Eis aqui um jogo que eu esperando para escrever desde o primeiro dia — bom talvez não no primeiro dia porque lá eu estava ocupado tentando resolver como fazer um jogo de MSX funcionar, mas talvez no segundo ou no terceiro. O ponto é que esse jogo é especial. Por quê? Porque a história por trás dela é tão bizarra e fascinante quanto o próprio jogo... não, na verdade a história é mais interessante do que o jogo em si e é isso que veremos hoje.
Nossa história começa em meados dos anos 90, quando a Nintendo estava ocupada limpando até mesmo o menor resquício de sangue para manter intacta sua imagem de empresa family-friendly, a Sony estava por aí fumando um cigarro atrás do outro com uma jaqueta de couro, deixando passar quase tudo — quase. Sim, essa é a história de Thrill Kill, o lendário jogo censurado de Playstation, um jogo tão bizarro, tão descaradamente depravado, que até a Sony, a irmã mais descolada da indústria dos games na época, deu uma olhada e disse: "Okay... agora isso já é ir um pouco longe demais...".
... ou ao menos, essa é a história que a internet gosta de contar. Mas a verdadeira história por trás da morte — e do renascimento bizarro — de Thrill Kill? Ah, é muito mais estranha do que isso.
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Na Europa não era permitido título com qualquer referencia a artes marciais, because Europe, então o título é algo bem mais inofensivo do que "Shaolin Style" como TASTE THE PAIN |
Nossa história começa na névoa caótica e iluminada por neon da metade dos anos 90, quando os jogos eram barulhentos, ousados e tentavam desesperadamente descobrir o que "conteúdo adulto" realmente significava. A Paradox Development (não confundir com a outra Paradox Development da série Europa Universalis ou a Paradox Interactive da série Age of Wonders... aparentemente esse é um nome mais comum pra uma desenvolvedora do que eu imaginava) um estúdio pequeno, mas ávido, originalmente planejava lançar um jogo chamado Earth Monster — um híbrido bizarro de luta e esportes antigos, imerso na mitologia asteca.
A jogabilidade principal era inspirada no pock-ta-pok, um jogo de bola mesoamericano que realmente existiu (e ainda existe, na verdade) e que basicamente se parece com basquete se esse tivesse sido criado pelos criadores de Mortal Kombat. Se você já viu The Road to El Dorado, sim, é exatamente aquele esporte:
A Virgin Interactive gostou do que viu e bancou como publisher, acreditando que poderia ter uma propriedade intelectual única em mãos. Mas, à medida que o desenvolvimento avançava lentamente entre 1996 e 1997, os executivos da Virgin recuaram em relação à questão dos "esportes". Começaram a pressionar por mais violência, mais lutas e menos referências culturais — porque, ei, sangue vende, certo? Eventualmente, a Virgin decidiu cortar totalmente a coisa do esporte e focar só em um jogo de luta, e a Paradox, que não era quem estava bancando a brincadeira, não tinha outra opção senão aceitar. O que emergiu dessa transformação não era mais um jogo de esporte mitológico... era algo completamente diferente. Algo muito mais sombrio.
Neste estágio inicial, Earth Monster ainda se apegava às suas raízes astecas. A estética era sombria e ritualística — guerreiros enormes se despedaçando em arenas encharcadas de sangue para agradar deuses antigos. Era sangrento, brutal e impregnado de mito. Mas essa vibe não durou muito. Após a primeira demonstração da demo com um grupo de teste — o feedback feedback do que a Virgin considerava "uma amostra realista do seu público-alvo" foi bem clara: mais sangue, mais trajes minimalistas e, infelizmente, mais representações caricatamente ultrapassadas de doenças mentais. Sabe, o puro suco dos anos 90.
