Vocês lembram de LANDSTALKER? Bem, provavelmente não e nenhum juri do mundo o condenaria por isso. Com efeito, acho que apenas eu e mais quatro pessoas no mundo lembram desse jogo, todas acometidas por traumas encefálicos que gravaram para sempre imagens aleatórias em seus cerebros.
Para aqueles mais afortunados que eu, ou seja os que não lembram desse jogo, LANDSTALKER foi a tentativa da Sega de fazer um Action RPG onde você joga com um protagonista de pés avantajados e enquanto o jogo não é terrível per se, terrivel foi a ideia de tentar diferenciar o jogo de THE LEGEND OF ZELDA: A LINK TO THE PAST. Como diferenciar este Action RPG do mais influente Action RPG jamais produzido, vc pergunta? Quem sabe não colocar seu protagonista como um elfinho-like? Nah, vamos tentar... usar camera isométrica em um jogo de plataforma onde medir a distancia e profundidade dos saltos é fundamental. Uau, genial Sega, o que possivelmente poderia dar errado?
Porra Sega, aí é dificil te defender, né amiga? Bem, seja como for, um fato menos conhecido ainda é que esse jogo teve uma continuação lançada apenas no Japão com uma protagonista feminina e por isso mesmo chamada - e eu não to de sacanagem com vocês aqui - LADY STALKER e absolutamente ninguém viu nada de errado com isso!
Caceta, Sega... bem, de qualquer forma, pq eu estou falando disso? Ora, pq um fato menos MENOS conhecido ainda sobre esse jogo é que ele teve um sucessor espiritual para o Sega Saturn. Embora não se chame "stalker" de maneira alguma, dá pra dizer que esse é o terceiro jogo da série. Uma série que tinha uma ideia bem ruim... executado em um hardware desgraçado que absolutamente ninguém sabia programar direito.
Desenvolvido pela mesma equipe que fez LANDSTALKER, Dark Savior começa de uma forma interessante, isso tem que ser dito. Uma famosa equipe de caçadores de recompensas captura um poderoso monstro chamado Bilan, que agora será enviado de navio para uma ilha-prisão onde será executado de acordo com as normas legais. O que é diferente, mundos de fantasia não costumam ter um sistema legal de pena de morte, normalmente o herói senta a espada no bicho e deu. Curioso, de fato.
Seja como for, um dos caçadores fareja uma treta no ar e como Bilian é muito perigoso se oferece para ir junto no navio até a Ilha onde a pena seria executada. Nosso herói pula no navio, tira um cochilo e quando acorda descobre que - para surpresa de zero pessoas - Bilan escapou e está a solta no navio. Sua primeira fase é justamente no navio correndo atrás do rastro de Bilian e é aqui que o jogo faz algo realmente diferente.
Um cronômetro aparece no canto da tela, e ele aparece exclusivamente nessa fase em que o jogador segue o rastro de Bilian pelo navio. Dependendo de quanto tempo vc levar para chegar a cabine, Bilian vai estar lá ou não e pode ou não ter matado o capitão do navio.
Isso é importante porque cada cenário leva a uma sequencia diferente: se você não chegar a tempo então Bilian já escapou e você tem que ir até a Ilha do Carcereiro no encalço do monstro, ou você pode derrotar Bilian (se você chegou a tempo na cabine) e a trama na Ilha do Carcereiro é inteiramente diferente, ou ainda vc pode perder a luta e então seu caçador de recompensas morre e acaba em uma forma de purgatório, e o jogador começa a jogar em uma arena de batalha no pós-vida (o que desbloqueia um modo versus no jogo, alias).
Enfim, o ponto importante aqui é que existem 4 cenários possiveis (que o jogo chama de "paralelos") para você rejogar o jogo várias vezes e essa ideia é bem legal, de verdade. O problema com esse jogo não tem é a ideia, e sim a execução.
Isso pq enquanto a ideia de Dark Savior para uma narrativa foi realmente original, mesmo na época se dava pra ver as seções de plataforma são de longe o pior aspecto do jogo. Vamos colocar assim: ele mantém os problemas de LANDSTALKER (eu tenho que enfatizar o quanto camera isometrica NÃO é adequada para sessões complexas de plataforma) mas piora isso ad infinitum devido a dificuldade de programar para o Saturn.
