quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

[SNES/MEGA DRIVE] THE PIRATES OF DARK WATER (Maio de 1994)[#573]


David Kirschner é um homem... criativo. Durante os anos 80 ele fez fama como roteirista daquele que é um dos longas animados não-Disney mais famosos da decada: “Fievel, um conto americano” que conta a história de uma família de imigrantes europeus que vão tentar a sorte na “terra das oportunidades” no começo do século... só que essa família são de ratos antropomorfizados, o que significa...

EU SEI, EU SEI EXATAMENTE O QUE SIGNIFICA, VOCÊ NÃO PRECIS...

Tanya Mousekweitz, para o caso de você precisar de furries polonesas para um trabalho de escola

QUEM É QUE PRECISA DISSO? EU DISSE QUE NÃO PRECISAVA! SÉRIO, ESTÁ CADA DIA MAIS DIFICIL...

Enfim, o filme que Kirschner escreveu (trazido a vida pela parceria Steven Spielberg/Don Bluth) foi um sucesso maior do que a Universal esperava, de modo que eles estavam mais do que dispostos a ouvir seu próprio projeto e assim ele teve a oportunidade de produzir seu próprio filme. E que filme é esse? Bem, um serial killer e ser humano abjeto em todos os sentidos, que finalmente é alcançado pela polícia e leva um tiro no confronto. Enquanto ele está morrendo, para impedir sua morte ele usa seus conhecimentos de vudu para transferir sua alma a primeira coisa que ele tem a mão... que por acaso é um boneco da série “Good Guy”. Esse serial killer se chama Charles Lee Ray, mas era mais conhecido pelo apelido de ... Chucky.


Brinquedo Assassino acabou se tornando uma franquia de enorme sucesso, que rendeu 8 filmes (incluindo um remake com a Aubrey Plaza, o que sempre é uma vitória na vida) e muito mais dinheiro do que foi gasto fazendo eles. Assim, as portas definitivamente se abriram para Kirschner fazer o que ele quisesse e dessa forma... ele quis fazer o desenho animado para televisão mais ambicioso já pensado até então: OS PIRATAS DAS ÁGUAS SOMBRIAS!

QUEM? EU NUNCA OUVI FALAR DESSE DESENHO NA VIDA

O que diz muito sobre como essa história termina, mas o interessante mesmo é como ela começa. Em 1991, desenhos animados para a televisão não eram de formam alguma algo sério. Estamos a recém saindo da pavorosa década de 80, onde os desenhos eram apenas comerciais de brinquedos de 20 minutos sem nenhuma ambição além disso (senão pela “lição de moral” no final do episódio, que o governo legalmente obrigava os cartoons a terem porque é o que governos fazem). Fazer uma narrativa épica baseada em uma história continua através dos episódios? Isso é algo que nunca havia sido tentado até então porque se acreditava que as crianças tinham o ciclo de atenção de uma passoca molhada e não acompanhariam uma série como se fosse uma novela.

O que, nessa época, era bastante verdade mesmo para as séries de televisão - a imensa maioria das séries de TV eram apenas episódios soltos com o “caso do dia”, não uma narrativa continua. Porém o imenso sucesso de Twin Peaks em 1990 mostrou que havia sim público interessado nesse formato narrativo - que hoje se tornou o padrão da televisão a exceção em séries de comédia e mesmo isso está mudando, como dá pra ver em The Good Place. Kirschner teve a ideia de que o mesmo poderia funcionar com um desenho animado e de fato funcionou, uma parte não desprezível dos cartoons usa essa formula narrativa... HOJE. Em 1991, isso ainda estava para ser visto.


Uma parte Dungeons & Dragons, uma parte piratas do caribe, um pouco de Robin Hood no meio e alguma propaganda ecologica superficial obrigatória dos anos 90 deram origem aos Piratas das Águas Sombrias, o mais ambicioso cartoon já produzido para televisão até então!

O mundo de Mer, que é um mudo bem D&D-like habitado por todo tipo de monstros é composto de 90% oceanos, veio a sua ruína quando começou a surgir no mar uma substancia negra viscosa e vagamente sentiente (para o mal, obviamente), chamada apenas de “Dark Water”. Ninguém sabe da onde a Dark Water veio, mas o que todo mundo sabe é que o espaço habitavel do planeta se torna cada dia maior já que nada que entra na Dark Water sai com vida.