Assim, a mística asteca saiu e algo muito mais estranho entrou em cena. De acordo com Brian Gomez, um dos principais roteiristas de Paradox, a repentina mudança de tom do jogo foi cortesia de um produtor da Virgin Interactive que entrou no escritório um dia carregando uma pilha de revistas de fetiche, algumas revistas alemãs e uma caixa de DVDs de BDSM. Ele os colocou sobre a mesa e disse: "Rapazes, aqui está a nova direção de arte de vocês". E assim, um jogo enraizado na mitologia antiga sofreu um desvio drástico para os Nove Círculos do Inferno dos Temas Picantes.
Com o conceito original tendo ido para a casa do cara do alho, Gomez teve que inventar uma nova narrativa às pressas para justificar o circo de couro e látex que o jogo havia se tornado. Sua solução? Uma entidade demoníaca chamada Murukku reúne almas atormentadas no Inferno para lutar em uma luta mortal de gladiadores — o vencedor ganha uma segunda chance na vida. Se isso soa estranhamente familiar, você não está errado. Ele espelha a premissa de Eternal Champions, da Sega, embora Gomez insista que a verdadeira inspiração foi... o musical Cats. Sim, Cats. Sabe, aquela outra história em que seres excêntricos se reúnem para uma competição bizarra para ganhar uma nova vida. Só que esta troca números de torneira por cavaletes de tortura... a menos que você considere o filme de 2019, aí é só uma tortura por outra mesmo.
Seja como for, com as comportas do BDSM escancaradas, Brian Gomez de repente se viu mergulhado até o pescoço em um desfile de designs de personagens que variavam do "que diabos estou olhando" ao "devia ter ouvido minha mãe quando ela disse para eu ser médico"— cada um aparentemente arrancado diretamente das profundezas daquela infame "caixa pornô".
O trabalho de Gomez era fazer tudo fazer sentido... e eu não posso dizer que o invejo. Por que esse cara está de camisa de força com ganchos de carne no lugar das mãos? Por que esse anão em pernas de pau está usando uma roupa de couro e carregando um bastão de choque para gado? Não eram apenas desafios de design — eram crises existenciais envoltas em meia arrastão e látex.
E, ainda sim, sob as camadas de absurdo de toda edgelordice dos anos 90, para um jogo de 1997 Thrill Kill era supostamente... bom? Surpreendentemente bom, até. Apesar da estética desequilibrada, a jogabilidade era realmente promissora. O combate acontecia em arenas pequenas e sujas que davam a impressão de que Silent Hill teve um filho com Twisted Metal, permitindo que você lutasse com até três outras aberrações grotescas simultaneamente. Era caótico, confuso e estranhamente envolvente. Mais impressionante ainda, a Paradox conseguiu enfiar um sistema de luta 3D para quatro jogadores no PlayStation 1 — uma maravilha técnica na época, especialmente considerando que isso foi anos antes da Power Stone se tornar uma referencia no Dreamcast.
Mas a Virgin Interactive não se importava com feitos tecnicos — ela se importava com manchetes. Eles viam Thrill Kill como uma caixa de controvérsias pronta para roubar todos os noticiários e não tinham a menor vergonha de usar isso em seu favor com toda a sutileza de uma britadeira. A E3 de 1998 foi talvez o momento mais anos 90 de toda indústria de videogames, quando a Virgin dedicou todo o seu estande ao jogo. Quando as modelos contratadas para as personagens femininas — uma contorcionista sedutora e uma dominatrix que parecia ter acabado de sair do mural do Pinterest de Clive Barker — desistiram, a Virgin não hesitou: simplesmente contrataram strippers locais de Atlanta para substituí-las. Porque claro que eles fizeram isso.
Você achou que era exagero da minha parte, mas eu estou falando bem sério que se existe uma única imagem que resume o auge da cultura gamer do final dos anos 90, é essa: uma cabine revestida de couro, luzes estroboscópicas e desespero, tentando ao máximo parecer ousada, ignorando o jogo silenciosamente tecnicamente impressionante lá atrás.
