quinta-feira, 12 de maio de 2022

[#881][PS1] HERMIE HOPPERHEAD: Scrap Panic [Setembro de 1995]

Dizem as lendas urbanas da internet que durante o primeiro ano de vida do Playstation, a Sony da América tinha uma política de vetar jogos em plataforma 2D. Enquanto isso nunca foi comprovado (nunca se revelou nenhum documento ou entrevista confirmando tal ordem), olhando a biblioteca do PS1 lançada fora do Japão é uma dedução bastante razoavel.

E olhando esse jogo de plataforma 2D lançado exclusivamente no Japão no inicio da vida do Playstation 1, dá pra afirmar que a Sony tava certa nessa decisão. Quer dizer, se eu visse o Playstation em 1996 rodando esse jogo que é essencialmente um jogo de Mega Drive meu interesse pelo novo console de uma empresa sem experiencia no ramo seria zero absoluto armadura de ouro de aquário.

Verdade que esse jogo faz algumas coisas que o Mega Drive (ou mesmo o SNES, para esse proposito) se embananaria em executar. Mas não é nada muito radical não, em essencia esse é mesmo um jogo de Mega Drive e que não controla exatamente nem como os melhores jogos de Mega Drive... mas chegaremos a isso.


Nossa história começa começa com o que os japoneses de 1996 era um dia comum em Nova York, quando um menino que tenta ao mesmo tempo ser o Coringa e ser descolado chamado Hermenegildo Saltacabeça, que está dando um role descolado pq é o que todos os garotos americanos descolados faziam.


Então Hermenegildo tava lá, de boas na lagoas, olhando seu relógio descolado mostrando que ele não se importa (como cabe aos garotos descolados) quando um ovo salta do lixo. Não apenas um ovo qualquer saltador do lixo como acontece todos os dias com tantos de nós, entretanto, mas um ovo com perninhas e bracinhos.

O que deve ser uma coisa normal nos US and A, eu sei lá.


Por algum motivo o ovo se joga de volta no lixo da onde ele veio... ou Hermenegildo jogou ele no lixo - o que seria uma reação razoavel, embora a reação dele a seguir não condiz com isso. Seja como for, Hermenegildo tem o pior senso de equilibrio do mundo e cai pra dentro do lixo... o que me  faz temer pela vida cotidiana desse menino, alguém sem coordenação motora assim deve ter sérias dificuldades na vida.

Mas hey, não é como se a gente fosse usar alguém mangolão assim pra um jogo de plataforma que exige reflexos relampagos e... oh, shit... bem, agora vc tem que trazer o gostosão ae de volta pra casa pra ele morrer caindo em um bueiro ou algo assim, e essa é a história do jogo.


Mecanicamente, o jogo é um jogo de plataforma que tenta ser um clone de SUPER MARIO WORLD (sério, o world map entrega logo de cara) que flerta perigosamente com os eurojanks que compõe 87% da biblioteca do Mega Drive. Você corre (rapido demais), pula na cabeça dos inimigos (com um hit detection que parece estar sempre jogando contra você) e... coleta ovos, pq alguém claramente jogou SUPER MARIO WORLD 2: Yoshi's Island e voltou cheio de ideias.

Porém embora sair por aí sendo seguido por ovos pareça muito com SUPER MARIO WORLD 2: Yoshi's Island, na verdade eles são seus companions que são a "mecanica diferenciadora do jogo".
O que rola aqui é que os ovos tem dois modos de jogo: o modo de apenas seguir, em que eles apenas te seguem e nada mais (uau, eu tenho um phd pra escrever esses textos, vai dizer). No outro modo (você alterna entre eles apertando um botão) você "solta" eles, e os ovos andam pela tela coletando estrelas por onde passam e derrotando inimigos as vezes.



PARECE BOM, EXISTE ALGUM MOTIVO PELO QUAL VC NÃO ANDARIA COM OS OVOS SOLTOS O TEMPO TODO?

Além do grande marketing da indústria das cuecas, sim, existe. O que rola é que enquanto os ovos estão no modo solto eles podem morrer se cairem em buracos, então vc só pode soltar eles em uma parte plana (o jogo até coloca placas na fase avisando para recolher os seus ovos). O que parece simples na teoria, porém é nessa parte exatamente que o jogo dá um tiro no pé da sua proposta.

