mas varia entre cringe e... não, fica só no cringe mesmo.

Depois tem a Kelsey, a personificação humana dos Esportes Radicais dos Anos 90™. Ela é efervescente, destemida e irradia energia de "Eu bebo doze latas de Monster no café da manhã!". Às vezes, ela parece estar fazendo teste para substituir o Tony, o Tigre, como mascote de cereal. Mas ei — pelo menos ela uma personalidade consistente, o que é mais do que posso dizer pelos dois restantes.


Dana e Chad passam a maior parte da série sendo figurantes, ocasionalmente lembrados apenas o tempo suficiente para ganhar episódios de destaque que não fazem absolutamente nenhum sentido. Dana virando uma "patricinha loira má" por um episódio? Claro, por que não. Chad se apaixonando por uma sereia? Sim, eu não estou inventando isso. Esses arcos parecem menos desenvolvimento de personagem e mais os roteiristas jogando dardos num quadro rotulado "conceitos de enredo aleatórios". Tudo isso resulta num time funcional como unidade, esquecível como indivíduos.

Agora, a coisa pela qual Lightspeed Rescue é mais famoso é que ele introduziu o primeiro Ranger exclusivamente americano: Ryan, o Ranger Titânio. A identidade de Ryan é revelada como sendo o filho desaparecido e dado como morto do Capitão Mitchell. E porque isso é Power Rangers, onde o melodrama barato é a lei, Ryan não estava apenas desaparecido — ele foi criado por um demônio. Especificamente Diabolico, um dos principais monstros-capangas da Rainha Bansheera, que basicamente sequestra o Ryan de 5 anos de idade e passa os vinte anos seguintes criando-o para ser Mau Com M Maiúsculo.

Então Ryan aparece, completamente crescido, completamente pistola e completamente comprometido em atacar os Rangers e a Operação Lightspeed porque acredita que seu pai o abandonou. Mas aí — reviravolta! — ele descobre a verdade: o Capitão Mitchell não o abandonou; ele fez um acordo com um demônio para salvar a vida de Ryan (porque sempre tem um dando sopa por perto quando se precisa). Com essa revelação, Ryan troca de lado, junta-se aos Rangers... e depois sai cerca de três episódios depois. 


E isso nem é eu exagerando para efeito cômico. Ele genuinamente se junta ao time, contribui algumas vezes e depois diz: "Bem, meu trabalho aqui está feito", e vai full Tuxedo Mask em direção ao horizonte por MOTIVOS. No universo do seriado, a explicação é algo como "Devo viajar pelo mundo para deter o mal" ou qualquer bobagem vaga que inventaram. Que se dane que os Rangers poderiam absolutamente usar a ajuda enquanto demônios estão destruindo a cidade diariamente.

A explicação do mundo real, no entanto, é bem mais simples: como o Ranger Titânio é uma criação totalmente americana, não há filmagem japonesa dele. E todo o modelo de negócios do Power Rangers é construído cortando custos usando o máximo de filmagem de Super Sentai possível — especialmente para as cenas de ação caras. Incluir Ryan regularmente significaria filmar sequências de dublês totalmente novas, o que custa dinheiro. Dinheiro que a Saban não estava com vontade de gastar. Então Ryan foi ejetado para fora do programa mais rápido do que você pode dizer "restrições orçamentárias", só para reaparecer no final de dois episódios.

E honestamente? É uma pena, porque Ryan é quase a coisa mais próxima que a série tem de um arco de personagem real. Ele é amaldiçoado com uma tatuagem de cobra sobrenatural que rasteja pelo corpo dele toda vez que ele se transforma, lentamente matando-o. Isso poderia ter sido legal — assustador, dramático, até tematicamente interessante. Mas os roteiristas apressam sua introdução, apressam sua traição, apressam sua redenção e então o chutam para fora da tela antes que qualquer coisa significativa possa acontecer. O resultado é um personagem com potencial que cai mais achatado que uma panqueca atingida por um Zord. Aliás — e me desculpe, mas tem que ser dito — Rhett Fisher tem um rosto naturalmente convencido e socável. Perfeito para interpretar um bully fratbro, menos ideal para alguém que devemos torcer.


