quinta-feira, 5 de maio de 2022

[#875][ARC/NEO] VOLTAGE FIGHTER GOWCAIZER [Setembro de 1995]

É como diz o velho e conhecido ditado: se você fracassar na primeira vez, tente novamente para fracassar mais ainda na segunda. Bem, talvez não seja isso exatamente o que o ditado diz, mas eu gosto mais do meu jeito.

Seja como for, a Technos entrou no mapa do mundo dos videogames ao ter praticamente inventado o beat’m up com RENEGADE (ou Nekketsu Kōha Kunio-kun no Japão) e posteriormente mais ainda com DOUBLE DRAGON.

Porém se tem algo que a Technos aprendeu ano após ano é que o genero que a consagrou no mundo dos videojogos não estava indo a lugar nenhum e eles tinham que acertar a mão em um genero com mais futuro pela frente. Ou seja, eles tinham que acertar a sorte com jogos de luta que era o grande furor dos arcades na época... como é bem fácil de ver nesse blog.

A primeira empreitada da Technos nos jogos de luta foi DOUBLE DRAGON, que é um jogo de luta... surpreendentemente decente. A pior coisa que pode ser dita desse jogo é que ele é baseado no filme tenebroso do Koga Shuko (e se você sabe o que isso significa, que Deus tenha piedade da sua alma) e, pior ainda, ele foi lançado não muito longe do horrendo DOUBLE DRAGON 5: The Shadow Falls que é baseado no não menos horrendo cartoon de Double Dragon) que foi feito por outra empresa e é muito fácil achar que os jogos são relacionados.

Bem, o que importa pra esse texto é que o arcade original da Technos foi okay... mas eles queriam mais do que do que “ser apenas mais um”, e para bater de frentes com os titãs da indústria como a Capcom ou a SNK eles obviamente precisavam de um diferencial. Mas qual?


É exatamente nesse ponto que entra a figura de Masami Obari. Para aqueles que não estão tão familiarizados com o cenário dos animes nos anos 90 ou que tomaram sol e interagiram com seres humanos reais nos ultimos meses, me permitam ilustrar quem é Masami Obari: basicamente, quando você pensa nos OVAs dos anos 90, muito provavelmente você está pensando nele.

Personagens com traços finos, narizes pontudos, mechas muito bem desenhados e fanservice em cada pixel que caber na tela... ou seja, o que por muito tempo foi reconhecido como “o que anime é” é basicamente o estilo de Masami Obari. Embora ele não tenha dirigido tantos animes assim, ele foi ilustrador chefe em Bubblegum Crisis, Silent Mobius, Detonator Orgun, Gunbuster, MD Geist, Iczer-1...

Detonator Orgun

Como dá pra ver, a US Manga Corps (que era uma distribuidora americana que trazia animes menos... family friendly... para o ocidente, eu falei deles no texto de BATTLE ARENA TOSHINDEN 2) gostava muito do estilo dele. Com efeito, Masami Obari é mais conhecido pelas adaptações de jogos de luta da SNK lançadas pela US Manga, em especial FATAL FURY: The King of Fighters e SAMURAI SHODOWN.

Por isso parecia uma escolha segura para a Technos dar a criação de personagens na mão dele - se ele era uma figura chave nos animes e tinha experiencia em trabalhar com adaptações de jogos, daria certo... né?

Ickzer-3

... né? Então...

Eis a coisa: Masami Obari é conhecido, acima de tudo pelo seu amor por fanservice. Eu sei que em animes isso é algo até que esperado, mas você não está realmente me entendendo: isso é uma policial normal em um anime dele...

... e isso é uma cena normal de discurso:

... então ter Masami Obari como encarregado de criar os personagens e o anime de desenvolvimento da história (nesse caso o OVA foi feito junto com o jogo, não depois que ele já estava estabelecido) é... hã... algo que totalmente chamaria atenção, eu tenho que dizer. 

Por exemplo, a capa do DVD do OVA é essa:


... é, isso é bem diferente do que estavamos acostumados com os jogos de luta daquela época... ou mesmo hoje. Então, é, eu diria que o jogo tem o diferencial que a Technos queria... embora eu não tenha certeza se é ESSE diferencial que eles tinham em mente...

