sexta-feira, 6 de maio de 2022

[#876][MULTI] WORMS [Setembro de 1995]

Quando eu escrevi sobre ULTIMATE BODY BLOWS, me deparei com uma coisa muito estranha. Não, não a parte que UBB é um jogo monstruosamente ruim, afinal é um jogo de luta pra Amiga... se bem que ele é ruim mesmo para os padrões praticamente inexistentes do Amiga. Mas divago.

O meu ponto aqui é que não foi a ruindade do jogo que me surpreendeu (tá, isso também), e sim que ele é um jogo da fucking Team17. Quer dizer, os caras apenas tem o jogo cooperativo mais divertido de todos os tempos no seu portfolio (Overcooked), então não é como se eles não entendem pachongas nenhuma de videogame. Teria sido ULTIMATE BODY BLOWS apenas um acidente de percurso... ou sinal de que eles aprenderam a programar apenas em 2014?

Um aluno puxando armas na escola, me chame de louco mas eu não acho que esse comercial seria feito hoje...

Bem, vamos colocar assim: em 1994, os desenvolvedores da Team17 estavam fazendo o que todo bom jovem inglês fazia nas tardes de 1994: fumando maconha, comendo crumpets e jogando Lemmings. Ou jogando maconha, comendo Lemmings e fumando crumpets, jamais saberemos exatamente.

 Seja como for, Andy Davidson e Cris Blyth estavam nessas quando um deles disse:

- Cara, sabe o que seria totalmente super tubular?
- Que o escritor conhecesse expressões de jovens ingleses e não nos colocasse falando como californianos?
- Totalmente, meu dudelicio amigo. Mas eu tava pensando em outra coisa: saca Lemmings?
- Sim, eu to jogando agora na sua frente, então eu saco. O que tem?
- Cara, pensa só: imagina um jogo tipo Lemmings, só que competitivo. Tipo igual a Lemmings vc pode atribuir habilidades aos seus bichinhos, mas todas seriam tipo armas com efeitos diferentes e o objetivo fosse um jogador tentar eliminar o outro!
- Isso é a ideia mais idiota que eu já vi na minha vida, ninguém vai querer jogar esse jogo...
- E uma das armas equipaveis nas unidades vai ser um Kamehameha!
- Já liguei o computador e estou programando furiosamente!

E por incrível que pareça, esse dialogo não é totalmente sem fundamento. Isso pq na época do seu lançamento Worms foi realmente descrito pelas revistas como um clone barato de LEMMINGS.


O que não é de todo sem precedentes, jogando você realmente consegue ver a inspiração: você tem um time de animais que você clica para dar ferramentas e armas, tudo em um plano 2D e com níveis que podem ser gerados a partir de sementes aleatórias? Pfff nós já jogamos isso antes! E o que tem de legal sobre uma guerra de minhocas?

Se não era com LEMMINGS, as comparações eram com CANNON FODDER. Você tinha um esquadrão que podia nomear, equipar armas neles, ambos tinham o mesmo humor sarcástico em relação à guerra... mas Worms era 2D e Cannon Fodder deixava você ir para cima e para baixo. Ou seja, um clone piorado. Então em seu lançamento, as únicas conversas em torno do Worms eram sobre ele ser derivado de alguma outra coisa.


27 anos e 22 jogos depois, Worms está aí firme e forte enquanto Lemmings e Cannon Fodder mal têm conseguem emplacar um cash-grab com o seu nome. Eles ainda são marcos nos jogos historicamente, não me entenda errado, mas Worms resistiu de maneiras que esses dois simplesmente não resistiram, e é engraçado pensar em como pouca gente viu isso em 1995.

Mas então, que tipo de jogo Worms é? Basicamente ele é um artillery game com o sistema de “classes” de Lemmings.

É O QUE?

 Nos anos 60, o exército americano investiu em computadores para fazer calculos de trajetórias balisticas (de misseis, foguetes, armas de longo alcance)... então é claro que a primeira coisa que fizeram foi transformar isso em um jogo, artillery games estão entre os primeiros jogos feitos.

 A ideia é que uma unidade fica parada (ou quase parada) e dispara em outra. O desafio do jogo é que o jogador ajusta o angulo (e as vezes a força) do tiro, e tem que estipular a fisica necessária para acertar o adversário.