Eu vou tentar explicar o que acontece aqui: quando vc está segurando para uma direção (para cima, por exemplo, que faz o personagem ir para a diagonal esquerda superior pq foda-se isometria) e aperta para outro lado, o jogo simplesmente não registra isso. Repito, você está segundo pra cima e aperta para direita o jogo simplesmente ignora o seu comando.
O que você tem que fazer é largar para cima, esperar alguns instantes para o jogo registrar isso e só então apertar para a direita. O que, eu suponho não precise explicar isso, é apenas a pior coisa que você poderia fazer em um jogo de plataforma que exige saltos precisos e com timming. Sério, tente fazer essa porra que eu descrevi quando você está em uma plataforma movel, correndo contra o tempo porque você apertou um botão do outro lado da sala e a porta vai fechar, e a camera é essa bosta enviesada toda troncha. E já que estamos nisso, seu personagem tem uma sombra, mas nem sempre dá pra contar com ela pra se orientar pq nem sempre o cenário permite ver a sua sobra como referencia. Absolutamente delicioso, mate.
Simplesmente não tem como ser feliz desse jeito. Como diria o grande filosofo moderno craque neto, NUM DÁ! NUM VAI DÁ!
E é realmente triste que os controles nesse jogo sejam TÃO ruins, pq não apenas o sistema de narrativa é interessante como o proprio design é atraente também. Alem dos puzzles serem bastante okay de serem resolvidos, aqui você ganha pontos de experiência após as lutas que podem ser usados tanto para curar pontos de vida como para aumentar seus atributos (o que é bem mais caro, obviamente).
Adicione que explorar recompensa com vc encontrando alcool, revistas adultas e cigarros para trocar por itens na cidade (o jogo se passa em uma ilha-prisão, afinal, faz sentido essas serem as moedas locais) e temos um jogo bem pensado aqui. Ah, sim, obviamente que na versão americana os itens foram trocados por suco de jalapeno, revistas aleatórias e chocolate, because América. Mais um toque de que nas lutas vc pode capturar alguns inimigos para lutar por vc (que tem golpes e ataques especiais proprios) e senhores, temos um jogo!
Apesar de ser um Action RPG, os combates funcionam diferente: vc entra em um combate como um jRPG só ao invés de combate por turnos vc luta em beat'm up 1x1. |
... ou teriamos se, novamente, os controles desse jogo não fossem tão toscos. Eles acabam enterrando um sistema de narrativa fascinante, especialmente de um jogo Saturn de baixo a médio orçamento. Eu particularmente gosto da maneira como seus paralelos são escritos para terem twistes e se referenciarem, constantemente jogando uma nova luz em pq determinados personagens se comportam de determinadas maneiras.
Esse jogo teria sido uma grande obra prima se (alem de controles decentes) tivesse dado um jeito de amarrar todas as narrativas numa grande história. Quer dizer, não tem nada no jogo que indique que os paralelos se passam no mesmo universo, não é algo do tipo "o mesmo personagem está preso em um efeito dia da marmota voltando para a cama no navio no começo do jogo a cada paralelo completado" ou alguma teoria conspiratória assim - embora tenha um momento que é comentado que alguns criminosos são congelados em carbonita e que eles ficam tendo pesadelos enquanto estão presos. Seria legal se fosse algo do tipo, mas nada no jogo dá indicio de ser algo profundo assim.
Talvez essa até fosse a ideia de fazer um jogo bem mais ambicioso, porém a conclusão mais plausível é que no final das contas o jogo simplesmente não parece realmente terminado. A sensação é que eles apenas eles ficaram sem dinheiro e tempo porque não é segredo que o jogo estouro bastante o orçamento - quero dizer, tem uma cena completa de FMV que eles repetem duas vezes e realmente não se encaixa muito em nenhuma das duas vezes que é usada, parece muito o tipo de coisa "devia ter outra cena aqui, mas não deu tempo"
Em uma outra realidade, em uma outra linha temporal talvez Dark Saviour foi tudo que seus idealizadores sonharam que ele seria e esse jogo seria lembrado como um precursor de jogos onde linhas temporais paralelas de gameplays separados se cruzam para contar uma experiencia única e completa - como em Nier Automata ou 999. Quem sabe o que poderia ter sido?
A única coisa que eu sei é que esse paralelo onde Dark Saviour foi um jogo incrível e bem sucedido em sua ambição não foi essa realidade que estamos jogando. Quem sabe um dia acordaremos numa cama para viver as outras possiveis, huh?
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 032 (Novembro de 1996)
Edição 032 (Novembro de 1996)