sábado, 24 de outubro de 2020

[SUPER NINTENDO] SOS (ou Septentrion, no Japão)[#533]


Taí um jogo que marcou muito minha infancia, só que diferente do que você pode imaginar ele marcou justamente por ser um jogo que eu nunca joguei na vida. Quando eu vi na locadora achei o conceito muito interessante: você tem uma hora para sair de um navio afundando, salvando o máximo de pessoas que puder no caminho.

Entretanto enquanto isso de fato soa interessante, a ideia de me afogar com limite de tempo me dava uma ansiedade incrível. Com efeito ele chegou a figurar várias vezes na lista de "jogos para alugar" que eu preparava na sexta feira (com ordem de preferencia, eu sempre tinha preparado pelo menos 4 opções de jogo), mas a verdade é que eu nunca tive coragem de alugar esse jogo quando era criança.

Terei eu errado e perdido uma perola oculta do Super Nintendo, ou isso foi para o melhor? É o que veremos a seguir.

Capa japonesa do jogo

No começo dos anos 70 um novo genero de cinema explodiu em popularidade nos Estados Unidos: o cinema catastrofe. Voce sabe, um desastre muito grande e inanimaginavel ocorreu e agora os sobreviventes enfrentam as forças da natureza ou as consequencias do acidente em uma épica batalha pela vida. O primeiro filme a fazer estrondoso sucesso com isso foi "Aeroporto", que fez tanto sucesso que acabou virando uma série de filmes e é esse o filme que é parodiado em "Apertem os cintos, o piloto sumiu".


Porém enquanto Aeroporto era visto com desdem pelos críticos como explorar tragédia de forma barata, em 1972 surgiu um filme que conquistou igualmente o coração de publico e critica: "O Destino de Poseidon".

Baseado no livro homonino de 1969, que por sua vez é baseado na tragédia do Titanic, "O Destino de Poseidon" é sobre o navio SS Poseidon que tomba devido a uma tempestade no meio do mar e agora os sobreviventes tem que achar uma forma de se salvar do navio capotado.

Esse filme foi indicado ao Oscar daquele ano para melhor atriz coadjuvante, melhor fotografia, melhor canção original (e ganhou), melhores efeitos especiais (e ganhou), melhor trilha sonora, melhor figurino, melhor efeitos sonos, melhor direção de arte e melhor edição, além de ser o maior sucesso de bilheteria daquele ano


"The Morning After", música original do filme que ganhou o Oscar de melhor canção e realmente é bonita pra caralho - e estranhamente adequada a tudo que passamos em 2020

Agora, eu sei, eu sei - de todos os filmes do mundo, bons ou não, "O Destino de Poseidon" é uma escolha muito estranha para um jogo de Super Nintendo em 1994. Obviamente não é porque havia uma grande popularidade com as crianças da época nem nada para emplacar um jogo licenciado. Não, foi porque os criadores realmente tiveram uma visão artística de fazer um jogo baseado nisso.

Que inusitado, seria o mesmo que alguém decidir hoje, mais de vinte anos depois, que Titanic precisa ter um jogo sobre ele. Quer dizer, quem faria uma coisa dessas?


Hã... deixa pra lá, onde eu estava mesmo? Ah sim, SOS para Super Nintendo. 

A priori a ideia do jogo é bastante simples: você está dentro do Lady Crithania, que é uma enorme fase de plataformas, e precisa ir até a sala de máquinas para sair pelo fundo do navio (que está para cima, já que o navio virou). Para isso você tem uma hora, terminado esse tempo o jogo acaba esteja você salvo ou não pq o navio afundou. Sem combate, sem violencia, apenas você contra a gravidade e a agua entrando no navio.

Parece bastante simples, e é mesmo. Com efeito, o recorde de speedrun desse jogo é de aproximadamente 4 minutos, é realmente só o tempo de correr por sua vida. Você PODE terminar o jogo em 4 minutos, mas não quer dizer que você QUEIRA fazer isso e é aqui que as coisas ficam interessantes.