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Foto real do estande da Virgin na E3 de 1998, onde vc podia posar para fotos com uma dominatrix sentando em você. Anos 90 em uma casca de nós. |
A Virgin Interactive tinha um objetivo em mente: choque e espanto. Sua equipe de marketing não estava apenas aceitando com a classificação Adults Only (AO) — eles queriam ela. Para eles, AO não era um aviso; era um distintivo de honra em neon. Significava que você havia chegado à zona proibida, o jogo que sua mãe, sua professora e o balconista diziam que você não tinha permissão para tocar. "Muito jovem? Muito burro? Perfeito, este jogo é para você." Essa era a vibe.
Mas em algum ponto do sangrento ciclo de desenvolvimento, a realidade bateu a porta para lembrar aos rapazotes da Virgin que não é assim que as coisas funcionam. À medida que Thrill Kill se aproximava da conclusão, a Virgin repentinamente se deu conta de uma coisa bem óbvia: por mais repercussão que uma classificação AO pudesse gerar, ela também garantia uma coisa - nenhuma venda.
Nos Estados Unidos, as grandes redes de varejo não vendem títulos AO (o que no Brasil seria o equivalente ao seu jogo nunca estar numa Magazine Luiza ou numa Americanas da vida), e até mesmo a Sony já estava começando a demonstrar sinais de preocupação já que se essa palhaçada toda respingasse no nome do Playstation, bem aí eles teriam um problema.
Então, em uma reviravolta constrangedora, a Virgin voltou atrás e pediu à Paradox que diminuísse o tom — apenas o suficiente para atingir a classificação Mature (acima de 17 anos, não 18). O que não parece muita diferença, mas como eu disse nos US and A é a diferença entre seu jogo ser vendido na Best Buy e na Target ou só na locadora de bairro da esquina.
O que se seguiu foi um cabo de guerra hilário e surreal com a ESRB. Dana De Lalla, uma das artistas da Paradox, lembrou-se de mal conter o riso quando eles recebiam notas de revisão cada vez mais absurdas. Veja o caso de Belladonna, a enfermeira dominatrix (porque é claro que esse é o cargo dela). Um de seus fatalities originalmente era uma insinuação a sexo oral antes do assassinato. Virou ela fazer cócegas na vítima. Sim — fazer cócegas até a morte. Seus gemidos sensuais durante as execuções? Considerado "demais" e restrito apenas à abertura da partida. Depois, houve o Grande Escândalo da Tanga: vários personagens eram atrevidos demais para a ESRB, literalmente. Os artistas foram solicitados a desenhar linhas de calcinha para cobrir a bunda das personagens, então, sim, foram bundas com censura de pixels.
A coisa toda se tornou um exercício de absurdo — um jogo adulto sendo lentamente castrado por pessoas de terno que ainda queriam vendê-lo como um filme pornô de terror. Os artistas, enquanto isso, ficaram se perguntando o que diabos estavam ao menos fazendo.
E agora chegamos ao ato final da nossa história — o infame momento "que diabos aconteceu?". No final dos anos 90, a Virgin Interactive estava à beira do colapso financeiro. Os lucros estavam minguando, a empresa estava instável e a situação já estava definida. Eis que entra o nosso último jogador: o próprio colosso corporativo, a Electronic Arts. No final de 1998, a EA apareceu com um talão de cheques de US$ 122 milhões e arrematou a Virgin Interactive como um abutre agarrando o último pedaço de carne de uma carcaça moribunda. E com essa compra veio tudo — direitos de propriedade intelectual, contratos de publicação e, sim, a monstruosidade condenada e coriácea conhecida como Thrill Kill.
Agora, se você está imaginando os desenvolvedores da Paradox Development gemendo de desespero com a notícia, é preciso contextualizar uma coisa. Essa não é era a EA de hoje das loot boxes e da destruição de franquias — ainda não. Naquela época, a EA ainda publicava títulos originais e excêntricos como Skullmonkeys, Auto Destruct, Xena: Warrior Princess e Future Cop: LAPD. Então, a Paradox não estava apenas esperançosa — eles estavam aliviados. Finalmente, uma editora de verdade, com dinheiro, poder de marketing e força de distribuição. Talvez, só talvez, essa fosse a tábua de salvação que Thrill Kill precisava.
