quarta-feira, 8 de julho de 2020

[AÇÃO GAMES 053] ASTERIX AND THE SECRET MISSION/AS AVENTURAS DA TV COLOSSO (Master System 1994, Brasil em 1996) [#427]




Asterix, da Sega para o Master System, uma das maiores surpresas que eu já tive nesse blog. Uma franquia pela qual eu não dou absolutamente nada (eu não tenho nada CONTRA Asterix, e sei que na Europa é uma série tão querida quanto a Turma da Monica é aqui, mas eu realmente não tenho nenhum sentimento mais forte do que saber que existe), em um console que é pouca coisa melhor do que um Brick Game? Pff, não tem realmente como esperar nada daí.

Entretanto, contudo, todavia, porém, a Sega de uma Masterclass de level design aqui e o jogo faz do limão um combustível de limões para queimar a casa do gerente da vida que só deu limões. É um jogo brilhantemente desenhado, inteligente e com jogabilidade que não estraga o que foi pensado no papel (bem, o ataque do Asterix é meio curto de alcance, mas meh, dá pra viver com isso. Na época a Ação Games não tinha um sistema de notas consistente ou mesmo o selo "The Best of", mas ela dedicou três edições falando de um jogo de Master System - feito que até hoje só foi igualado por Sonic e Phantasy Star. Esse é o tanto que esse jogo é bom.

Por isso quando eu vi que tinha outro jogo do Asterix feito pela Sega, é apenas natural que eu tivesse alguma espectativa. Poderia o raio cair duas vezes no mesmo lugar? Seria este outro jogo bem pensado, trabalhado e que explora o gameplay de formas criativas?


Não é o caso aqui. Esse Asterix não chega a ser um jogo ruim, mas é absolutamente mediocre no sentido literal da palavra: mediano em quase todos os aspectos, eventualmente tomando decisões de game design muito ruins (especialmente na solução de puzzles). O meu ponto é que não tem muito nada interessante a ser dito sobre esse jogo, e eu realmente recomendo o review do Sega RetroBR sobre o jogo para maiores detalhes:


Mas se eu não vou falar sobre esse jogo esquecível, então sobre o que eu vou falar aqui? Uma história mais interessante, é claro!




Isso porque em 1996 a Tec Toy lançou um reskin desse jogo para ser um jogo da TV Colosso - substituindo os sprites de Asterix pelo Gilmar, e o Obelix pela Priscila. Os soldados romanos viraram as pulgas, tradicionais antagonistas do programa e realmente foi um trabalho bem extenso da Tec Toy, bem mais do que as outras conversões onde apenas os personagens jogaveis eram adaptados. 

Até mesmo a música tema do programa foi adaptada para o Master System com bastante competencia. Com efeito, ficou melhor que a trilha sonora original do jogo que basicamente é composta de "então, quais as notas mais agudas que podemos fazer nessa joça?". Pensando bem, ser melhor que a trilha sonora original não é tão dificil assim, mas de qualquer forma parabéns a Tec Toy por ter feito um bom trabalho de qualquer jeito.

Claro que poderia ser mais interessante adaptar um jogo que a própria Tec Toy já não tivesse lançado em português no Brasil antes, mas como diz a grande filosofia da mafia, it is what it is. O que nos leva a pergunta realmente importante para esse post... o que era a TV Colosso, afinal?



Em 1992, a relação entre a Xuxa e a Globo estava longe de ser ideal. Por um lado, era uma das maiores audiencias da emissora e a Xuxa era uma das 40 artistas mais ricas do mundo, o que era bom para ambos os lados. O que era menos bom que cada parte queria mais da outra: a Globo queria usar mais a sua estrela em outros programas (aos fins de semana, por exemplo), enquanto a Xuxa queria aproveitar mais ser rica, RICA, RICAAAAAAAAAA e trabalhar menos. Por outro lado, a Xuxa queria usar a sua marca em produtos licenciados sem dividir isso com a Globo. Shows, brinquedos, discos, ela queria não dividir isso.

O resultado foi que as coisas não se acertaram e a Globo deu a cartada final: a Xuxa precisava da Globo, não a Globo precisava da Xuxa. O argumento evoluiu de forma totalmente madura e racional, ou seja, na base do "ah, é?!" e a Globo respondendo "é!". O resultado foi que no final de 92 o contrato da Xuxa não foi renovado e ela foi ser diva na Europa.



Então, o que a Globo faria com o horário das manhãs? Arranjar a próxima Xuxa? Boninho percebeu que embora essa fosse uma saída intuitiva, seria terrível no longo prazo. Se desse errado, teria dado errado de forma monumental por causa das expectativas. Se desse certo seria tão ruim quanto, porque ele teria apenas criado um novo monstro.

Ok, ele sabia o que não fazer... mas o que fazer? Bem, acontece que naquela época a grande febre e fúria entre as crianças era uma velha conhecida da Ação Games: Familia Dinossauros. Agora, sabe o que é curioso sobre essa série? Se você perguntar a qualquer pessoa da época, ela vai te dizer que era uma série bonitinha com fantoches e animatronicos fazendo coisas fofinhas ou something. 