Mas ok — não vamos ser totalmente negativos aqui. Estou chamando essa série de "medíocre" há um tempo (o que significa mediana, seu inculto iletrado), e só fiz esculhambar com ela como se tivesse roubado meu dinheiro do lanche. Certamente deve haver algo bom para equilibrar o bege de Lightspeed Rescue, certo?

Bem — surpresa! Na verdade, tem.

Para começar, eu genuinamente gosto da Srta. Fairweather.
Em seu tempo limitado de tela, ela consegue ser uma das pouquíssimas personagens com pulso real. Ela está perpetuamente sobrecarregada de responsabilidades — essa mulher basicamente projeta Zords, inventa armas, resolve problemas de engenharia e comanda uma divisão tecnológica inteira sozinha. Ela é basicamente a Princesa Jujuba de Mariner Bay, exceto com menos chiclete e mais violações da CIPA. E essa comparação é um elogio.

E é refrescante que o programa contrate uma atriz deslumbrantemente linda, para interpretar uma cientista sem parecer ridículo — sem besteiras de "ela é gata mas também é gênia!" mal feitas. Funciona de verdade. Ela não dá a impressão de ter que seguir as palavras com o dedo quando lê. Não é mesmo, Dra. Christmas Jones de 007: The World Is Not Enough? Porque puta merda, aquela personagem deu vergonha alheia...


As cenas de ação americanas também não são nada desprezíveis, eles realmente colocaram um esforço genuíno aqui e se mais nada, ao menos isso já o faz ao menos assistível

Outra coisa que gostei é o time de vilões.
À primeira vista, eles parecem o desfile usual de esquisitices em traje de borracha plus Vypra (porque claro, a única vilã feminina tem que usar calças de latex e top de biquíni — integridade artística, entenda). Mas então, num raro momento de ambição do roteiro, o programa revela que esses vilões não são, na verdade, uma família do mal unida.

Eles se odeiam.

Eles discutem, sabotam uns aos outros, traem seus colegas de trabalho no meio do expediente. E mais importante, eles tem alguma ciência que ressucitar uma rainha maligna do mal que odeia tudo que não seja a malignidade não coincide sempre com o melhor interesse das sua expectativa de vida. Num programa onde também temos episódios sobre gênios de 8 anos calculando a trajetória de meteoros e o drama de episódio é que ninguém quer levar a física newtoniana de uma criança a sério, esse tipo de drama interpessoal vilanesco é basicamente Shakespeare. 


A maior parte disso, claro, veio direto do original Kyuukyuu Sentai GoGoFive, onde a intriga vilanesca se tornou moda após o grande sucesso de Chojin Sentai Jetman. Mas ei, crédito a quem é devido — Lightspeed Rescue não estragou isso.

Mas se eu tivesse que escolher a única coisa — A ÚNICA coisa — que Lightspeed Rescue acerta absolutamente?
É a música tema.
Ponto final. Fim da conversa. Rolem os créditos.

Isso é realmente uma surpresa? Haim Saban e Shuki Levy podem não ter o maior respeito pela inteligência das crianças (ou, honestamente, pela inteligência de ninguém), mas caramba se eles não entendem o poder de uma vinheta foda. Esses dois carregaram toda a produção de entretenimento dos anos 80 e início dos 90 nas costas: compuseram os temas de Inspetor Bugiganga, MASK, He-Man, Pole Position, X-Men: The Animated Series — a lista continua.


E o tema de Lightspeed Rescue? Hino absoluto. Banger certificado. O tipo de tema que engana seu cérebro para pensar que o programa é muito mais legal do que realmente é. Quando a guitarra entra, você juraria que está prestes a assistir algo incrível.