Isso que dá comprar mapa em liquidação no Ali Express

Vinte anos depois do aguapretacalipse, um jovem faroleiro órfão chamado Ren salva um homem que estava se afogando. O homem acabou se revelando Primus, governante legítimo da ilha de cristal de Octopon e pai de Ren. Com seu último suspiro, ele conta a Ren sobre a Água Negra que ameaça cobrir toda a terra e lhe dá uma bússola mágica que o levará aos Treze Tesouros de Rule, a única maneira de controlar e até mesmo purificar a Dark Water. Seu último presente para Ren vem na forma de uma espada quebrada que desempenha um papel na restauração da ordem no mundo - mas ele morre antes de dizer o que a espada faz.

Infelizmente para Ren, assim que ele descobre sobre sua herança e destino, uma criatura alada bate pela janela do farol e o leva embora. O pássaro macaco conhecido como Niddler trabalha para o malvado lorde pirata Bloth, um vilão enorme que comanda o Maelstrom, que supera qualquer outro navio nos vinte mares de Mer. Bloth é obcecado por três coisas: encontrar os tesouros perdidos para controlar a Água Negra, usá-los para governar o planeta e eliminar o herdeiro do trono de Octopon. Más notícias para Ren. A boa notícia é que Bloth é um homem vil e seus homens não o amam, os pássaros-macaco ainda menos. Ren e Niddler chegam a um acordo e Niddler leva o jovem príncipe para um lugar seguro.


Eles encontram Ioz, um ladino e um pirata que tem uma história feia com Bloth e está interessado apenas em tesouros, e Tula - apresentada como uma simples garçonete de taberna, Tula revela-se uma ecomancer, com poderes sobre os elementos e a vida biológica. Ela, como o resto dos personagens de Piratas da Água Escura, tem motivações mais complicadas do que parece.

Assim, Ren e sua gangue precisam encontrar os treze tesouros, porém sua missão não será tão fácil assim já que o pirata Bloth quer as jóias para si e usa-las para controlar a Dark Water, se tornando o senhor de todo o mundo conhecido.

Como eu já disse, Pirates of Dark Water não seguia o esquema de “aventura da semana” e sim um drama de narrativa contínu que constroi relacionamentos através das experiências em capítulos em uma ordem deliberada encorajando você a não perder um episódio, cada episódio avançando em direção ao final pretendido da história. O show também foi um pouco mais sombrio do se esperava para a época, com alguns episódios com mortes de personagens. The Pirates Of Dark Water ainda apresentava atores famosos, como Tim Curry (IT) e Peter Cullen (Optimus Prime) dando voz aos personagens.


Então... como você provavelmente nunca ouviu falar desse desenho... o que deu errado? Várias coisas, mas basicamente, PoDW era um desenho ambicioso demais para o que a Hannah Barbera estava disposta a fazer.

Em primeiro lugar, o show era extremamente caro para a época, não apenas porque empregava animadores de qualidade, mas porque tinha o cenário mais caro possível para se fazer em um desenho animado: água. Uma das grandes vantagens do background em um cartoon é que você desenha apenas uma vez e usa aquilo por uma grande quantidade de cenas, o que torna a produção bem mais barata. Agora se o cenário fica se mexendo - que é o ponto de uma aventura em um oceano com ondas e tal, isso torna a produção infinitamente mais cara.



Não bastasse isso, tem o problema que a Hannah Barbera não comprou totalmente a ideia. Acompanhe comigo: você está tentando fazer algo na televisão qeu nunca tinha sido feito antes, um desenho animado seriado (embora isso seja prática comum em animes, naquela época isso não tinha chegado no ocidente ainda). O publico sequer considera que tal coisa seja possível, então você tem que investir para vender a ideia já que seres humanos por padrão detestam mudanças e coisas novas.

O que... a HB não fez. Não foi feita uma campanha vendendo a série como uma grande aventura continuada (até porque novelas são uma das coisas mais vilipendiadas na cultura americana e ninguém quer essa comparação para o seu produto). Você não pode fazer uma mudança na abordagem desse tamanho sem comunicar o público antes!

Agora esses dois fatores (falta de fé do estúdio no produto mais alto custo de produção) levaram a completa perda de prazos da série: os 21 episódios produzidos foram espaçados ao longo de três anos! Se já é dificil manter a atenção das crianças americanas exibindo a série semanalmente, imagine então se ela for tratada como um programa da BBC!


Enfim, foi uma situação complicada. PoDW já era um cartoon à frente de seu tempo como uma série de animação séria e sombria que surgiu antes que os americanos estivessem acostumados com a animação para públicos mais velhos. O momento foi pior ainda, com a HB sendo absorvida pela Warner no meio da série, então a má administração foi uma infeliz inevitabilidade. Muitos fatores contribuíram para o final prematuro do show, que não teria nenhum desses problemas se fosse um desenho de hoje.

E, como não poderia deixar de ser, muitos produtos licenciados do show foram feitos como uma linha de brinquedos que não tinha a boneca da Tula, embora tivesse bonecos de figurantes que apareceram durante apenas um episódio because anos 90, um livro de RPG e dois jogos de videogame diferentes para Super Nintendo e Mega Drive.

