terça-feira, 8 de dezembro de 2020

[SUPER NINTENDO] WHEEL OF FORTUNE DELUXE EDITION (Abril de 1994) [#578]

Eu vou contar um segredo pra vocês: quando eu era criança, eu achava que "Nenhum de Nós" era uma das bandas mais geniais do mundo. Quer dizer, você ouve "Astronauta de Marmore" e não tem como não se encantar com a musicalidade, o ritmo, a composição. A letra é meio... random com frases sem nenhum sentido como "são quatro ciclos no escuro deserto do céu"... mas va lá, o ponto é que não tem como não compor uma música dessas e não ser um verdadeiro e legítimo gênio.


E de fato, Nenhum de Nós fez carreira e fama com essa música que não é nada senão uma obra prima do que um verdadeiro artista é capaz de fazer. Foram muitos e muitos anos até eu descobrir que essa música de fato é uma obra prima de um gênio da música, apenas que o "Nenhum de Nós" não tinha nada haver com isso.

Hoje parece bobo dizer que eu não fazia ideia de quem era David Bowie ou do quão genial seu Starman é, mas era exatamente assim que as coisas funcionavam no Brasil antes da internet. Alguém via uma coisa muito boa feita no exterior, aproveitava que o Brasil é culturalmente isolado do resto mundo por causa do seu idioma e políticas xenofobas, e fazia a carreira em cima das ideias dos outros.


Que atire a primeira pedra quem não descobriu apenas depois de adulto que o  "Então é Natal" da Simone na verdade era uma música do John Lenon de natal que na verdade uma campanha pelo fim da Guerra no Vietnam? Mas no Brasil o apelo "a guerra terminou, se você o assim desejar" virou "então é natal, a festa cristã".  Tanto que até hoje eu chamo esse fenomeno de pegar uma coisa e fingir que é sua porque no curralzinho cultural de  onde vc vem ninguém vai saber mesmo de "Simonadas"

Eu consigo pensar em poucas coisas mais iconicas para explicar o Brasil que pegar algo que soa legal, ignorar os motivos pelo qual aquilo foi feito e apenas tentar imitar o resultado sem ter o trabalho para chegar lá, tipo a DC querendo começar pelo Avengers Endgame com a Liga da Justiça sem ter o trabalho de 10 anos, ou a Disney querendo fazer a cena dos portais em "Star Wars Palpatine is back bitches because fuck  you" sem ter o trabalho para isso. Isso tudo é muito Brasil.

Esse fenomeno não é exclusivo da música, claro. Muita gente fez carreira e fortuna simonando, como por exemplo o Jô Soares que copiou o Johny Carson n linha por linha - ele não apenas pegou a ideia de um "talk show tarde da noite", todos os trejeitos dele entrevistando, a postura na cadeira, a caneca d´água e até a risada alta do Bira foram copiadas do programa americano


Mas por que eu estou falando dessas "Simonadas" da cultura brasileira? Porque o jogo de hoje se baseia em um TV Show que foi simonado pelo maior simoneiro da história do Brasil. O homem que hoje tem uma fortuna de aproximadamente dois bilhões de reais, e que não seria nada sem a nobre arte da simonagem. Estou falando, é claro, de Silvio Santos.

Exemplos: o famoso Qual é a Música? veio de "Name That Tune"; Show do Milhão é a versão huehueBR de "Who Want’s To Be a Millionaire?", e mesmo o Passa ou Repassa jamais teria aparecido se não fosse o Double Dare, do canal Nickelodeon dos EUA. Até mesmo a música de abertura do Show de Calouros, talvez a coisa mais iconica da TV brasileira dos anos 80, é a "versão brasileira" de "Those were the days", que por sua vez já é a versão americana da música popular russa "Dorogoi dlinnoyu"

VERSÃO ORIGINAL RUSSA:


VERSÃO AMERICANA:


E POR FIM A VERSÃO HUEHUEBR:


Alias o "Show de Calouros" já era a "versão brasileira" de um programa que era bem popular na gringa, o "The Gong Show" de 76, em que calouros apresentavam qualquer coisa no palco e se fossem muito toscos tocava um gongo e eles eram enxotados do palco. Porque esse é o ciclo da vida, nada se cria, tudo se simoneia.

E dentre as simonadas da televisão brasileira, a que eu definitivamente mais gostava era o Roletrando do Silvio Santos, que é a versão jaboticaba do Wheel of Fortune, de 1975. O que basicamente é um jogo de Forca, só que adicionando aleatoriedade no meio.