Spoiler: você não está. Mas o tema te engana.


Mas o que absolutamente não te engana é o próprio jogo licenciado. No momento em que você liga esse monólito negro e profano, você é recebido — logo após um anúncio nada sutil dizendo “ASSISTA AO (falecido) CANAL FOX KIDS” — pelo que só posso descrever como o desenho mais barato do MS Paint já concebido, deslizando pela tela através de uma animação em Adobe Flash ainda mais barata. Eu juro por tudo que é poligonal, o jogo começa com a mesma combinação Paint + Flash que você esperaria de um site de fãs dos anos 2000 feito por um cara sozinho no quarto dele… exceto que isso é da THQ.

THQ! As pessoas que, na época, detinham os direitos de videogame de géiseres de dinheiro gigantes como a WWE e metade do universo Star Wars. E isso era o melhor que eles podiam pagar? O tipo de introdução que grita: "Ei crianças, espero que gostem de sites que tocam arquivos MIDI automaticamente, porque esse é basicamente o nosso valor de produção"?


E então você descobre quem desenvolveu: Mass Media. Uma empresa cuja experiência anterior incluía "jogos" de CD-i — aspas muito intencionais — e… THE GAME OF LIFE. Currículo incrível. Realmente inspirador. Porque nada diz "Vamos acertar nessa adaptação de Power Rangers" como contratar os desenvolvedores de Voyeur e Girl's Club para o Philips CD-i. O que poderia dar errado? E olha, eu sei que Lightspeed Rescue não é exatamente uma produção do Paul Thomas Anderson, mas caramba, nem mesmo o Ranger Titânio merecia esse nível de desrespeito.

Mas ok, vamos começar o jogo. A história—
Espera. Não. Pera aí. Tem alguma coisa errada aqui.

O jogo tenta contar sua história em um formato de história em quadrinhos, o que é bom em teoria. Vários jogos fazem isso. O que não é bom é que esse "quadrinho" parece mais barato do que algo do Mega Drive e eu não estou exagerando. Eu joguei Comix Zone. Eu joguei os jogos de MIGHTY MORPHIN POWER RANGERS do Mega Drive. Eu vi com estes olhos que a entropia há de comer o que um console montado em 1989 podia fazer — e aqueles jogos parecem afrescos da Renascença comparados a esta apresentação de slides aqui.


O Capitão Mitchell parece o One Punch Man com bigode, mas não a versão bonitaça ilustrada pelo Yusuke Murata. Não, não. Ele parece ter saído direto do webcomic original do ONE — desenhado com um trackpad durante uma viagem de metrô. E quem, na cadeia de comando da THQ, apontou para essa abominação e disse: "Isso, pode lançar. As crianças não vão perceber"?

Então uma versão rejeitada da Image Comics da Srta. Fairweather (sabe, aquelas que o Rob Liefeld rejeitaria por ter pouco peitoral de bro) aparece para dizer que você vai executar uma simulação. Porque é claro. Claro que eles tinham que polvilhar um pouco de PTSD do SUPERMAN: The New Superman Adventures nessa experiência já amaldiçoada. E eu nem comecei a jogar a droga do jogo ainda.

Mas ok, o jogo finalmente começa e — ai, meu Deus do céu. Em nome da barba do Zordon, que ato profano de devassidão digital é esse? Isso é um jogo de Nintendo 64 de 2000! Lançado apenas um mês antes de BANJO-TOOIE — um jogo tão grande que cada fase tem mais de um CEP — e um ano inteiro depois de INDIANA JONES AND THE INFERNAL MACHINE, que praticamente contrabandeou fases inteiras de Tomb Raider para dentro de um cartucho.

E isso?
Esse mendigo poligonal miserável, vagando sozinho em uma cidade fantasma estéril, é o melhor que eles puderam fazer?
Olha pra isso.
OLHA. PRA. ISSO.

