quinta-feira, 19 de maio de 2022

[#887][MEGA] PHANTASY STAR 2 [Março de 1989]

Pra vocês verem como as coisas são, essa semana mesmo eu falei sobre como é tricky analisar um jogo não pelo que nós sabemos (e gostamos) hoje, mas pelo que era possível e pelo que se sabia na época. Eu elaborei isso no texto de GUARDIAN HEROES... e não é que apenas três dias depois a vida me atira uma bola curva?

Isso pq Phantasy Star 2 não é apenas um jogo de 1996, na verdade ele é um jogo de 1989 relançado pela Tec Toy em português em 1996 - o que torna essa analise bem tricky. Quer dizer, para os padrões de hoje é óbvio que PS2 é um jogo simplório, grinding e dificil demais não de uma forma boa... só que para 1996 era também. Em 1996 já tinhamos tido jogos como LUNAR: The Silver Star StoryEARTHBOUND ou FINAL FANTASY 6. Mesmo se eu for analisar como um jogo de 1996, Phantasy Star 2 é um jogo bem datado. Só que para um jogo de 1989 ele é bem avançado, incrívelmente avançado na verdade.

Então... como eu analiso essa coisa, exatamente? Bem, eu vou fazer o que eu sempre faço: o melhor que eu puder.


Lançado no Mega Drive no Japão em março de 1989, pouco mais de um ano após seu antecessor do Master system, Phantasy Star foi o primeiro RPG no novo console doméstico da Sega. E com efeito, o primeiro RPG feito em um poderoso console de 16 bits!

O salto de capacidade do Mega Drive para o Nintendinho é colossal, gargantuesca, pantagruelica. Para o Master System então, chega a ser piada. Dessa forma, em seu lançamento Phantasy Star 2 foi o maior e mais avançado RPG do mundo e isso é algo que se nota: embora a viagem entre planetas seja menos recorrente do que no primeiro jogo, o mundo de PS2 é enorme, suas dungeons desafiadoras como nunca antes visto e a quantidade de variabildade, habilidades, opções e toda sorte de gimmick no jogo é algo sequer imaginavel até então.

Phantasy Star II até parece ter um visual palha quando comparamos com outros jogos do console, mas então este título faz parte da primeira leva de games para o Mega e para a época era impressionante.

Tem uma personagem ladina, por exemplo, que se ela estiver na sua party sempre que você sair de uma loja ela tem uma chance de roubar alguma coisa da loja (e vc ganhar o item di gratis). Isso é uma mecanica minuscula dentro do jogo, mas ele fica rodando esse processamento condicional o jogo inteiro e é algo que nem fodendo de mertiolate seria capaz de fazer no NES ou no Master System - ia tirar a memória pra isso da onde, da senhora sua mãe?

Pouco surpreendentemente, Phantasy Star II recebeu elogios efusivos quando foi lançado, com seu tamanho épico e escopo sendo elogiados a exaustão. Em uma época em que o normal jogos terem meia hora de conteúdo (artificialmente alongados pela dificuldade), as dezenas de horas que seriam necessárias para vencer este jogo ofereciam um contraste gritante e um custo-benefício inimaginável para 1989! 

E seriam horas suadas, pq PS2 não tem a menor vergonha de arrancar o seu coro com uma pedra pome enferrujada. A própria Sega sabia disso, pq o jogo originalmente vinha com um mapa do mundo e um livro de dicas de 110 páginas que era basicamente um detonado.


E acredite, esse guia é obrigatório para jogar esse jogo. As masmorras são labirintos confusos de teletransportadores, com o cenário cheio de tralha na frente da tela ao ponto que é dificil identificar o que é parede e o que é apenas cenário - tem todo tipo de por canos no teto e coisas assim na sua frente. E olha que eu nem comecei a falar das dungeons que vc tem que subir um andar, descer no outro lado para subir em outra parte!

O resultado é que explorar as dungeons para fazer um mapa mental de por onde andar nos labirintos é bem complicado não apenas por causa dos designs confusos mas também que as dungeons tem uma taxa de encontro de batalha aleatória punitiva em que os inimigos sempre batem bem pesado não importa o quão upado você esteja.


