É como diz o velho e conhecido ditado: se você fracassar na primeira vez, tente novamente para fracassar mais ainda na segunda. Bem, talvez não seja isso exatamente o que o ditado diz, mas eu gosto mais do meu jeito.
Seja como for, a Technos entrou no mapa do mundo dos videogames ao ter praticamente inventado o beat’m up com RENEGADE (ou Nekketsu Kōha Kunio-kun no Japão) e posteriormente mais ainda com DOUBLE DRAGON.
Porém se tem algo que a Technos aprendeu ano após ano é que o genero que a consagrou no mundo dos videojogos não estava indo a lugar nenhum e eles tinham que acertar a mão em um genero com mais futuro pela frente. Ou seja, eles tinham que acertar a sorte com jogos de luta que era o grande furor dos arcades na época... como é bem fácil de ver nesse blog.
A primeira empreitada da Technos nos jogos de luta foi DOUBLE DRAGON, que é um jogo de luta... surpreendentemente decente. A pior coisa que pode ser dita desse jogo é que ele é baseado no filme tenebroso do Koga Shuko (e se você sabe o que isso significa, que Deus tenha piedade da sua alma) e, pior ainda, ele foi lançado não muito longe do horrendo DOUBLE DRAGON 5: The Shadow Falls que é baseado no não menos horrendo cartoon de Double Dragon) que foi feito por outra empresa e é muito fácil achar que os jogos são relacionados.
Bem, o que importa pra esse texto é que o arcade original da Technos foi okay... mas eles queriam mais do que do que “ser apenas mais um”, e para bater de frentes com os titãs da indústria como a Capcom ou a SNK eles obviamente precisavam de um diferencial. Mas qual?
É exatamente nesse ponto que entra a figura de Masami Obari. Para aqueles que não estão tão familiarizados com o cenário dos animes nos anos 90 ou que tomaram sol e interagiram com seres humanos reais nos ultimos meses, me permitam ilustrar quem é Masami Obari: basicamente, quando você pensa nos OVAs dos anos 90, muito provavelmente você está pensando nele.
Personagens com traços finos, narizes pontudos, mechas muito bem desenhados e fanservice em cada pixel que caber na tela... ou seja, o que por muito tempo foi reconhecido como “o que anime é” é basicamente o estilo de Masami Obari. Embora ele não tenha dirigido tantos animes assim, ele foi ilustrador chefe em Bubblegum Crisis, Silent Mobius, Detonator Orgun, Gunbuster, MD Geist, Iczer-1...
Detonator Orgun |
Como dá pra ver, a US Manga Corps (que era uma distribuidora americana que trazia animes menos... family friendly... para o ocidente, eu falei deles no texto de BATTLE ARENA TOSHINDEN 2) gostava muito do estilo dele. Com efeito, Masami Obari é mais conhecido pelas adaptações de jogos de luta da SNK lançadas pela US Manga, em especial FATAL FURY: The King of Fighters e SAMURAI SHODOWN.
Por isso parecia uma escolha segura para a Technos dar a criação de personagens na mão dele - se ele era uma figura chave nos animes e tinha experiencia em trabalhar com adaptações de jogos, daria certo... né?
Ickzer-3 |
... né? Então...
Eis a coisa: Masami Obari é conhecido, acima de tudo pelo seu amor por fanservice. Eu sei que em animes isso é algo até que esperado, mas você não está realmente me entendendo: isso é uma policial normal em um anime dele...
... e isso é uma cena normal de discurso:
... então ter Masami Obari como encarregado de criar os personagens e o anime de desenvolvimento da história (nesse caso o OVA foi feito junto com o jogo, não depois que ele já estava estabelecido) é... hã... algo que totalmente chamaria atenção, eu tenho que dizer.
Por exemplo, a capa do DVD do OVA é essa:
... é, isso é bem diferente do que estavamos acostumados com os jogos de luta daquela época... ou mesmo hoje. Então, é, eu diria que o jogo tem o diferencial que a Technos queria... embora eu não tenha certeza se é ESSE diferencial que eles tinham em mente...