Isso não é um jogo de Nintendo 64 finalizado em nenhuma linha do tempo onde Deus nos ama. BATMAN BEYOND: The Return of the Joker — e sim, estou me referindo AQUELE Batman Beyond — parece um jogo feito com amor pelo próprio Miyamoto comparado a este aterro sanitário digital.

Mas tudo bem. Que seja. Sua primeira tarefa é caminhar até essas… essas… poças de gosma e atirar o projetil mais barato já concebido na história dos videogames. Um "pew" tão patético que até o Atari 2600 teria mandado de volta para revisão.

Mas ei, calma.
Certo que isso é só o tutorial e o jogo de verdade não vai ser só isso, né?
…NÉ?
Por que eu continuo fazendo isso comigo mesmo...

Enfim, você suporta essa tarefa ridícula com efeitos sonoros que parecem ter sido rejeitados pela Warner Bros. nos anos 1930. Eu sei que Power Rangers é para crianças, mas porra, até os Backyardigans achariam que tá infantil demais esses sons de "sploosh!". Cada soco, cada passo, cada explosão soa como se tivesse sido roubado do cofre "Looney Tunes: Sons Que Nunca Usamos Porque Eram Muito Vergonhosos".

Você termina sua missãozinha insignificante e—
Mas. Que. Inferno.


Sua mensagem de "MISSÃO COMPLETA" é acompanhada pelo "yay!" mais deprimido já gravado pela tecnologia humana. Eu não estou brincando. Este "yay" desistiu. Este "yay" viu coisas. Este "yay" entregou o imposto de renda atrasado.

Nós, enquanto espécie, rastejamos para fora do oceano, nos escondemos dos dinossauros, inventamos a agricultura, criamos sistemas de escrita, construímos cidades, travamos guerras, fissionamos o átomo, pousamos na lua… todo esse progresso humano… toda essa luta… cada triunfo e sacrifício de nossos ancestrais… só para culminar nisto:


O "yay" mais triste e derrotado na história do som.
Se a Mass Media tivesse tentado sabotar o jogo intencionalmente, eles não conseguiriam ter criado algo tão esmagadoramente deprimente de propósito.

Ok, depois de mais algumas "cutscenes" — e estou usando aspas colossais, causadoras de terremotos aqui — porque essas animações fazem TOTALLY RAD do Nintendinho parecer um filme do Studio Ghibli — você é jogado na segunda missão e…

Você deve tá brincando.
Você tem que tá brincando.
Você PRECISA tá brincando.


Olha isso.
OLHA PRA ESSA COISA.
OLHA PRA ESSA CENA DE CRIME.
Eu nem tenho mais adjetivos. Inglês, português, esperanto — nenhum deles contém uma palavra suficientemente imunda para descrever esta tragédia visual.

A assim chamada "fase de carro" é basicamente alguém fora da tela segurando dois carrinhos Hot Wheels e deslizando-os no chão na velocidade mais lenta conhecida pela humanidade. Não estou exagerando — isso é mais lento que RACE DRIVIN' no SNES, e aquele jogo se movia como se estivesse rodando numa calculadora solar num dia nublado.

Isso é Lightspeed Rescue?
Lightspeed??
Cara, isso é "Resgate do Transporte Público Atrasado por Obras Municipais".

Alias pq os carros saem voando desse jeito quando vc toca neles a 25 km/h? Quié isso, o transito em Neymar City?

Eu entendo, talvez os programadores pensaram que veículos de resgate devem obedecer às leis de trânsito. Mas pelo amor de tudo que é morfante, equipes de resgate podem quebrar os limites de velocidade, sabia? Esse é meio que o ponto delas para atender EMERGENCIAS. Eu sei que esse é um jogo desenvolvido nos EUA, então talvez os devs tenham entrado em pânico ao lembrar de uma ambulância porque presumiram que a conta do hospital instantaneamente os levaria à falência, mas MESMO ASSIM — velocidade é o requisito mínimo para uma equipe de resgate.