Nossa história aqui se passa no longinquo e futurista ano de 2017 (lembre-se que esse é um jogo de 1996), anos depois que um terremoto destruiu toda a região de Kanto no Japão em 1999. Como consequencia, o Japão mudou seu governo para uma ilha artificial flutuando no centro da baía de Tóquio que inundou a porra toda. Porque é claro que construir uma ilha artificial apenas para manter a capital no mesmo lugar era a saída mais simples.

Shots do vilão mexendo peças de xadrez apenas para parecer inteligente, check

Seja como for, a vida na nova capital é boa: um computador central controla a segurança pública, o tráfego e todas as outras funções governamentais na ilha, sendo que sua principal atração é que meio da ilha existe uma enorme escola chamada Instituto Nacional Belnar com mais de 105.400 alunos. Eu não sei pq esse número especifo de 105400, mas não fui eu que inventei isso.

Seja como for, é claro que se tudo estiver muito bom e muito bem não vai ter história nenhuma, então de repente atos malignos indescritíveis (embora sejam apenas robos gigantes aleatórios na verdade) começam a atormentar a vida da ilha artificial, apesar de supostamente estar sob o controle completo do computador central. Muito curiosamente, todos os incidentes começaram depois que um novo diretor foi designado para o Instituto Nacional Belnar e algumas pessoas levantam rumores que essas duas coisas podem estar relacionadas, mas não é como se pudesse provar alguma coisa e vida que segue.


Porém o que é realmente relevante para a história é que um estudante chamado Isato Kaiza começou a enfrentar essas forças malignas usando uma pedra mágica que um dia ele apareceu com ela no Instituto Nacional. Este cristal, a Pedra Kaizer, amplifica a energia de luta, transformando Isato no Herói Ardente... Gowcaizer!

E, como você já pode imaginar, eventualmente mais pessoas surgem portando pedras Kaizer para se transformar em guerreiros só que elas não estão tão bem intencionadas quanto nosso herói. Agora, quem está por aí distribuindo pedras Kaizer como se fosse bala? E com que objetivo? O que nossos protagonistas pretendem conseguir com seus poderes transformatórios? Porque todos os homens se transformam em formas com roupas e as mulheres ficam seminuas?

Dude, what? Pq tu tá fazendo cosplay de Gambit com ombreiras de WoW enquanto tá sem camis... ah, eu desisto

Todas essas respostas ficaram de ser respondidas no OVA lançado junto com o jogo... e "ficaram de" é uma definição muito boa do que aconteceu, porque o anime não realmente faz muito sentido. Eu quero dizer, literalmente: isso que eu descrevi acima eu tirei da internet, pq eu assisti esse anime e... posso te garantir que o espectador basicamente não tem ideia do que está acontecendo, porque está acontecendo e nem de onde está acontecendo! 

Esse anime não informa nada ao espectador, é como um episódio filler de um anime popular, pq ele apenas assume que nós sabemos as coisas! Olha, quando eu falei de BATTLE ARENA TOSHINDEN 2 e seu anime respectivo, eu disse que era um erro assumir que o espectador conhecia personagens de uma franquia menos popular dos jogos de luta - Toshinden definitivamente não é Street Fighter ou Mortal Kombat, isso é um fato. Só que Toshinden já era um jogo que existia, as pessoas sabiam o minimo sobre ele! É o segundo jogo afinal!

Sim, tem uma cena que é apenas a chamada... e o professor fica dizendo nomes aleatórios por quase um minuto inteiro. Gowcaizer, senhoras e senhores

Mas Gowcaizer não, esse anime deveria introduzir os personagens e o cenário para o PRIMEIRO jogo e o que acontece é que espectador fica basicamente sozinho para imaginar o que diabos está acontecendo (o que, novamente, é quase impossível assistindo ao anime em si!). Pessoalmente, eu entrei no anime sem ter lido a Sinopse e se não tivesse parado pra ler na metade, provavelmente ainda não teria ideia do que se trata! 

De qualquer forma, mesmo que o espectador saiba do que se trata o anime... isso realmente não ajuda muito a entender o que está acontecendo! O ritmo é absolutamente horrível em todos os sentidos! Na maior parte do tempo ele é arrastado como se fosse a coisa mais interessante do mundo ver o cotidiano daqueles personagens que sequer conhecemos, e então do nada ele fica rushado ao ponto de ser entender o que exatamente está acontecendo.

É claro que o cachorro... é claro...

Cada plotpoint parece jogado completamente aleatório. Ssério, se alguém do nada disser para outra pessoa "os puporronis estão alinhados no eixo de Ley" e isso jamais for mencionado novamente... é basicamente como as coisas funcionam por aqui, porque nada recebe qualquer explicação ou parece ter um proposito maior do que ser citado. 

