sábado, 3 de setembro de 2022

[#965][Ago/96] OVERBLOOD


Em 1996, quando RESIDENT EVIL saiu para o PS1 e se tornou uma dos maiores sucessos pangalacticos globaliticos, tão grande que dura a até os dias de hoje, muitas pessoas perderam a bacurinha. Não apenas os jogadores da época, maravilhados pela experiencia de terror de sobrevivencia com pitadas de ação, puzzle e filme B, mas também os desenvolvedores de jogos que pensaram "hã, essa formula é o segredo do sucesso para fazeres muitos dinheires!".

Então, obviamente, muitas desenvolvedoras começaram uma corrida do ouro para fazer um RESIDENT EVIL para chamar de seu. O problema, no entanto, é que se fosse fácil fazer um RESIDENT EVIL, então qualquer um teria feito um RESIDENT EVIL, dã. O que tivemos no lugar foi uma leva de tentativas de clones de RESIDENT EVIL que são francamente HEDIONDOS. Como por exemplo, eu já falei aqui de FADE TO BLACK, que é uma tentativa de emular RESIDENT EVIL... só que uma tentativa muito, muito, muito ruim. Oh Deus, como é ruim. Na verdade teria que melhorar muito para ser "apenas" ruim... bem, voce pegou a ideia. 

De qualquer forma, entra no jogo de emplacar o seu RE a Riverhill Soft, uma empresa japonesa conhecida por... bem, nada realmente. Fazer ports de jogos para o PC Engine e FM Towns (como o port de PRINCE OF PERSIA ou FACEBALL 2000). Os seus jogos próprios mesmo não eram nada realmente para se escrever para casa a respeito, como HYPER 3D TAISEN: Gebockers. Vish, temos um ambiente propicio a grandes coisas aqui ou o que?

A capa japonesa do jogo é... uma capa, definitivamente.

Mas então que aconteceu uma coisa muito, muito boa nesse caso. Miraculosamente boa. A Riverhill estava decidida a fazer um RESIDENT EVIL para chamar de seu pq era que estava na moda, só que eles não eram muito bons - e com certeza não eram nenhuma fucking Capcom - então como voce pode realmente fazer um survival horror?

Bem, uma ideia é tirar do jogo a parte mais dificil de fazer, a que é mais propensa a dar errado. Nesse caso, tirar as partes de ação do jogo, isso de longe é o mais complicado de fazer pq exige que sua jogabilidade, hit detection e várias outras coisas complicadas em um jogo sejam estelares. Porém eliminando a questão mais dificil da equação, fazer um survival horror apenas com puzzles, mapas, atmosfera (incluindo aí trilha sonora e dublagem ridicula) e narrativa é algo que é perfeitamente possível de ser feito.


Não vai ser nenhum RESIDENT EVIL, that's for sure, mas é possível de ser feito e pode ser um jogo perfeitamente agradável e divertido ao que se propõe. E é exatamente aqui que se encaixa SOBRESSANGUE, uma brincadeira maravilhosamente falha, mas ainda divertida.

Nossa história aqui é sobre a vida de Raz Karcy, um cara Barry White de baixo orçamento que um dia acorda em um tubo criogênico sem memórias de quem ele é e sem saber onde está. O seu problema mais imediato não é a famosa perda seletiva de memória que os filmes tanto adoram (sempre me fascinou como as pessoas perdem apenas as partes da memória relevantes para a história, nunca esquecem como falar ou que elas devem usar roupas, por exemplo), não, nada disso. O maior problema para o nosso garotão aqui é que a sala onde ele acorda está tão fria que ele está literalmente congelando até a morte. Que ruim, heim.

Vc e eu, amigo, esse inverno que não termina tá foda

Após essa revelação então o jogo dá o controle ao jogador, e é aqui que a primeira camada de charme de Overblood aparece. Sem tutorial, sem dicas na tela, apenas descubra as coisas e não estrague tudo. Ah sim, e não morra. Enquanto Raz vasculha a sala procurando algo para mantê-lo aquecido, ele tropeçará nos dois itens mais importantes da primeira metade do jogo; um microchip e um gravador de voz. O último é o que você usa para salvar seu progresso no jogo. Enquanto o primeiro é usado para ativar seu primeiro companheiro, Peepo.

E a segunda camada de charme de Overblood é justamente encontrada em Peepo. O pequeno robô cria uma dinâmica maravilhosa entre Raz, que não sabe quem ele é, e seu novo amigo robótico que não consegue explicar nada para ele porque desde o R2D2 robos que são altamente inteligentes mas por algum motivo não conseguem falar são uma coisa. 