Esta é a pior operação de resgate já conduzida.
Lightspeed, o cacete.

E então, só para adicionar insulto a esta desculpa já humilhante de "fase de dirigir", o jogo espera que você atire em inimigos ou pegue civis — e por "pegar", quero dizer atropelá-los — em mecânicas que parecem tiradas direto daqueles CDs "Faça Seus Próprios Jogos!" que revistas baratas costumavam dar de brinde no início dos anos 2000.


Eu juro, isso é material da primeira semana de aula de programação.
Tipo: "Parabéns! Hoje você vai aprender como mover um objeto pela tela. Amanhã aprenderemos como fazê-lo não atravessar o chão." E de alguma forma — de alguma forma — este é o jogo finalizado. O gold master. O produto final. Aquele que eles imprimiram. Aquele que custou sessenta dólares americanos — na época em que sessenta dólares compravam uma casa e um suprimento vitalício de Trakinas.

Inacreditável.

Bem, depois de ouvir EXATAMENTE O MESMO CARA dizer "alguém me ajude", "aqui estou eu" e "hooorraaay" para cada um dos quinze civis que você deveria "resgatar" — e depois de genuinamente temer que o dublador pudesse estar sofrendo do caso mais catastrófico de depressão já registrado, ao ponto de eu temer que ele possa ser um risco para sua própria vida se deixado sozinho — a fase finalmente termina.

E então chegamos à fase do Megazord e…

…espera.
Espera.
ESPERA.

Isso deve ser uma piada.
Não, sério.
Eles fizeram isso de propósito. Tem que ter feito. Não tem outra possibilidade.

Porque ISSO — esse preguiçoso, esse "por favor me demita", esse "eu odeio minha vida", esse grito de ajuda disfarçado de animação — deveria ser a cutscene de montagem do Zord Lightspeed?

Não.
Nãão.
Não é possível.
Tipo, literalmente não é possível. Em um sentido físico, quântico, das leis do universo, não pode existir uma linha do tempo matematicamente viável na qual essa… coisa… seja real.

Ok, você pode achar que estou exagerando.
Então me deixe lembrar como é a montagem do Lightspeed Zord no seriado:

Agora aqui está a montagem do Megazord no jogo de Power Rangers do Mega Drive — um console  que, novamente, foi construído em 1989, quando "gráficos de 16 bits" eram considerados bruxaria:

E isso…
Esse abatimento fiscal digital…
Essa equivalência animada de uma carta de demissão escrita em giz de cera…
Esse é o melhor esforço que eles conseguiram para o Nintendo 64, durante O ANO DE NOSSO SENHOR DE 2000:

Deus, se você está ouvindo…
Por favor.
Por favor, volte o tempo e deixe o bug do milênio nos eliminar.
Nos prometeram aniquilação! Nós nos preparamos para isso!
Por que nos poupar só para testemunharmos isso?

E a pior parte?
Ah, claro que você não sabe a pior parte.
Sente-se para ouvir isso.
A LUTA NEM COMEÇOU AINDA.

Essa abominação é só a introdução.
O aperitivo.
O pãozinho gratuito da mesa.
Eu honestamente não sei se consigo chegar ao fim deste jogo, Jorge…
Estou com medo.
Segura minha mão.

Ok, antes de continuarmos — antes de deixar minha pressão arterial atingir níveis de poder de Dragon Ball Z — eu preciso explicar o que eles tentaram (e "tentaram" é eu sendo extraordinariamente caridoso, tipo níveis Madre Teresa de caridade) realizar aqui. Estou assumindo que houve uma tentativa. Eu sou um biscoito positivo. Eu acredito no bem da humanidade, mesmo quando a humanidade me dá… isso.