Tal qual a Forca, o participante tem que acertar letras numa palavra chave e ganha premios a cada letra que acertar - o valor do premio de cada letra são decididos rodando uma roleta antes. Só que a roleta também tem "perdeu tudo" e "passa a vez", adicionando um elemento de aleatoriedade a um programa que já seria interessante (para os padrões da época)


A grande diferença da versão brasileira do programa é que o Silvio Santos achou que precisava dar uma simplificada nas coisas, porque no original não se pode chutar vogais, você tem que gastar o seu dinheiro ganho para fazer isso - o que faz sentido, já que vogais são letras muito mais recorrentes e faria mais sentido ainda em português. Porém tenha sido sábio da parte do Senor Abravanel não subestimar dificuldade linguística da população brasileira

DIZ O CARA QUE NUNCA ACERTOU O USO DE UM "POR QUÊ" EM QUATRO ANOS DE BLOG...

Eu faço isso como um statement de protesto, português é uma lingua desnecessária que quase ninguém mais no mundo fala. O português tem que acabar!

DEFINITIVAMENTE VOCÊ ESTÁ FAZENDO SUA PARTE PARA MATAR ELE...

Ok, é isso Jorge! Se você seleciona uma IA do jogo para ser o terceiro jogador nesse game, o jogo nomeia ele como George e eu ia deixar você participar do jogo! Mas com essa atitude você está expulso da partida!

SUPONHO QUE ISSO NÃO TEM NADA HAVER COM VC ESTAR PERDENDO DE LAVADA PARA MIM NO JOGO EM UM IDIOMA QUE VOCÊ NÃO É FLUENTE, SENDO QUE SEU VOCABULÁRIO NÃO É MUITO VASTO MESMO NO SEU IDIOMA NATIVO

Deveras!

DEIXA EU ADIVINHAR, ESSA É A ÚNICA PALAVRA "CHIQUE" QUE TU CONHECE, NÉ?

Incongruencia!

OK, EU DESISTO. ALGUÉM SABE SE O TOMMY WISEAU TÁ PRECISANDO DE MAIS UMA VOZ NA CABEÇA DELE?

Jorge vai voltar, ele sempre volta. Enquanto isso, temos então Roda-a-Roda Jequiti para Super Nintendo! O que, como você pode imaginar, é basicamente a mesma coisa do programa de TV só que sem as mensagens subliminares do comercial. O jogo é o que você espera que ele seja, sem tirar nem por.



Bem, na verdade, colocando uma coisa sim - uma coisa que não devia estar lá. Veja, o maior problema com a Roda da Fortuna é que ela se dedica de todo o coração à ideia de tentar recriar a experiência da televisão. E como isso pode ser uma coisa ruim se essa é a ideia? Então, tem cortes para os competidores batendo palmas após cada giro. Você tem que sentar e assistir Vanna White andar pela tela e virar as letras. Depois tem mais palmas que você tem que esperar passar. Tudo envolve espera.

Quando você está assistindo a Roda da Fortuna na TV, você está lá para uma experiência passiva. Isso é o que você se inscreveu sentando no sofá. Mas é mais difícil incorporar a experiência de espera aos videogames, especialmente máquinas antigas como o Super Nintendo que não conseguem criar um espetáculo visual para te entretar. Quando um jogador tem um controle em sua mão, há uma expectativa de jogo e esse jogo tem interrupções demais entre você e a interatividade sem dar nada em troca por causa disso.

Entre você selecionar a opção rodar a roleta/comprar uma vogal/chutar a resposta são 22 segundos assistindo as mesmas cutscenes, toda e santa vez. TODA.

O que torna esse jogo, que não é lá essas Brastemp, acaba se tornando cansativo mais cedo do que tarde.

Muito da adaptação de uma propriedade intelectual - seja um filme, um programa de TV ou um jogo de tabuleiro - para um videogame é tirar proveito do que os desenvolvedores podem fazer para melhorar o original. Veja como o CLUE  se esforçou para tornar o famoso jogo de tabuleiro melhor, ou pelo menos mais tolerável, e você verá do que estou falando. Wheel of Fortune não faz nada para aproveitar o poder da mídia e tentar dar a si mesmo uma identidade, a única coisa que tenta fazer é um dinheiro licenciado.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
VERSÃO PARA SUPER NINTENDO
Edição 060


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 044 (Novembro de 1997)