De qualquer forma, em termos de jogabilidade Peepo pode entrar em lugares que Raz não cabe e fazer coisas R2D2-like, como hackear computadores e ativar portas complexas. Alternando entre os dois voce pode começar a explorar o local aparentemente abandonado em que estão presos. Isso se voce não morreu de frio na primeira sala, claro, estar morto é meio que um empecílio a exploração eu suponho. 

Seja como for, a medida que os jogadores percorrem os corredores, descobre-se que as pessoas que deveriam estar lá morreram do que parece ser uma infecção que os faz virar zumbis de baixo orçamento de RESIDENT EVIL. Quer dizer, não que os zumbis do primeiro RE (embora sejam okay para a época) sejam indescrítivelmente texturizados nem nada, mas esses daqui parecem um cospobre disso.


De qualquer forma, a essencia do jogo é essa: voce anda pela instalação abandonada coletando itens e alternando entre os personagens para resolver puzzles (mais pra frente Raz encontra outra sobrevivente humana sem memória, Millie) enquanto lentamente vai descobrindo o que caralhas aconteceu ali, cade todo mundo e pq vc nem Millie não tem memória. 

A parte de vagar pela mansão (que aqui é uma instalação subterranea de pesquisa) e resolver puzzles é muito semelhante a RESIDENT EVIL, só que sem a parte do combate. Onde Resident Evil faria você encontrar chaves baseadas em formas para abrir uma porta, aqui Raz só precisa encontrar a ferramenta ou item necessário. Um cartão-chave para acesso à porta, uma chave inglesa para remover uma tampa de ventilação e assim por diante. E algo bem simples quando descrito, mas para a duração do jogo eu diria que funciona e gera puzzles satisfatórios.


Bem raramente o jogo atira no seu colo um combate e você sair no soco contra zumbis. Felizmente é BEM raramente (tem uns 6 no jogo todo), pq a jogabilidade desse jogo é PAVOROSA. Tudo é ridiculamente lento, seu personagem enrosca em paredes invisiveis, a hit detection pode ser descrita apenas como "kkkkkkkkkk" e a IA dos inimigos é tão ruim que é um dos motivos pelos quais as  máquinas se rebelerao contra nós.

Sério, qualquer coisa que o jogo tente fazer além de andar esse jogo é terrível. Na verdade, muito frequentemente até mesmo andar é terrível e foi uma escolha muito, muito feliz da Riverhill apenas assumir que eles não são bons nisso pular essa parte. Varra suas fraquezas pra debaixo do tapete e se foque no você é capaz de fazer, taí algo que eu posso respeitar.

E se focar no que eles são capazes de fazer é o ponto forte do jogo, em especial a atmosfera e a música – em especial a falta dela. A equipe de som deixou os corredores vazios da estrutura e a solidão de Raz ocupar o centro do ambiente. Ao manter a música no mínimo, necessária apenas quando um elemento da história é relevante, Riverhill cria um ambiente para que o jogador mergulhe na situação de seu personagem - algo similar ao tom mais sóbrio e até mesmo triste do silencio da mansão em MANSION OF HIDDEN SOULS. Essa desolação, entretanto, é carismaticamente equilibrada pelas interações de Raz com Peepo e depois com Millie – embora Peepo roube a cena pq é o que robozinhos mudos são supostos fazerem, afinal. 

E como se podia esperar, o jogo é complementado por a dublagem maravilhosamente brega que não deve nada aos "Jill Sandwich" da vida. Sério, a dublagem desse jogo atinge vários níveis de "é tão ruim que é bom".


Eu joguei uma vez Overblood na época e tinha uma memória carinhosa dele, eu gostava da coisa de resolver puzzles com calma a cada sala (algo que FADE TO BLACK tenta fazer mas falha desgraçadamente devido a tentar colocar ação no jogo sem ter o talento para faze-lo), e rejoga-lo agora 26 anos depois entendendo ingles apeans aumentou o quanto eu gostei desse jogo pq sua história cheesy bem filme B é de fato interessante - inclusive o motivo para o seu personagem não ter memória é bem mais interessante do que normalmente tende a ser o caso. 

É um estudo interessante, mas falho, sobre solidão e simplicidade, focando mais na experiência do que em um verdadeiro desafio mecanico. É essencialmente como comprar o DVD de um filme B bacana. Claro, você pode jogar aquele novo jogo triplo AAA ou o jogo da moda que todo mundo está jogando. Mas às vezes você quer apenas desfrutar de algo confortável sozinho, mesmo que o jogo em si tenha vários defeitos.

Overblood não é um jogo espetacular, mas é um jogo confortável. Nem tudo na vida precisa ser espetacular, afinal, as vezes apenas okay serve perfeitamente.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 032 (Novembro de 1996)