Era o que eu achava, até rever algumas cenas no YouTube. Familia Dinossauros é tipo o avô de South Park, metendo o dedo na ferida de vários pontos na sociedade de forma irônica e sapecote:


Puta merda, como essa serie é inteligente - especialmente para sua época. Mas de qualquer jeito, estavam todas crianças só prestando atenção na coisa dos fantoches e animatronicos. Boninho então pensou: hmm, acho que a gente pode fazer isso.

Ele abriu seu caderninho de contatos que todo overlord do mal e reuniu algumas empresas dessa area para criar um grande show de puppets/animatronicos brasileiro (especialmente o grupo de teatro de bonecos gaúcho "100 modos") . Jogue nisso alguns dubladores famosos da época e temos um programa com valores de produção impensáveis não apenas para um programa infantil, mas mesmo para um programa brasileiro.



A coisa interessante da TV Colosso era que a Globo estava com muito, mas muito dinheiro sobrando para esse programa. Sério, quando você tira a fucking Xuxa do seu contracheque, você pode fazer seus bonecos embebidos em ouro com perucas feitas de puppies reais que não vai ser nem 1/100 do preço. Então um grupo de teatro (não a mais remunerada das midias) teve recursos para fazer... bem, quase tudo que eles queriam fazer.

A movimentação e os trejeitos da Priscila, por exemplo, foram bolados por uma das melhores coreografas brasileiras da época. Sim, eles contrataram a mulher top de linha só para fazer a movimentação de uma personagem. Os pelos dos cachorros eram feitos por uma empresa americana, especificamente para esse programa.

A qualidade do programa era algo que nunca tinha sido visto na televisão brasileira, foi o mais perto do que o Brasil jamais teve de um show dos Muppets. Você sabe, aquela franquia de fantoches que a quarenta anos gera brinquedos, séries, filmes, jogos de videogame e esse vídeo épico:


Bem, Jim Henson (o criador dos Muppets) foi o braço direito de Hollywood para bonecos/animatronicos por decadas - ele criou o Yoda e o E.T. do Spielberg, por exemplo. Então ser comparado com Muppets é a maior honra que um show pode almejar.

E uma coisa que eu sempre digo é que crianças não são estúpidas. Burras, mas não estúpidas. Elas reconhecem um produto de qualidade quando veem um, mesmo que não entendam exatamente o que estão vendo. O programa infantil que era só uma encheção de linguiça pra passar os desenhos animados se tornou a própria atração, e a audiencia disparou insanamente. Com ela, o preço do patrocinio.

Considerando que a televisão brasileira passava ainda muitos cartoons dos anos 80 e mesmo do começo dos anos 90 (que estavam ainda entendendo o que fazer com essa tal liberdade de não serem mais anuncios de brinquedos, como eu falei no texto sobre Ren & Stimpy), não é realmente surpresa que o texto escrito por um grupo de caras que vivia de ser criativo (pagar as contas com teatro de fantoche não é para os fracos) frequentemente as histórinhas da TV Colosso (que era sobre um grupo de cachorros tentando fazer uma TV funcionar a base de muita gambiarra) fosse melhor e mais interessante do que os desenhos que eles exibiam.

Um clássico quadrinho de Laerte
Seria o equivalente hoje de dar orçamento de um episódio de Game of Thrones na mão dos Barbixas, eles fariam chover de lado e enviesado com isso. O redator-chefe do programa era ninguém menos que um dos cartoonistas mais conceituados do Brasil, Laerte. Não tinha como dar errado isso.




Sério, se você bola uma esquete chamada "Roberval, o Ladrão de Chocolate", você zerou a vida.

A TV Colosso foi a primeira vez na vida que eu vi alguém na TV fazendo piadas com videogames. Não no sentido de ridicularizando, mas no sentido que você não entenderia a piada se não conhecesse o assunto. Na piada em questão o filho do apresentador mudar o texto do teleprompter para o pai dele prometer lhe dar um "Super Não Intendo" ou um "Meleca Drive" ao vivo.

Atencion! Tá na horrra de matar a fomê

Não é uma piada particularmente complexa, eu sei, mas ainda sim ver a TV reconhecendo que videogames sequer existem era algo sem precedente pra mim na época (sim, eu perdi o Globo Reporter sobre videogames... anos depois eu descobri que foi para melhor).

A TV Colosso durou 4 anos, o que é a duração normal de um processo criativo antes que ele se esgote (4 temporadas é totalmente ok para uma série), antes da realidade reclamar o seu lugar e as coisas voltarem ao que eram antes com outra loira sem talento para nada em particular enchendo linguiça enquanto a gente esperava pelos desenhos (no caso, passou a ser a Angélica). Por qualquer aspecto que você olhe, é de uma improbabilidade tão grande que a TV Colosso sequer tenha existido que até hoje eu não consigo deixar de me maravilhar que isso realmente aconteceu.

Uma curiosidade que eu acho engraçadada é que o manual do jogo do AsteriX tem uma propaganda de Predador 2 (o eterno jogo que a Ação Games comparou com Colors, de Dennis Hopper) que começa com "attaboy!". E você achando que eu estava sem coisas randomicas para postar aqui!

Asterix e as Missões Secretas é um jogo completamente esquecível, ainda que não necessariamente ruim, feito pela Sega. Mas se alguma coisa, ao menos serviu para me fazer lembrar desse momento completamente anoma-lo da televisão brasileira. E absolutamente incrível.



MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 034 (Janeiro de 1997)