Existem 4 personagens selecionaveis no jogo: 4 personagens disponíveis: o arquiteto Capris Wisher; o advogado Redwin Gardener; o médico Jeffrey Howell e membro da tripulação Luke Haines. Para propositos de gameplay eles são completamente idênticos em velocidade e pulo. Então qual é a diferença entre eles? Seus objetivos.

Isso porque embora você POSSA terminar o jogo correndo como um desesperado por sua vida, isso vai resultar no pior final possível, que é bem deprimente na real. Para ter um final que não faça você querer entrar em um naufrágio real é necessário fazer duas coisas: você tem que resgatar ao menos 7 sobreviventes e além da pessoa especial para cada personagem.

Por exemplo, o arquiteto Capris Whiser está viajando com sua irmã de saúde frágil:


Oh, que bonitinho, não? Bem, então... depois de colocar sua irmã pra dormir (e garantir que ele não iria a lugar nenhum após ela insistir, assustada, que não queria ficar sozinha), Capris sai para dar uma volta, visitar o bar do navio e arejar as ideias:


Enquanto caminha pelo navio, Capris resmunga que está de saco cheio de ficar cuidando da sua irmã doente, e que gostaria que alguma coisa acontecesse pra tirar esse fardo das costas dele para que ele possa viver a sua vida. 


E sabe o que dizem, cuidado com o que deseja, né? Logo depois disso o navio capota e começa a afundar, então Capris tem que aprender do modo dificil o quanto sua irmã é realmente importante para ele.

Dentro das limitações de uma narrativa de Super Nintendo, todos os personagens historinhas interessates assim. O personagem que é membro da tripulação, por exemplo, é um operador de telegrafo que começa o jogo percebendo que a tempestade está tão forte que eles não conseguem sequer receber mensagens direito. Preocupado ele vai até a cabine de comando para alertar o capitão e o dono do navio que a tempestade está mais forte do que eles esperavam e que seria prudente eles alterarem a rota e a velocidade - ao que ele é imediatamente colocado no seu lugar de que funcionário não tem que achar nada, tem que obedecer quem manda.

Quando o navio capota ele acha que o capitão foi um tremendo de um babaca por não ouvir os avisos dele... mas ele pode deixar o capitão pra morrer afogado por ele ser um babaca, né? ... ou será que pode?



Meu ponto aqui é que não é nada que se diga "minha noooossa, isso é praticamente literatura russa de profundidade", mas para um joguinho de Super Nintendo é um nível de narrativa interessante e com finais bem amarradinhos que adereçam os conflitos propostos para cada personagem no prologo. Por exemplo, para terminar adequadamente a história de Capris, você precisará encontrar a irmã dele, bem como várias outras pessoas. Se você conseguir escapar sem ela, a história termina com ele sendo tomado pela culpa, e ele retorna para dentro do navio para passar seus últimos minutos nos braços dela. Naturalmente, é muito menos sombrio se ela chegar à saída e melhor ainda se sair com um numero adequado de sobreviventes.

Mais interessante ainda é que cada personagem tem até cinco finais diferentes, dependendo de quantos sobreviventes você salvou (se é que salvou algum), e se salvou ou não a pessoa especial para o seu personagem. De igual modo os sobreviventes tem linhas de dialogos e pequenas cutscenes interessantes quando abordadas.



Por exemplo, um dos sobreviventes que você encontra é uma garotinha que não quer ir a lugar nenhum porque a mãe dela mandou ela esperar ali, foi buscar alguma coisa e não voltou. Você pode ficar ali conversando com ela e tentando convencer com ela... mas você realmente não tem todo tempo do mundo para isso, tem?

Então, você vai ficar parado tentando convencer uma criança a ir com vc (e nem é garantido que você consiga)? O navio não está deixando de afundar enquanto isso. São pequenos toques interessantes aqui, e acolá, os detalhes realmente fazem a diferença, sabe?