Eles estavam, tragicamente, ridiculamente errados.
Até os últimos dias, a Paradox ainda trabalhava horas extras, tentando polir o jogo e colocá-lo sob a classificação de 17 anos da ESRB. Faltavam apenas algumas semanas para o lançamento anunciado. E então — nada. Nenhuma ligação. Nenhuma reunião. Apenas silêncio. O cancelamento aconteceu silenciosamente, friamente. A Paradox nem sequer recebeu a cortesia de um cancelamento formal. Eles descobriram da mesma forma que o resto do mundo: lendo online. A EA não tinha apenas matado Thrill Kill — eles meteram o ghosting.
Como um membro da equipe disse amargamente: "Eles nem tiveram a [adjetivo pouco cristão] de nos avisar pessoalmente". Sem retrabalhos. Sem planos alternativos de lançamento. A EA deu uma olhada no jogo e decidiu que ele não combinava com a sua marca — e foi isso. Todo o sangue, suor, gemidos pixelados e edições questionáveis de calcinhas foram jogados no ralo da empresa de uma só vez. Thrill Kill estava morto, não porque fosse muito extremo, ou muito quebrado, ou muito específico — mas porque alguém na EA olhou para ele e disse: "Não".
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O jogo estava tão pronto que alguns personagens já tinham até final feito. Felizmente o projeto acabou sendo vazado na internet eventualmente. |
Mas é claro — Thrill Kill não morreria tão facilmente.
Apesar de ter sido morto no berço, o jogo já havia construído um nome para si no circuito underground. O boca a boca, as prévias em revistas e as imagens granuladas em VHS o transformaram em fruto proibido — um jogo que "eles" não queriam que você jogasse. A infâmia era contagiosa. Várias editoras bateram à porta, oferecendo dinheiro vivo à EA pelos direitos. O pretendente mais ansioso? Ninguém menos que a rival de longa data da EA, a Acclaim Entertainment, que praticamente implorou para lançar Thrill Kill.
E então, em um movimento desconcertante e deprimentemente alinhado à marca, a EA disse "não" a todos. Sem venda. Sem licenciamento. Sem lançamento. Nada. Eles preferem ver o jogo apodrecer em um cofre do que permitir que outra pessoa lucre com ele.
Por quê? O motivo oficial vem envolto em lamentações corporativas: preocupações com a ultraviolência e o conteúdo sexual do jogo, especialmente após o massacre de Columbine. Apesar de não haver nenhuma evidência científica ligando os videogames à violência no mundo real, o pânico moral pós-Columbine começou a contagiar as salas de reuniões. A EA não queria arriscar polêmica ou má publicidade. Então, em vez de lucrar ou reembalar o jogo, eles o enterraram. Com força. A mensagem era clara: "Se não conseguirmos vendê-lo com segurança, ninguém o fará."
Mas a Paradox Development, felizmente não pertencente à EA, não estava disposta a jogar seu trabalho duro no lixo. Eles ainda tinham a engine — um código tecnicamente impressionante que podia lidar com combates para quatro jogadores em 3D, algo raro na época. Então, eles removeram o conteúdo picante, jogaram as roupas fetichistas no lixo e começaram a trabalhar em algo novo. O resultado? Fubar, um jogo de mata-mata distópico inspirado em The Running Man, onde condenados lutavam pela liberdade em um programa de TV sangrento. Ainda violento, mas agora sem as linhas estranhas das calcinhas. E é aqui que as coisas tomam um rumo quase inacreditável.
Entra: O Wu-Tang Clan.