E isso resume muito bem todo o anime, não tem uma única coisa no show que pareça conectada a outra, das cenas aleatórias de transformação de Mahou Shounen, até as interações dos personagens, tudo parece que caiu de paraquedas de animes completamente diferentes e por algum motivo foi costurado numa coisa só - tipo quando os Estados Unidos transformaram três animes diferentes em Voltron ou Patrulha Estelar, só que piorado.


E o que você consegue entender... é absolutamente genérico. Qualquer ponto da trama que fique um pouco claro compreensível é algo que você já viu (muito melhor feito) em qualquer outro anime do genero! Dos Power-ups Shounen, aos temas pseudo-filosóficos de como a humanidade é malvada, que são tocados uma vez e nunca mais, aos arquétipos de personagens usados... you know the drill. 

Os personagens aqui sofrem exatamente dos mesmos problemas que a "narrativa", eles muitas vezes agem incrivelmente ilógicos ao ponto que você não consegue entender pq eles fazem o que estão fazendo, e o que você consegue entender é extremamente unidimensional.

Eu não faço ideia do pq esse cara usa sutiã esportivo em casa. Quer dizer, se é o que ele gosta tudo bem, mas eu tenho bastante certeza que a intenção da cena não era essa...

Temos o típico personagem principal shounen que na verdade não quer matar ninguém, mas é obrigado a lutar contra sua vontade, o típico interesse amoroso sem noção… o anti-herói que parece ser mal no começo, mas no final acaba sendo o mocinho e assim por diante e assim por diante, você entendeu. 

Olha, em geral eu realmente não tenho problemas com arquétipos de anime, desde que sejam bem usados, mas neste caso eles definitivmaente não são. As interações dos personagens são dolorosamente ruins e não há um único caso de diálogo que seja um pouco bem escrito ou interessante, isso quando de repente eles dizem algo que não se encaixa em nada com o personagem apenas para avançar na trama e às vezes nem por isso, mas apenas para ter um momento chocante de traição, ou para dizer uma frase de efeito (que deve ficar bem no trailer).


E, suponho que eu não precise dizer a esse ponto, mas apesar de ter três OVAs de meia hora o desenvolvimento do personagem é inexistente, embora eu duvido que alguém espere isso de animes de jogos de luta, e definitivamente não desse aqui.

Eu dou crédito ao anime por pelo menos tentar desenvolver os personagens, o que muitos nem tentam fazer, mas eu não diria que do nada eles agirem completamente diferentes seja o ponto... e eu quero dizer do nada mesmo, de uma cena para outra ao ponto que vc se pergunta se perdeu alguma coisa. Isso, é claro, tirando o fato que tipo 90% do elenco literalmente não parecem ter nenhum propósito a não ser mostrar sua pele e virilha e balançar seus peitos.

Masami Obari em seu ápice

A animação de Voltage Fighter Gowcaizer foi feita pela J.C. Staff (assim como Toshinden havia sido) e vamos dizer assim... não é exatamente onde o PIB do Japão foi gasto, dá pra dizer isso. É bem óbvio que o OVA foi bastante Low-Budget e por isso, e considerando que é dos anos 90 (onde animação ainda era feita a mão e por isso muito mais cara, de modo que uma animação barata era pior ainda do que é hoje), não parece tão ruim quanto poderia ser. Não é algo que pode ser chamado de bom, mas eu esperava pior. 

Verdade, tem uma tonelada de cenas no anime que a animação em si não é fluída o suficiente, mas normalmente as cenas de luta são animadas decentemente. Pelo menos isso, se você gosta de cenas de luta de animes com personagens que você não conhece lutando por coisas que sequer são explicadas... bem, aqui tem algo para você gostar pelo menos. Bem, isso e closes intrauterinos das mulheres quase o tempo todo, se é o que você procura.

E a mocinha salva o di... é, o que eu estava esperando...

No final, Voltage Fighter Gowcaizer é um dos piores OVA que eu já assisti porque mais do que ruim, ele é chato na maior parte do tempo. O enredo consegue ser  sem sentido e genérico ao mesmo tempo, uma combinação de coisas ruins que eu nem sabia que era possível, mas de alguma forma esse anime aparentemente provou que é muito possível fazê-lo. Não existe conexão entre nenhum dos pontos da trama e o ritmo é absolutamente horrível. O mesmo vale para os personagens que, que conseguem ser sem sentidos e genéricos ao mesmo tempo devido a estereótipos genéricos e alguns dos desenvolvimentos mais repentinos e sem sentido em toda a história dos animes.