Nossa história aqui se passa no longinquo e futurista ano de 2017 (lembre-se que esse é um jogo de 1996), anos depois que um terremoto destruiu toda a região de Kanto no Japão em 1999. Como consequencia, o Japão mudou seu governo para uma ilha artificial flutuando no centro da baía de Tóquio que inundou a porra toda. Porque é claro que construir uma ilha artificial apenas para manter a capital no mesmo lugar era a saída mais simples.
Shots do vilão mexendo peças de xadrez apenas para parecer inteligente, check |
Seja como for, a vida na nova capital é boa: um computador central controla a segurança pública, o tráfego e todas as outras funções governamentais na ilha, sendo que sua principal atração é que meio da ilha existe uma enorme escola chamada Instituto Nacional Belnar com mais de 105.400 alunos. Eu não sei pq esse número especifo de 105400, mas não fui eu que inventei isso.
Seja como for, é claro que se tudo estiver muito bom e muito bem não vai ter história nenhuma, então de repente atos malignos indescritíveis (embora sejam apenas robos gigantes aleatórios na verdade) começam a atormentar a vida da ilha artificial, apesar de supostamente estar sob o controle completo do computador central. Muito curiosamente, todos os incidentes começaram depois que um novo diretor foi designado para o Instituto Nacional Belnar e algumas pessoas levantam rumores que essas duas coisas podem estar relacionadas, mas não é como se pudesse provar alguma coisa e vida que segue.
Porém o que é realmente relevante para a história é que um estudante chamado Isato Kaiza começou a enfrentar essas forças malignas usando uma pedra mágica que um dia ele apareceu com ela no Instituto Nacional. Este cristal, a Pedra Kaizer, amplifica a energia de luta, transformando Isato no Herói Ardente... Gowcaizer!
E, como você já pode imaginar, eventualmente mais pessoas surgem portando pedras Kaizer para se transformar em guerreiros só que elas não estão tão bem intencionadas quanto nosso herói. Agora, quem está por aí distribuindo pedras Kaizer como se fosse bala? E com que objetivo? O que nossos protagonistas pretendem conseguir com seus poderes transformatórios? Porque todos os homens se transformam em formas com roupas e as mulheres ficam seminuas?
Dude, what? Pq tu tá fazendo cosplay de Gambit com ombreiras de WoW enquanto tá sem camis... ah, eu desisto |
Todas essas respostas ficaram de ser respondidas no OVA lançado junto com o jogo... e "ficaram de" é uma definição muito boa do que aconteceu, porque o anime não realmente faz muito sentido. Eu quero dizer, literalmente: isso que eu descrevi acima eu tirei da internet, pq eu assisti esse anime e... posso te garantir que o espectador basicamente não tem ideia do que está acontecendo, porque está acontecendo e nem de onde está acontecendo!
Esse anime não informa nada ao espectador, é como um episódio filler de um anime popular, pq ele apenas assume que nós sabemos as coisas! Olha, quando eu falei de BATTLE ARENA TOSHINDEN 2 e seu anime respectivo, eu disse que era um erro assumir que o espectador conhecia personagens de uma franquia menos popular dos jogos de luta - Toshinden definitivamente não é Street Fighter ou Mortal Kombat, isso é um fato. Só que Toshinden já era um jogo que existia, as pessoas sabiam o minimo sobre ele! É o segundo jogo afinal!
Sim, tem uma cena que é apenas a chamada... e o professor fica dizendo nomes aleatórios por quase um minuto inteiro. Gowcaizer, senhoras e senhores |
Mas Gowcaizer não, esse anime deveria introduzir os personagens e o cenário para o PRIMEIRO jogo e o que acontece é que espectador fica basicamente sozinho para imaginar o que diabos está acontecendo (o que, novamente, é quase impossível assistindo ao anime em si!). Pessoalmente, eu entrei no anime sem ter lido a Sinopse e se não tivesse parado pra ler na metade, provavelmente ainda não teria ideia do que se trata!