Isso pq os ovos tem uma certa IA para perseguir inimigos e evitar obstáculos básicos, mas é uma IA terrivelmente limitada e você não realmente pode contar com ela pra nada. Então a única forma segura de não perder os seus ovos é você mudar para o modo seguir: isso faz os ovos voltarem a ficar invulneraveis.



NÃO PARECE RUIM, VOCÊ MUDA O MODO, OS OVOS VOLTAM PRA VOCÊ E VOCÊ CONTINUA O JOGO.

Hã, eu não disse que os ovos voltam pra você em nenhum momento. Eu disse que eles congelam onde estão, e se vc quiser eles de volta você tem que ir atrás deles e tocar eles de novo.

EM UM JOGO DE PLATAFORMA QUE É DIFICIL NAVEGAR PRA CIMA E PRA BAIXO PELA PROPRIA NATUREZA DO JOGO?

Sim.

OVOS QUE SAEM ANDANDO PELA FASE COM SUA PRÓPRIA IA?

Isso.

ENTÃO A COISA MAIS PRÁTICA A SER FEITA É IGNORAR OS OVOS E APENAS JOGAR A FASE SEM LEMBRAR QUE ELES EXISTEM?

Correto.

ISSO PARECE TERRIVELMENTE COM THE ADVENTURES OF KID KLEETS, SABE?

Sono toori, Jorge! Sim, a sensação de jogar esse jogo é estar jogando THE ADVENTURES OF KID KLEETS só que a bola tem a sua própria IA e não apeans sai andando por conta própria, como pode cair em um buraco e morrer.



Olha caras, eu entendo, ter um sidekick IA andando pela tela e salvando seu bacon é realmente legal no papel e nas raras vezes que efetivamente acontece, mas não é isso que acontece durante  98,49% do tempo em tela.

Para adicionar ofensa a injúria, perder os ovos dói muito (( ͡◉ ͜ʖ ͡◉) ) pq vc investe as estrelas que coleta para evoluir eles. Conforme eles evoluem sua IA melhora e eles ganham habilidades dependendo da sua espécie - o dragão voa e cospe fogo em inimigos fora do alcance, a tartaruga pode ser chutada como um casco do Mario, o pinguim gera estrelas com todos inimigos que mata - mas evoluir eles é muito caro.



Evoluir de ovo para pintinho custa 100 estrelas, de pintinho para galinha custa cerca de 800 e de galinha para galinha suprema (o visual não muda, apenas seus stats melhoram) é por volta de 2000. Pode ser mais dependendo da espécie. Só que sabe quantas estrelas você coleta por fase? Em média de 300. Então leva por volta de três fases para você ter evoluir galinha... e perder ela depois de soltar por 5 segundos dói bastante. A recompensa definitivamente não compensa o risco.

MAS SE SOLTAR OS BICHOS NÃO COMPENSA, ENTÃO PRA QUE ADIANTA TER ELES?

Na pratica, esses animais funcionam como o Yoshi em SUPER MARIO WORLD: quando você é atingido, você fica atordoado e o bicho sai correndo como se você tivesse soltado ele. Você precisa então dar o comando para parar eles e ir buscar o bicho, pq se vc for atingido enquanto está sem nenhum animal ou eles estão no modo "solto", você morre. 

DEIXA EU VER SE EU ENTENDI: ENQUANTO OS ANIMAIS ESTÃO NO MODO SOLTO ELES PODEM MORRER CAINDO EM UM BURACO, VOCÊ FICA VULNERAVEL E PODE SER MORTO, A IA NÃO AJUDA TANTO ASSIM A DERROTAR OS INIMIGOS, SE VC QUISER USAR ISSO REGULARMENTE E INVESTIR EM EVOLUIR OS BICHOS O CUSTO É ALTO E SE VC QUISER VOLTAR PARA O MODO DE SEGUIR VC TEM QUE CORRER ATRÁS DELES?