E antes que alguém venha defender os desenvolvedores com o clássico, "Bem, o Nintendo 64 não conseguia lidar com uma batalha mecha 3D satisfatória!" — permita-me adereçar este argumento. Vamos falar sobre MYSTICAL NINJA STARRING GOEMON. Um jogo lançado três anos inteiros antes, no mesmo hardware, com as mesmas limitações. E o que aquele jogo fez?

Uma sequência de montagem mecha completa e dramática. Uma música-tema cantada por ninguém menos que Ichirō fodendo Mizuki, o rei dos hinos tokusatsu e um homem cuja voz pode fazer crianças morfarem espontaneamente.  E após isso o jogo te entrega uma batalha mecha em primeira pessoa genuinamente divertida, onde você controla um robô gigante como se estivesse na cabine de controle direto da era Showa. O Nintendo 64 pode fazer tudo isso. Ele fez tudo isso. Ele fez magia. Ele fez cultura. Ele fez história.

E agora que estabelecemos o fato de que o N64 é capaz de glória mecha completa…

ISSO 
é o que Lightspeed Rescue nos dá:

Isso.
Bem aqui.
É a resposta final deles. Sua magnum opus. Sua Capela Sistina dos jogos de mecha.
Esse é o melhor que eles conseguiram inventar.
Eu acho que nunca mais vou conseguir ser feliz novamente.

Há mais um tipo de fase, e eu quero cobri-la enquanto ainda sou capaz de formar frases coerentes. Então: tem essa fase onde você pilota uma nave de resgate e tem que salvar civis (ou caixas, nas fases posteriores, por RAZÕES). O que posso dizer sobre isso? Bem… você voa. Você vai até os objetivos marcados no seu radar. E é isso.

Sério — isso é tudo. Pelo menos não está quebrado no sentido "Superman 64 voando através de anéis", mas esse é literalmente o maior elogio que posso fazer a este jogo. É como aplaudir miojo instantâneo por não sair da panela e te estrangular durante o sono. Sim, eu agradeço por não ser assassinado pelo meu jantar, mas não acho que isso se qualifique como algo que deva ser digno de elogios. Enfim, esse pedaço inútil de detrito digital é o mais próximo que o jogo chega de se parecer com um videogame funcional — e isso por si só deveria preocupar a ONU.

Agora que expliquei os quatro cavaleiros — perdão, os quatro tipos de fase que essa lixeira pegando fogo contém — me permita perguntar: o que você acha que acontece depois?
Claro que você sabe.


Eles vão full BATMAN BEYOND: The Return of the Joker e reciclam as mesmas fases de novo, e de novo, e de novo. Ocasionalmente eles mudam alguma coisa… mas nunca para melhor. Isso exigiria esforço, ou orgulho, ou auto-respeito — coisas a que ninguém na Mass Media tinha acesso durante o desenvolvimento do jogo.

As "fases de andar" agora incluem inimigos — inimigos que te seguem mas não conseguem acompanhar sua velocidade de caminhada. Significando que você pode simplesmente… andar para longe do perigo casualmente. Os Battlings, abençoados sejam seus corações de traje de borracha, arrastam-se atrás de você com os braços estendidos tipo, "Por favor, volte, eu vou ser demitido se pelo menos não tocar em vc. Eu tenho uma esposa e três badlings pequenos em casa!" É triste, honestamente. 


Mas enquanto eu pelo menos reconheço os Battlings do seriado, quem diabos são os caras verdes que pulam? A Rainha Bansheera começou um programa de intercâmbio e trouxe alguns vampiros chineses saltitantes? E o que há com o enxame de caras vestidos de abelhas perseguindo os Rangers? Tantas perguntas, e tão, mas tão pouca vontade de se importar… especialmente dos desenvolvedores, que claramente pararam de se importar na metade do primeiro render.