Os controles são simples - você pode pular, escalar e chamar sobreviventes para te seguir. Estranhamente, não tem botão para correr - você pensaria que seu personagem estaria com um pouco de pressa, dada a situação e tal. Não tem combate, mas você ainda pode se machucar. Pisar no fogo vai te nocautear e reduzir cinco minutos do seu tempo, assim como cair de grandes alturas. Mais tarde no jogo, quando o navio começa a inundar, você também pode se afogar, se passar muito tempo na água - o que te também te faz perder cinco minutos da hora de jogo que você tem.


A pegadinha no level design aqui é que o navio está afundando. O navio está de cabeça para baixo e lentamente se inclina e gira em intervalos aparentemente aleatórios. O que significa que a tela gira e se inclina, mudando com quais plataformas são acessíveis ou não dependendo de para que lado a tela girou. 

E é aí que começa os problemas. Leva um pouco de tempo para se ajustar aos controles, que são menos lentos do que o Prince of Persia, mas ainda um pouco desajeitados. Eles geralmente funcionam bem quando o navio está perfeitamente nivelado, mas é substancialmente mais difícil quando a coisa toda gira. No entanto, é nas partes finais que SOS levanta o dedo do meio para você, com uma série de desafios de plataforma extremamente dificeis na sala da caldeira do navio. 

Assim que você chegar ao topo, vapor começa a disparar e, a menos que você saiba exatamente onde estar, ele vai bater em você e você perderá um tempo precioso (5 minutos a cada hit que você leva). E se você jogou o jogo corretamente e resgatou todos que pode, o tempo não é algo que você tenha muito.


Mas o pior problema mesmo é que a maior parte do jogo é uma grande missão de escolta. Para "resgatar" adequadamente um sobrevivente, você não pode simplesmente tropeçar nele e dizer que tudo vai ficar bem. Eles precisam segui-lo até o fim do jogo e como a maioria dos NPCs controlados por IA em videogames, eles não são terrivelmente inteligentes - você às vezes os encontrará tentando dar saltos impossíveis ou enroscando nas portas e paredes. 

O principal problema é a forma que eles se movem: eles não de movem, até que você aperte L ou R e coloque uma setinha no chão. Aí eles vão até a setinha e ficam parados lá até você colocar outra - basicamente você está resgatando civis japoneses de um tokusatsu. Como eles vão de uma setinha até a próxima que você colocou é resolvido pela IA do jogo, e essa é a parte que te leva a loucura.

Não apenas pelo tempo que você perde fazendo escolta, mas assim como seu próprio personagem, os NPCs morrem se eles caírem de muito alto. Na verdade, se o navio se inclinar e você acabar caindo no chão (isso é difícil de evitar completamente), eles provavelmente vão cair também. Exceto que você vai acordar apenas tendo perdido cinco minutos, e eles estão mortos para sempre. Opsie.


De qualquer forma, os desenvolvedores devem ter percebido que suas rotinas de pathfinding não eram muito boas porque se entrar na próxima sala e chamá-los, eles geralmente serão transportados ao seu lado, ignorando onde quer que estivessem presos na sala anterior. (isso não funciona sempre e você pode perder sobreviventes desse jeito). 

Ainda sim a intenção é um toque bem-vindo, mas se você for quebrar a fisica por isso, por que não fazer para outras coisas? Por que não apenas escoltar os passageiros até uma "sala segura" designada para que eles não tenham que andar com você até o fim do jogo?

É isso, esse é o mapa, taí mapeado te vira com isso, flw vlw

A única coisa pior que gerenciar os NPCs são os mapas do jogo, porque eu não entendi porra nenhuma desse mapa e puta merda cara, eu jogo videogame a trinta anos, metroidvania é um dos meus generos favoritos, como caralhos que EU não consegui entender o mapa? É de foder vagar nesse naviozão da porra sem mapa, aí vocês me fodem o meio campo amigo!

E isso é basicamente todo o negócio por trás do SOS - um conceito brilhante estragado pelo jogo que temos em mãos. Nota 10 pelo conceito, nota 10 pelos detalhes, e10 para atmosfera... e nota 3 pela execução. Um bom título que foi por água abaixo... porque eu não terminaria esse texto sem uma piada dessas, né?

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 060


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 004