Conforme implementado aqui, em uma analise moderna, o design das masmorras são feitas para serem uma batalha de atrição contra os recursos do jogador. Como basicamente não existem itens de recuperar mana (até tem, mas vc não pode comprar então é só os que acha), a sua run na masmorra se resume ao quanto seu HP aguenta ir andando e tomando lasca de dano uma batalha aleatória após  a outra. Junte isso a navegação cega (sem minimapa, por exemplo) e a dependência de teletransportadores (que te mandam para um lugar da dungeon que vc não tem ideia de onde está e tem que mapear na sua cabeça). 

Em vez de criar puzzles criativos ou designs interessantes, os desenvolvedores decidiram tornar essas áreas absolutamente enormes. Para piorar as coisas, as masmorras geralmente apresentam toneladas de elevadores, portas e caminhos sem saída. A Torre de Controle é absolutamente infame com nada menos que cinquenta caminhos diferentes.

Para tornar a exploração mais dificil, a camera não centraliza na party então para explorar vc tem que ir até os lugares ao invés de olhar - o que gera passos a mais, e cada passo significa mais encontros aleatórios

Como eu disse, Phantasy Star é um jogo cujo grande cerne do jogo é o dungeon crawling, e o dungeon crawling joga duro com seus recursos sem piedade.

O combate em si não tem muita profundidade, o grande diferencial aqui é que algumas magias ou armas afetam inimigos individuais, enquanto outras miram em grupos de inimigos e... é isso, basicamente. Como eu disse, para os padrões de 1996 é bem simplório.


Existem outros tipos de magias, mas a real é que o dano das magias não é muito melhor que o dos ataques fisicos e toda sua mana vai ser usada em magias de cura para extender sua run na dungeon, então meio que não importa realmente.

Como esperado, o grinding é um requisito aqui e o jogo não é timido nisso. Toda vez que você chega a uma nova cidade, há novos equipamentos vendidos a preços bem altos. Por causa disso, você passará a maior parte do tempo grindando nesse jogo. Além disso, toda vez que você chega a uma nova área no mapa do mundo, a dificuldade de batalha tende a aumentar significativamente. O lado bom é que vc ia precisar grindar por causar do dinheiro mesmo, então ganhar niveis ia acontecer de uma forma ou de outra.


Eu sou uma daquelas pessoas que realmente tem tolerancia com grinding, mas não tem como negar que PS2 é assustador nesse sentido. Em uma nota não relacionada, o jogo não oferece descrições de itens/feitiços, e você nunca saberá qual arma/armadura é mais poderosa, a menos que esteja seguindo o guia do jogo. Todos esses elementos juntos fazem de Phantasy Star II um jogo bastante confuso e inclementemente difícil.

Mas... isso é uma coisa ruim? 

Verdade que essa não é a pior taxa de encontro que eu já vi na vida (né, BREATH OF FIRE 2?), mas carai véi, dá um refresco

Então, essa é uma pergunta complicada de responder. Se formos considerar que a Tec Toy traduziu e relançou esse jogo em 1996, Phantasy Star 2 é um jogo muito duro para o seu tempo. Quer dizer, sério, esse relançamento aconteceu depois de TRIALS OF MANA, então a idade do projeto pesa muito.

A cura, por exemplo, destaca a navegação arcaica dos menus do jogo: leva meia dúzia de pressionamentos de botão para lançar uma cura, os menus reiniciam e então vc tem que selecionar os menus tudo de novo. Depois de várias horas disso, eu conseguia curar meu grupo com os olhos vendados.

Eu não tava de sacanagem quando disse que as dungeons são poluídas visualmente

E toda essa dureza é sobre uma história e personagens que são pouco mais do que uma estrutura, com orientação básica no início e conversas de frase única com NPCs preenchendo o contexto e a direção. Quer dizer, não que o PHANTASY STAR original fosse uma novela russa, também era bem seco nesse sentido de ser pouco mais do que o básico do básico, mas o jogo definitivamente não se compara aos RPGs de 1996.

ENTÃO ESSENCIALMENTE VC ESTÁ DIZENDO QUE O JOGO É RUIM.

Não, eu disse que em 1996 tem coisas melhores e mais suculentas para afundar o seu tempo se vc quer gastar o seu tempo. Mas Phantasy Star 2 é um RPG de 1988, e isso é algo que eu também não posso ignorar.