Eu não consigo pensar em de bom nessa série OVA e se é isso que a Technos esperava usar para vender o hype do seu novo jogo de luta, tal qual o filme do Double Dragon... taqueopareo, cês tem o dedo podre, heim galera?



Porque vendo esse anime ninguém iria querer chegar a menos de 15 metros desse arcade, o que eu não posso dizer que é uma pena pq o jogo de luta nenhuma obra prima, mas definitivamente seria injusto pq o jogo vendido por essa bomba animezistica definitivamente tem alguns méritos que valem a pena ser conferidos - se mais nada, pelo menos ideia boas que poderiam ser usadas em jogos melhores.

Porque não se engane: Gowcaizer veio da mesma arvore que DOUBLE DRAGON, e enquanto aquele jogo não é horrível, ele também não faz mais do que entregar o básico com segurança no mundo dos jogos de luta. O mesmo pode ser dito de Gowcaizer, que na letra fria da lei é um jogo básico que entrega o médio esperado de um jogo de luta dessa época. Nem mais, nem menos.



Exceto, talvez, por duas coisas que definitivamente chamam atenção nesse jogo e uma delas já foi amplamente discutida aqui: o character design de Masami Obari, cuja única regra que ele recebeu da Technos é "go crazy, apenas não-hentão crazy".

Isso resulta em um dos elencos de jogos de luta mais bizarros que eu consigo lembrar, senão "O" mais bizarro (taco a taco com Power Instict e sua velha beijoqueira, talvez). Tem um cara com asas de morcego, um robô de quatro braços, um mágico, um sósia do SONIC BLASTMAN, um Kamen Rider genérico, duas fêmeas de pernas compridas e escassamente vestidas, além do próprio protagonista Gowcaizer que parece saído de um episódio de Genocyber. Pra vc ter uma ideia, um dos chefes são dois irmãos (que também são amantes, because anime) fundidos em um único corpo!



Okay né... seja como for, é bastante legal que como o jogo tem essa temática dos personagens se transformarem com as Kayzer Stones, eles tem uma forma "civil" e então digivolvem para a sua persona guerreira no começo da luta. É um toque bacana que dá charme ao jogo.

A outra coisa pela qual esse jogo é conhecido é que seu personagem tem apenas dois golpes especiais e um desperation move (que pode ser usado quando a energia está acabando). O que parece bem pouco para a época... e é. Mas eis o truque aqui: após derrotar um personagem você pode aprender um golpe especial com ele. Você tem apenas um slot de golpe especial aprendivel, mas pode sempre ficar com o do oponente que acabou de derrotar se você quiser.



Isso é uma mecanica interessante e daria pra fazer coisas muito divertidas com elas em jogos melhores, imagine o caos de um Marvel vs Capcom com uma mecanica assim? Pena que ficou restrito a um jogo exclusivo de Arcade/Neo Geo que não é muito mais do que apenas mediano.

Ah sim, e outra coisa que chama atenção nesse jogo é o quanto os cenários são bonitos, alguns parecem saídos diretamente de um anime - o que nessa época era muita coisa. Eu gosto particularmente do cenário da Shaia, por exemplo, que tem cenas dela no anime rodando ao fundo. A trilha sonora também merece recomendação porque tem músicas cantadas em japonês, o que é algo absolutamente sem precedentes.



Então, como dá pra ver, não foi falta de esforço por parte da Technos, definitivamente. Eles contrataram um artista renomado, pagaram por um anime para desenvolver a história e os personagens, e colocaram todo o esforço da melhor das suas capacidades no jogo, das animações a trilha sonora. Só pena que "o melhor das suas capacidades" da Technos não era realmente grande coisa. 

É fácil ver porque esse jogo se perdeu nas areias do tempo. Voltage Fighter Gowcaizer é um jogo completamente mediano em jogabilidade, é bonito mas não o suficiente para se destacar do resto, tem um elemento único mas que também não é o suficiente para se destacar por si só. Valeu pela tentativa... com exceção do anime, esse não valeu pq não se aproveita nada.

MATÉRIA NA GAMERS
Edição 007 (Março de 1996)