ACHO QUE VOCÊ COLOU O VÍDEO ERRADO, ISSO É UM GRUPO DE RAP. DE TODAS AS COISAS, NÃO É POSSÍVEL QUE THRILL KILL ACABOU COMO O JOGO LICENCIADO DE UMA BANDA
Exceto que foi exatamente o que aconteceu, Jorge. Juro pra vc. A Activision, percebendo a estrutura de um bom jogo de luta por trás do caos, teve uma ideia: transformar Fubar em um jogo estrelado pelo Wu-Tang Clan. Na época, isso soou como uma completa loucura. Um grupo de rap transformado em lutadores de kung-fu? Mas se você conhecesse o Wu-Tang, não seria exagero. Sua marca era imersa em imagens de Shaolin, misticismo das artes marciais e beatdowns líricos. De alguma forma, funcionou. Fubar foi reformulado novamente, desta vez em Wu-Tang: Shaolin Style. Os demônios BDSM haviam desaparecido, substituídos por guerreiros Shaolin e fatalities com temática de clã.
Foi uma aposta arriscada. Muitos desenvolvedores da Paradox nem sabiam quem era Wu-Tang. Mas funcionou. Shaolin Style foi lançado com boas críticas e admiração dos fãs da banda. Manteve o multijogador caótico de Thrill Kill, refinou a jogabilidade e o envolveu em um pacote cultural que parecia único e respeitoso às suas inspirações. No final, o DNA da Thrill Kill não morreu — apenas aprendeu kung-fu e lançou um álbum.
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Também foi lançado um controole promocional para esse jogo, que pode se orgulhar de ser o controle menos ergonomico mundo... depois do Atari Jaguar |
O sucesso de Wu-Tang: Shaolin Style não apenas manteve a Paradox Development à tona, como também deu o tom para tudo o que eles fariam dali em diante. O estúdio abraçou plenamente sua identidade como a forma ideal para combates rápidos, brutais e muitas vezes caóticos. Sejam brigas de mutantes, surras em quintais de arame farpado ou até mesmo a violência entre leões e hienas, a Paradox se aprofundou no que sabia fazer: lutar.
A trilogia X-Men: Mutant Academy mostrou que eles podiam lidar com grandes licenças com respeito e refinamento, entregando lutadores sólidos em estilo 2D com elencos favoritos dos fãs. Backyard Wrestling: Don't Try This at Home era basicamente a Thrill Kill com um boné de caminhoneiro e uma trilha sonora de Kid Rock — exagerada, confusa e orgulhosamente de mau gosto. Até mesmo The Lion King: Simba’s Mighty Adventure, um jogo de plataforma aparentemente completo da Disney, não resistiu a um pouco de ação. Era como se a Paradox não conseguisse se conter — se houvesse personagens na tela, eles iriam sair na mão.
Mas tudo isso foi apenas a preparação para sua obra-prima: Mortal Kombat: Shaolin Monks. Seu segundo título a apresentar a palavra "Shaolin", este teve um impacto diferente. Era tudo o que Thrill Kill tentou ser — estiloso, intenso, assumidamente violento — mas envolto em uma franquia amada com décadas de história e uma base de fãs voraz. Um beat'm up cooperativo para dois jogadores com combate intenso, segredos desbloqueáveis e referências à nostalgia clássica de MK, Shaolin Monks foi uma carta de amor à série e uma justificativa para a filosofia de design caótica da Paradox. Ele até apresentava um modo versus que parecia um Thrill Kill mais limpo, com melhor iluminação e menos piadas.
Ironicamente, Shaolin Monks também marcaria o fim da linha. Apesar da aclamação da crítica, o estúdio foi absorvido e renomeado para Midway Los Angeles logo depois. O espírito selvagem de Thrill Kill agora era propriedade da empresa — seu coração perverso ainda pulsava, mas agora usava um uniforme muito mais respeitável.
Mas agora, dito e feito... e quanto ao jogo Wu-Tang em si?
Bem, vamos dedicar um tempo a isso. Nos anos 70, o blaxploitation e o cinema de kung fu formaram uma das misturas mais estranhas, porém inegavelmente mais legais, da cultura pop. Era ousado, estiloso, rebelde — e o Wu-Tang Clan bebeu profundamente dessa fonte. Toda a sua marca está imersa na energia dos antigos filmes dos Shaw Brothers, no misticismo das artes marciais e naquela atitude crua de mano da Costa Leste. Era só uma questão de tempo até que alguém transformasse essa vibe em um videogame.