Honestamente, se eu fosse uma criança da época adolescente quando Phantasy Star II foi lançado, eu teria caído com força pra dentro dele. Considerando o que agora eu olho e vejo em sua falta de confortos um tremendo turn-off, em 1989 eu provavelmente ficaria emocionado em explorar masmorras por horas a fio com o livro de dicas ao meu lado, vendo o grupo ficar mais forte a cada batalha. Porque em 1989 RPGs de videogame eram isso, e analisando por como as coisas eram feitas na época PS2 é um jogo bem acima da média.

Sério, nada diz mais "anime dos anos 80" do que esses cabelos

O cenário sci-fi era algo incomum para o genero, e definitivamente os designs dos personagens obviamente inspirados em bandas de anime e hair metal dos anos 80 são algo eu teria me apaixonado quando esse jogo fosse lançado porque ele é muito diferente de tudo que havia até então... e honestamente, acho que até hoje eu não acho que tenha um RPG que represente tão bem essa estética de anime dos anos 80.

Além disso outras coisas que pareciam velhas e problemáticas em 96, em 89 era apenas como se fazia as coisas e o livro-tutorial que vinha com o jogo não pode ser desconsiderado como parte da experiencia.  Todo lore, cenário, fraquezas elementais dos monstros são coisas que parecem que você tem que tirar da bunda jogando e isso é muito ruim. Não, sério, como diabos eu deveria saber que o Fiend Tortuguita é vulnerável contra eletricidade se não tem como eu descobrir isso jogando? De que adianta ter essa porra no jogo então?


A resposta: está tudo no manual. O manual do jogo é um companion book que tem todas as informações que não couberam na memória do cartucho, e com isso a Sega tinha todo espaço que precisava para fazer um mundo tão expansivo e com tanta variedade de inimigos - sério, acho que não tem duas dungeons com os mesmos inimigos, e tem várias delas no jogo. 

O mesmo vale para as dungeons ensandecedoras: em 96 uma dungeon não ter um minimapa já era ruim, não ter sequer um mapa então doia muito na bunda. Porém em 89 você fazer seus proprios mapas era parte da experiencia RPG do jogo. Ir em uma dungeon e voltar pra cidade com o rabo entre as pernas pq sua mana acabou e vc não consegue mais curar não era visto como perda de tempo, era parte de informação que você conquistou! Um pedacinho a mais do mapa que vc desenhou no seu caderno! Foi uma conquista!

E nesse caso mesmo isso era opcional aqui, pq os mapas vinham no hint book. Então PS2 tem a arquitetura de um RPG old school, mas não necessariamente te obriga a jogar como um, o que é muito cool por parte da Sega!


O grinding, mesma coisa: não era visto como um empecílio para você jogar o jogo, aquele ERA o jogo! E tendo isso em mente, Phantasy Star faz muito mais do que o seu tipico Final Fantasy ou Dragon Quest da época que eram essencialmente só dungeon e grinding. Phantasy Star realmente se esforça para ter cutscenes no Mega Drive e se esforça para ser dramático as vezes. Consegue? Hã, para 89 não fica atrás de um NINJA GAIDEN da vida (que era o parametro para cutscenes, até então). Só que mais bonito tanto pela estética já citada, como quanto o Mega Drive era melhor que o Nintendinho e o Master System.

PS2 é um jogo que envelheceu terrivelmente mal, mas em sua época era um state of art do que era possível fazer em um jRPG. Então qual o critério justo para se analisar o jogo?

Essa opinião nem é só minha na verdade, a própria Tec Toy admite que PS2 arrancava seu couro sem piedade



Enquanto eu não sei responder isso, o que eu sei responder é que se eu fosse a Tec Toy teria traduzido PHANTASY STAR 4: The end of Millenium, lançado um ano antes e esse sim é um jogo a par dos seus contemporaneos da época. Talvez sem o mesmo brilho, sem o schutzpa dos titulos mais famosos, mas definitivamente é um jogo que não faria feio em 1996.

Mas hey, isso é apenas o que eu faria... e o que eu sei das coisas realmente?

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 103 (Maio de 1996)




MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 025 (Abril de 1996)


Edição 027 (Junho de 1996)