As fases de "dirigir" adicionam mais inimigos atirando em você — embora seus tiros tenham a mesma qualidade de "primeira semana na escola de programação para iniciantes" de antes. As fases de mecha, enquanto isso, ganham novos tipos de inimigos… que imediatamente ficam presos no cenário. E eu digo completamente presos.

Olha, eu já fiquei preso em paredes em vários jogos. Portas, caixas, cenário, enfim. Acontece, eu entendo que programação 3D pode ser meio tricky — especialmente no ano 2000 quando não se tinha tanta experiencia assim com isso. Mas um jogo de luta onde o NPC inimigo fica preso em uma arena vazia? Como. Como você quebra algo que literalmente não tem nada dentro? COMO VOCÊ FALHA NO VAZIO?!

Pelo amor de Deus, este jogo conseguiu quebrar uma sala vazia.
Nem mesmo CRITICOM conseguiu isso.
E caralho, é a porra da bucha de CRITICOM que eu to falando!
Eu juro, toda vez que penso que este jogo atingiu o fundo do poço, ele puxa uma pá e diz: "Não, mano, estamos indo ainda mais fundo!"

Agora, eu quero que você faça algo por mim. Feche os olhos e— 
Espera. Isso é texto. Se você fechar os olhos não vai conseguir ler.
Então… mantenha seus olhos abertos e—
Mas se você fechou os olhos não vai saber que eu te disse para abrir eles…
Bem, tanto faz. Eventualmente você abrirá seus olhos de novo, eu espero. 

Enfim, imagine que você era uma criança durante a era 16-bit. Você se lembra dos beat'm up perfeitamente aceitáveis dos Power Rangers como MIGHTY MORPHIN POWER RANGERS THE MOVIE no SNES e até MIGHTY MORPHIN POWER RANGERS no Mega Drive. Então, naturalmente, quando pulamos para a próxima geração de consoles deu um salto, você assumiu — logicamente — que teria um beat'm up dos Power Rangers seria ainda melhor no Nintendo 64.

Quer dizer, são 64 bits! (Não que qualquer um de nós crianças soubéssemos o que isso significava. A explicação adulta e chata é que "bits" não são uma medida do poder do console. Nós fomos enganados. Tapeados. Enjambrados)

Mas mesmo assim — é o Nintendo 64, um sistema literalmente construído para o cooperativo de quatro jogadores no sofá. Eu estou vendo as quatro entradas de controle bem ali na frente dele, me encarando! Imagine as possibilidades: um beat'm up 3D de Power Rangers onde você e seus amigos podem socar monstros juntos, morfar, talvez até fazer combos de zords incríveis! Como isso poderia dar errado?

Bem.
ISSO.
É assim que seu sonho dá errado.
Essa abominação.
Essa danação.
Essa californicação — e a essa altura eu nem sei mais o que as palavras significam. Porque em um universo onde este jogo existe, não há regras. Não há estrutura. Não há um deus benevolente cuidando de nós. A realidade se torna opcional. A física se arte moderna. O tempo colapsa sobre si mesmo.

Este jogo é tão ruim que não apenas destrói sua infância — ele desestabiliza sua crença no próprio conceito de realidade. A única coisa boa que se pode dizer sobre este erro licenciado é que você pode terminar a coisa toda em pouco mais de uma hora. Mas será uma hora que vai te assombrar. Uma hora que vai grudar na sua alma até o último dos seus dias. Uma hora que vai deixar uma cicatriz psíquica mais profunda que a Fossa das Marianas.

Quando você olhar para trás mais tarde na vida, você não vai se lembrar das fases.
Você não vai se lembrar das missões.
Você nem vai se lembrar da jogabilidade.
Você só vai se lembrar da sensação —
de que algo precioso dentro de você morreu naquele dia.

Agora eu entendo o:

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EDIÇÃO 155 (Setembro de 2000)


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EDIÇÃO 072 (Julho de 2000 - Semana 2)