Agora, para ser franco: não sou fã de rap. Antes deste jogo, eu não fazia a mínima ideia de quem era Wu-Tang. Mas admito: a música em Wu-Tang: Shaolin Style é incrível. Tem impacto, ritmo e, o mais importante, está presente no jogo. O que pode parecer não pedir muito, mas você ficaria surpreso com a frequência com que jogos licenciados erram nesse quesito. (Sim, KISS: Psycho Circus, estou olhando pra você... Como você baseia um jogo em uma banda de rock e esquece de incluir, sabe, as músicas da banda?!?)
Mas além disso, eis o que realmente Shaolin Style dos habituais cashgrabs de celebridades: o Wu-Tang realmente se importou. Este não foi um acordo de licenciamento em que um nome é colado e esquecido. O Clã esteve ativamente envolvido no desenvolvimento do jogo. Eles ajudaram a moldar o design dos personagens, gravaram as falas originais e, graças a Deus, forneceram as faixas para a trilha sonora.
A música por si só eleva a vibe do jogo — batidas fortes e ganchos inspirados em kung-fu que combinam perfeitamente com as brigas sangrentas nos becos. Mesmo que você nunca tenha ouvido Wu-Tang antes (como eu), não dá para negar que a vibe é forte. Este foi um caso raro em que os artistas licenciados realmente aprimoraram o jogo em vez de apenas receber um cheque.
Mais uma vez... né, KISS: Psycho Circus?
A notícia ruim é que a parte menos interessante de toda dessa história toda... é a jogabilidade do jogo. Wu-Tang: Shaolin Style é essencialmente um Power Stone do homem pobre. O PS1, abençoado seja seu pequeno coração poligonal, tinha talvez um quarto da potência do Dreamcast em um bom dia, e isso fica evidente. As arenas são minúsculas, a câmera costuma ser sua pior inimiga e a ação rapidamente se transforma em uma bagunça caótica e apertada. Precisão? Estratégia? Não. É só rezar e amassar botões.
A única coisa realmente digna de destaque desse jogo são os fatalities. E não me refiro às coisas comportadas de Mortal Kombat 4. Não, são resquícios do DNA distorcido de Thrill Kill — finalizações brutais e exageradas que parecem ter vindo de uma dimensão muito mais violenta. Você vence uma partida e, de repente, a cabeça de alguém está arrebentada com uma marreta low poly. É excessivamente violento e, por isso mesmo, é meio glorioso.
Mas sejamos realistas: esta era uma engine de 1996 que mal conseguia se manter quando o jogo foi lançado em 2000, bem quando o PS2 estava prestes a entrar na indústria. Esperar por um milagre técnico aqui seria como esperar Shakespeare de um guardanapo.
No fim das contas, Wu-Tang: Shaolin Style não é lembrado por sua jogabilidade. Sejamos realistas: esta era uma engine de 1996 que mal conseguia se manter quando o jogo foi lançado em 2000, bem quando o PS2 estava prestes a entrar na indústria. Esperar por um milagre técnico aqui seria como esperar Shakespeare de um guardanapo — é um jogo de luta de arena de baixa qualidade, com um orçamento baixo e uma pintura bacana. Mas é lembrado. E isso conta para alguma coisa.
O jogo conquistou um culto de seguidores entre fãs de histórias bizarras de jogos, fãs de hip-hop e excêntricos de jogos de luta. É o tipo de jogo que você menciona em uma conversa só para ver se alguém se lembra dele, como um aperto de mão secreto para jogadores que viveram a era do PS1.
Mais do que isso, é um sobrevivente. Foi o momento fênix de Thrill Kill — ressurgindo das cinzas da censura e do cancelamento para se tornar algo novo, estranho e inesquecível. Claro, ele tropeçou, mas tropeçou com estilo. E, às vezes, é tudo o que é preciso para ganhar um lugar na história dos videojogos.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWEREDIÇÃO 053 (Agosto de 1998)