Isso tudo e mais que em alguns momentos você precisa estar com os três animais com você para ativar algumas plataformas. Então, sim, eles criaram uma "mecanica diferenciadora" e então montaram o jogo de modo que você tenha todos os motivos e razões para nunca, jamais, sob hipotese alguma usar ela. 


As areas que tem essas placas, vc precisa dos três bichos contigo para seguir adiante

... exceto que o jogo te força a usar mesmo assim enchendo a tela com tanto inimigo que vc precisa soltar os bichos na esperança que eles limpem um pouco a tela para você conseguir avançar... mesmo com os problemas acima descritos. Então, é, você nunca está em uma boa posição nesse jogo.

O jogo ainda tem alguns quebra-cabeças legais projetados em torno dessa mecanica dos companions, como um túnel cheio que você caminha por cima enquanto seus animais seguem por baixo para ativar uma alavanca. Ou pelo menos essa é a ideia, mas como você não pode controlar o comportamento deles, é provável que eles façam qualquer coisa menos o que você quer.


O resultado disso tudo é que como a mecanica diferenciadora é cancelada por toda e cada decisão de design desse jogo, o que mata o jogo é que no fim ele se resume a um jogo de plataforma comum só de correr e pular... e nisso a dificuldade excessiva e a pura frustração de se arrastar pelos níveis destroem completamente qualquer esperança de diversão. 

Olha, eu entendo, jogos de plataforma podem ser difíceis, mas enquanto algo SUPER MARIO WORLD 2: Yoshi's Island (uma das grandes inspirações desse jogo, afinal) é difícil por causa do posicionamento inteligente de inimigos em uma fase bem desenha, exigindo pensar antes de agir e habilidade, Hermie Hopperhead é difícil simplesmente porque os designers entupiram tantos inimigos na tela quanto o sistema poderia suportar. Sério, tem muitos e muitos e muitos momentos que é apenas ridículo. Algumas partes do jogosão, sem exagero, seções de uns 30 inimigos marchando em sua direção como um tapete da morte. Adicione a isso bolas de espinhos rodopiantes, faíscas elétricas voadoras, pneus saltando e armadilhas precárias, e você tem um desastre de desequilíbrio. 


Ainda mais irritante é que às vezes você é obrigado a dar saltos cegos de fé em meio a essa bagunça, e há ocasiões em que uma linha de estrelas guia seu caminho – exceto que em vez de guiá-lo para a segurança, as estrelas o guiam diretamente para um buraco da morte. Por que qualquer designer faria algo tão contra-intuitivo e totalmente filho da puta? Se tem algo que grita amadorismo em um jogo é quando o designer acha que está jogando contra o jogador e tem que vencer ele a qualquer custo, e não conduzindo ele através de uma experiencia.

Também vale a pena mencionar a música, todas as cinco faixas dela. Para ser justo, as músicas são realmente boas, com um toque jazzístico de ragtime. Infelizmente, não é exagero dizer que para os cerca de 100 níveis em Hermie Hopperhead, cada um deles toca exatamente a mesma música. Não importa se você está debaixo d'água, em um deserto, balançando em uma selva ou lutando em uma tempestade de neve, é exatamente a mesma música repetida até você perder a sanidade. Ironicamente, se você for ver a trilha sonora, ela tem 34 faixas, a maioria remixes imperceptíveis das mesmas cinco músicas para as mais de 100 fases do jogo.


A equipe tinha os recursos e a oportunidade, então, de uma maneira engraçada, é incrível o quão sem diversão eles conseguiram tornar esse jogo. Ele tem ideias legais, parece legal, tem controles funcionais (perto demais do lado Amiga do espectro, mas funcionais), algumas boas ideias de quebra-cabeças envolvendo seus amigos animais e um sistema de moedas para colecionáveis ​​​​para evoluir seus companions - que tem habilidades diferentes até...

No papel, tudo parece incrível e, no entanto, a combinação desses elementos acaba parecendo apenas sem inspiração e desnecessariamente irritante. Hermie Hopperhead é um jogo legal no papel, mas na prática é um jogo medíocre de Mega Drive usando os recursos do Playstation para exponenciar seus defeitos.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 025 (Abril de 1996)