VERSÃO PARA MEGA DRIVE



Adaptações de filmes/séries para videogames nos anos 90 eram, em ordem de frequencia, jogos de plataforma (com scroll lateral hop'n bop, como diria a Super Game Power), beat'm ups, jogo de luta e mais raramente RPGs (mais comum quando é um anime obscuro  no ocidente sendo adaptado, como dá para imaginar tivemos poucos desses). A versão de Mega Drive de PoDW é o primeiro caso.

E, como você já pode imaginar, nada que vá explodir sua mente pra fora d'água... viu o que eu fiz aqui? Porque água...

CARA, NINGUÉM USA ESSA EXPRESSÃO EM PORTUGUÊS. E MESMO QUE USASSEM, AINDA SERIA UM TROCADILHO BEM MERDA 

Podemos concordar em discordar, Jorge.  De qualquer maneira o que rola nesse jogo é que no início de cada nível, você pode selecionar seu personagem. Colete dez melancias e você pode convocar seu sidekick Niddler, um monkeybird falante para que você troque personagens no meio da fase - e  mais importante, fornecendo um personagem novo com uma barra de vida completa! 


... exceto que a seleção de personagens é um recurso bom, mas infelizmente inútil. Os personagens exibem as diferenças usuais - Ioz é forte, mas lento, Thula é a rápida, mas fraca, e Ren mantém o meio termo, mas o equilíbrio entre os personagens não funciona. 

A velocidade mais rápida de Thula faz com que você dê de cara nos inimigos, e eliminá-los com ela leva mais tempo do que com os outros. Combine isso com o fato de que os saltos ficam mais difíceis de controlar quanto mais rápido o personagem se move, e você rapidamente percebe que o jogo se torna muito mais fácil se você decidir ficar com Ioz na maior parte do tempo ocasionalmente trocando por Ren quando precisar de vida, mas ele é só um Ioz do homem pobre. Sua habilidade de eliminar a maioria dos inimigos com um único golpe e sua velocidade lenta te ajudam a evitar ser atingido, então ele é de longe o melhor personagem do jogo!

Ioz não apenas é o melhor personagem do jogo, como o mais anos 90 também... o que não é realmente uma boa coisa

Antes e mesmo dentro de cada fase você recebe várias páginas de texto contando a história. Este é um toque muito legal para aqueles que acompanharam o desenho, já que ele é meio que uma continuação do cartoon onde você pega as 5 jóias que faltaram serem pegas e enfrenta o Dark Dweller para acabar de uma vez por todas com as Dark Waters (tem muito Dark nesse jogo).

A ideia é legal, o problema é a apresentação, já que a história só avança através de paredes e mais paredes de texto - o que se torna tedioso depois de um tempo. 


Por outro lado, eu gosto do level design. Você não precisa simplesmente passar de nível batendo nos inimigos até chegar à saída. Às vezes você chega a uma saída trancada e uma pessoa próxima lhe dá uma tarefa antes que você possa continuar - você precisa coletar tanta chaves durante a fase, ou tantas moedas para pagar ela, algo assim.

O que significa que você precisa explorar as fases para coletar itens, e normalmente isso não dá certo em jogos dessa época. Porém aqui eu não me incomodei muito com isso já que você não precisa sair tanto do seu caminho para achar os itens que precisa. O level design não é particularmente cuzão com isso e explorar não é uma dor. Até tem como você se desviar mais do caminho principal, mas isso não é necessário realmente para avançar e se você fizer normalmente vale a pena, sendo generosamente recompensado com itens de cura, vidas extras e power ups.

Não é impressionante quando os desenvolvedores colocam uma atividade opcional no jogo e não te punem por encarar esse sidetrack? Isso realmente é uma característica refrescante para um jogo da época!

O combate é... bastante satisfatório, na verdade

O jogo só não é melhor ainda porque os power ups coletados (desde projeteis a poções que dão invencibilidade temporária ou saltos mais altos) vão diretamente para o inventário e podem ser acessados ​​a qualquer momento quando você pausa. O problema é que essa uma das telas de pause mais lentas que eu já vi para carregar em um cartucho, sério é mais rápido você pausar selecionar e arma e voltar ao jogo no Mega Man do Nintendinho do que pausar, selecionar o power up e voltar ao jogo aqui.