De qualquer forma, mesmo que o espectador saiba do que se trata o anime... isso realmente não ajuda muito a entender o que está acontecendo! O ritmo é absolutamente horrível em todos os sentidos! Na maior parte do tempo ele é arrastado como se fosse a coisa mais interessante do mundo ver o cotidiano daqueles personagens que sequer conhecemos, e então do nada ele fica rushado ao ponto de ser entender o que exatamente está acontecendo.
É claro que o cachorro... é claro... |
Cada plotpoint parece jogado completamente aleatório. Ssério, se alguém do nada disser para outra pessoa "os puporronis estão alinhados no eixo de Ley" e isso jamais for mencionado novamente... é basicamente como as coisas funcionam por aqui, porque nada recebe qualquer explicação ou parece ter um proposito maior do que ser citado.
E isso resume muito bem todo o anime, não tem uma única coisa no show que pareça conectada a outra, das cenas aleatórias de transformação de Mahou Shounen, até as interações dos personagens, tudo parece que caiu de paraquedas de animes completamente diferentes e por algum motivo foi costurado numa coisa só - tipo quando os Estados Unidos transformaram três animes diferentes em Voltron ou Patrulha Estelar, só que piorado.
E o que você consegue entender... é absolutamente genérico. Qualquer ponto da trama que fique um pouco claro compreensível é algo que você já viu (muito melhor feito) em qualquer outro anime do genero! Dos Power-ups Shounen, aos temas pseudo-filosóficos de como a humanidade é malvada, que são tocados uma vez e nunca mais, aos arquétipos de personagens usados... you know the drill.
Os personagens aqui sofrem exatamente dos mesmos problemas que a "narrativa", eles muitas vezes agem incrivelmente ilógicos ao ponto que você não consegue entender pq eles fazem o que estão fazendo, e o que você consegue entender é extremamente unidimensional.
Eu não faço ideia do pq esse cara usa sutiã esportivo em casa. Quer dizer, se é o que ele gosta tudo bem, mas eu tenho bastante certeza que a intenção da cena não era essa... |
Temos o típico personagem principal shounen que na verdade não quer matar ninguém, mas é obrigado a lutar contra sua vontade, o típico interesse amoroso sem noção… o anti-herói que parece ser mal no começo, mas no final acaba sendo o mocinho e assim por diante e assim por diante, você entendeu.
Olha, em geral eu realmente não tenho problemas com arquétipos de anime, desde que sejam bem usados, mas neste caso eles definitivmaente não são. As interações dos personagens são dolorosamente ruins e não há um único caso de diálogo que seja um pouco bem escrito ou interessante, isso quando de repente eles dizem algo que não se encaixa em nada com o personagem apenas para avançar na trama e às vezes nem por isso, mas apenas para ter um momento chocante de traição, ou para dizer uma frase de efeito (que deve ficar bem no trailer).
E, suponho que eu não precise dizer a esse ponto, mas apesar de ter três OVAs de meia hora o desenvolvimento do personagem é inexistente, embora eu duvido que alguém espere isso de animes de jogos de luta, e definitivamente não desse aqui.
Eu dou crédito ao anime por pelo menos tentar desenvolver os personagens, o que muitos nem tentam fazer, mas eu não diria que do nada eles agirem completamente diferentes seja o ponto... e eu quero dizer do nada mesmo, de uma cena para outra ao ponto que vc se pergunta se perdeu alguma coisa. Isso, é claro, tirando o fato que tipo 90% do elenco literalmente não parecem ter nenhum propósito a não ser mostrar sua pele e virilha e balançar seus peitos.
Masami Obari em seu ápice |
E a mocinha salva o di... é, o que eu estava esperando... |
Edição 007 (Março de 1996)