HÃ... TENHO QUE DIZER, NÃO PARECE TERRIVELMENTE EMOCIONANTE.

De fato, não é. Tanto é que nunca houve um grande lançamento comercial de um artillery game até então mesmo esse sendo um dos generos mais antigos dos jogos. Isso até a Team17 ter a ideia de adicionar um sistema de “classes” que se provou sucesso em LEMMINGS, e um tom irreverente que funcionou em CANNON FODDER(e funcionou mais que o jogo, mas isso é explicado melhor naquele texto). 

Worms, entretanto, foi um passo além e fez alguns truques bastante impressionantes para a época. Geração aleatória de fases (o que eu não costumo ser muito fã, mas nesse jogo em particular é muito importante, porque decorar as fases tiraria todo proposito do jogo) com terreno destrutível e simulação de física, incluindo gravidade, impulso, velocidade e direção do vento - Worms até ostenta alguns efeitos de partículas bem raros para sua época. 


E a Team17 sobrepôs essas fundações muito interessantes com uma estética idiota e caricata - o que é uma boa coisa. As paisagens são pontuadas com objetos bizarros, os próprios vermes têm olhos esbugalhados, voz esganiçada e são muito alegres enquanto são explodidos pelo mapa. 

Essa combinação de fisica interessante com uma estética de galhofada resulta em um jogo que permite jogadas altamente tecnicas: uma granada perfeitamente cronometrada arremessada do outro lado do mapa, ou um míssil disparado com precisão enviando vários inimigos para sua morte. Estas são incrivelmente satisfatórias e em alguns ports do jogo manobras particularmente habilidosas são recompensadas com um replay instantâneo (replay imediato) para redobrar a sua satisfação 


No entanto, a diversão mais recorrente de Worms não vem desses poucos e distantes momentos de brilho, mas sim nos numerosos momentos de estupidez. Quando uma granada rola de volta para o lançador, quando o vento pega um míssil e o arremessa contra um companheiro de equipe, ou quando você pressiona pulo por acidente e se joga no oceano como um pombo se asas. 

Definindo um padrão para o que viriamos esperar os party games, os melhores momentos de Worms são quando as coisas não saem como o esperado e tudo é caos. Mas esse é o ponto que o Team17 entendeu tão bem: o caos de Worms é planejado em um jogo mecanicamente sólido, e não apenas pq qualquer coisa é qualquer coisa e fodam-se vocês. 


Outra coisa que faz Worms funcionar como um party game é que como esse é um jogo por turnos, entra em questão a contribuição do jogador neste show de patetadas cataclísmicas. Os momentos mais engraçados em Worms são os lentos e tensos instantes que levam a um completo anticlímax. Seu amigo pode passar séculos fazendo a mira para o tiro perfeito da bazuca, olhando para a tela como um general do exército olhando para o campo de batalha através de seus binóculos. Então ele seguram o botão de disparar, tentando julgar a quantidade exata de energia que eles precisam para o tiro chegar no alvo, e diz todo orgulhoso “Olha e aprende como faz”. 

Na tela o boneco dispara... e seu tiro milimetricamente mirado sai voando pela tela como, bem, um foguete. Há um silêncio breve e constrangedor antes que o verme alvo zombe "Mi-issed!" só para adicionar ofensa a injúria. 


27 anos depois do seu lançamento, Worms continua sendo um excelente jogo multiplayer. Isso porque, como eu disse, em cima de ser um jogo mecanicamente sólido ele incorpora muitos dos melhores aspectos do s party games. Party Games, especialmente de de tabuleiro, são excelentes para dar risada vendo os outros no turno deles. Em videogames geralmente você se concentra apenas no que você está fazendo, mesmo em jogos multiplayer fantásticos como Mario Kart ou mesmo Overcooked, é sempre o seu kart que você está assistindo, o seu entorno imediato. Com os jogos de tabuleiro, você tem o turno dos outros para ver o que eles estão fazendo, rir dos seus tropeços ou se preocupar com seus triunfos - e esse é um aspecto único que Worms trás para os videojogos. 

Para um jogo que foi rotulado como um “clone piorado” na época do seu lançamento, definitivamente Worms fez muitas coisas inovadoras.

MATÉRIA DA SUPER GAME POWER
Edição 030 (Setembro de 1996)

MATÉRIA NA GAMERS
Edição 007 (Março de 1996)


Edição 011 (Setembro de 1996)