O que realmente é uma pena, porque o level design foi feito contando que você use as poções. Embora não seja impossível jogar sem, claramente tem areas que tem tanta coisa caindo na tela que tá muito claro que você deveria estar usando a poção de invencibilidade (ou então você está subitamente jogando TOM & JERRY: Frantic Antics, pode ser isso também), assim como tem sequencias de saltos que podem ser realizados, mas claramente seria muito mais fácil você utilizando a poção de gravidade

Falando em pular, tem uma decisão de jogo que eles tomaram nesse aqui que eu nunca vi ser feita em nenhum outro jogo (e talvez por um motivo): cair de muito alto não te mata; em vez disso, você perde um pouco de vida e é transportado de volta para a plataforma de onde caiu. 


Então por um lado esse jogo tem dano de queda por altura, o que é ruim, mas você não perde seu progresso ao errar um pulo, o que é bom. Tenho sentimentos mistos a respeito disso, no entanto o que eu definitivamente sei que é ruim é que os inimigos reaparecem assim que você sai da tela, com muita frequência acontece que você volta ao lado de um inimigo quando é teleportado de volta de onde caiu

Então basicamente é isso, PoDW para Mega Drive é um bom jogo que só não é incrível porque fica o tempo todo fazendo pequenas coisinhas que te irritam como o menu super lento de se acessar, ou o respawn de inimigos. Com uma pequena camada de polimento adicional, poderia ter sido um jogo realmente excelente. Da forma como foi feito, é "apenas" bom, tho.

Anos 90 e as propagandas BUNITAS que faziam você ter vontade de comprar na hora

VERSÃO PARA SUPER NINTENDO



O jogo do Super Nintendo é inteiramente difernte do Mega Drive, é de outro genero até. E seguindo nossa cartilha das adaptações para videogames, a segunda opção mais esperada é um beat'm up... que é exatamente o que a Sunsoft entrega aqui.

Bem, para começar a apresentação definitivamente é melhor que a do Mega Drive! Por ao invés de paredes de texto com fundo verde... agora temos paredes de texto com fundo preto.


O que ainda é uma merda, mas levemente menos merda que a merda anterior... eu acho. A distribuição dos personagens selecionaveis também segue o modelo do jogo de Mega, com a Thula como personagem fraca mas rápida, o Ioz como lento mas forte e o Ren como intermediário...


... o que é bem menos pior em um beat'm up já que matar um inimigo com um hit a mais ou a menos não é uma diferença tão vital assim - na verdade conseguir sair do lugar para não ser atingido é mais importante. Então a escolha de personagens aqui é mais equilibrada, e de qualquer modo o jogo te diz na tela as vantagens e desvantagens de cada um. Então... yay, i guess?

Quanto ao jogo em si, muitos beat'm ups dessa época são chamados de "clones de Final Fight", mas eu não acho que algum jogo tenha levado isso mais a sério do que PoTW para Super Nintendo. Quero dizer, sério mesmo:



Ioz, Ren e Thula são basicamente Haggar, Cody e Guy com outros sprites. Isso é ruim? Não necessariamente, apenas que eu já joguei esse jogo antes quatro anos atrás (na cronologia histórica, no meu caso são três e meio desde FINAL FIGHT).

Quer dizer, é Final Fight sem a Poison, o que torna o jogo inferior em todos os aspectos concebíveis pelo homem, mas uma versão inferior de uma boa coisa ainda é uma coisa... boa, mas inferior. Quero dizer, eu já falei sobre Final Fight (muito porcamente, agora revendo meu texto de três anos atrás) e não tem muito que eu possa acrescentar aqui...

Booyachaka!

... exceto que tem uma coisa em particular que esse jogo faz que eu gostei muito. Sabe do que eu gosto em beat'm ups? Algo bem simples, mas que definitivamente faz o meu dia? Usar o cenário a meu favor. Se tem um buraco na fase, me deixe jogar o inimigo nele e mata-lo antes da vida dele acabar. Se tem uma coisa no cenário que causa dano em mim, faça com que cause dano nos inimigos também.

É bastante simples e nem é uma grande coisa, mas então porque tantos jogos se esmeram em tirar esse pequeno prazer do jogador? A boa notícia é o que PoDW do Super Nintendo não faz isso. O que não falta nesse jogo são buracos, armadilhas no cenário que causam dano como vigas esmagando do teto e poços com Dark Water. Pequenos prazeres da vida, sabe?


Isso é suficiente para sustentar um jogo de uma hora e meia que afora isso não faz nada particularmente especial? Eu diria que torna jogavel, embora o jogo se torne cansativo mais cedo do que tarde mesmo com os pequenos prazeres de um buraco bem posicionado. Coisas da vida.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES 

VERSÃO PARA SUPER NINTENDO
Edição 062


VERSÃO PARA MEGA DRIVE
Edição 063


Preview na edição 055


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER

VERSÃO PARA SUPER NINTENDO
Edição 001

VERSÃO PARA MEGA DRIVE
Edição 005