quarta-feira, 2 de abril de 2025

[#1436][Out/97] BROKEN SWORD 2: Smoking Mirror

Hum, eu não posso dizer que sei exatamente o pq caralhas a Super Game Power decidiu fazer uma matéria sobre o port desse jogo no final de 1999 já que o mesmo existia a mais de dois anos a esse ponto. Não é nem que teve um relançamento em portugues na versão PC nem nada, apenas DUNEIDA decidiram tacar um jogo de 1997 e foi bom. 

Bem, enquanto eu não sei exatamente o pq disso, o que eu SEI é que em 1997, o gênero point-and-click era um mundo a beira da irrelevancia, lutando para sobreviver. A Sierra afundava a olhos vistos, a LucasArts apostava em experimentos 3D, e os jogadores trocavam quebra-cabeças pixelados por polígonos e headshots. Nesse cenário, surge então "Espada Quebrada 2: O Espelho Fumegante"  sequência do aclamado primeiro jogo da Revolution Software. 

ESPERA, QUE "ACLAMADO" JOGO? EU NUNCA TINHA OUVIDO FALAR DE BROKEN MIRROR ATÉ ENTÃO!

Pois é, aclamado pelos poucos que o jogaram, eu devia ter esclarecido. O primeiro BS, de 1996, foi um sucesso de crítica mas não de vendas. E sabe qual é a coisa interessante a respeito de críticas positivas? Por melhor que elas façam você se sentir, não dá realmente pra pagar boletos com elas. Sim, eu tentei... bem, teria tentado se recebesse alguma... mas você pegou a ideia aqui.



O resultado disso é que por mais que a Revolution estivesse orgulhosa do seu primeiro jogo, eles tinham preocupações mais preementes no momento. Tipo ter eletricidade, água e aquecimento no rigoroso inverno Yorkino (a York original britanica, não o spin-off mais famoso americano). O resultado disso é que o segundo jogo da franquia acabou sendo um jogo dilacerado entre duas identidades: a intriga hitchcockiana do original e o canto da sereia do absurdo estilo THE SECRET OF MONKEY ISLAND na tentativa de atingir um publico maior. O que resta é um artefato fascinante, porém falho, de um gênero em colapso — um jogo que tenta ser tudo e acaba não sendo nada.  

Vamos começar pelo óbvio: CARALHO, QUE JOGO BONITO.

Sem exagero, ele não fica devendo nada as (hoje finadas) animações 2D da Dreamworks como "Príncipe do Egito" ou "O Caminho para El Dorado". Seus cenários são o puro suco do que a pixel art dos anos 90 tem de melhor para oferecer, sejam mansões vitorianas, ruínas maias sob o sol ou cafés parisienses cheios de nostalgia pixelada. A trilha sonora, com flautas melancólicas e cordas tensas, vende a mistério global melhor que o roteiro. Há momentos brilhantes — decifrar glifos em uma tumba sombria, enganar um ladrão de arte em uma galeria parisiense — que lembram por que a Revolution foi a queridinha de crítica com o primeiro jogo.  

Mas essas direção de arte estelar é arrastada para baixo por uma questão existencial: o que este jogo está tentando ser, afinal?  

No seu cerne, os problemas de Broken Sword 2 são perfeitamente ilustrados pelo seu protagonista. George Stobbart, o cara comum que involuntariamente se torna detetive de uma conspiração global, agora está preso entre o humor seco de BS1 (pense no Gavião Arqueiro em Avengers 2, quando ele diz "eu sou só um cara que atira flechas, o que eu estou fazendo numa ilha voadora cheia de robôs da morte?") e o pastelão exigido pela sequência. Em uma cena, ele desvenda uma conspiração sobre deuses astecas; na seguinte, está vestido de banana gigante, fugindo do crocodilo de um ditador. A mudança de tom não parece natural.  

George não é engraçado o suficiente para ser Guybrush, nem carismático o bastante para ser Gabriel Knight. Seu sarcasmo (“Ótimo, outra armadilha mortal!”) é meio que tudo que ele tem a oferecer. O jogo quer que ele seja um protagonista relutante E uma piada ao mesmo tempo, e é muito dificil escrever um personagem assim. Você não pode ser o Roscharch e o alívio comico ao mesmo tempo... ou até pode, mas é necessário um nível de escrita que claramente estava acima da folha de pagamento da Revolution.



Mas eu abri o texto dizendo que, devido as incertezas do genero e do fraco retorno financeiro do primeiro jogo, a Revolution decidiu apostar no "seguro" dessa vez. E por "seguro", leia-se cenários tropicais (Nicarágua! Piratas! Selvas!) e vilões caricatos (General Grasiento, um ditador tão exagerado que parece saído do "Team America"), e piadocas que não parecia que os roteiristas estavam muito confortáveis em faze-las.

Tudo isso cheira muito a pânico corporativo. A Revolution, temendo a morte do gênero, enxertou o DNA da LucasArts em sua própria fórmula:  

- Puzzles: Os desafios realistas de BS1 (grampear um diplomata) são substituídos por absurdos  a lá THE SECRET OF MONKEY ISLAND: hipnotizar uma cabra com uísque, distrair um papagaio com um relógio cuco. O infame quebra-cabeça da cabra não é só maçante — é uma metáfora para a identidade do jogo: teimosa, sem sentido e impossível de ignorar.  

- Vilões: Da conspiração templária estilo noir de BS1 para… um magnata que quer lucrar com magia asteca? As apostas parecem ridículas, os antagonistas inofensivos.  

- Humor: Piadas forçadas (George preso em uma pousada escocesa com uma cabra) colidem com o plot apocalíptico. É como assistir "O Código Da Vinci" interrompido por esquetes do "Monty Python" — nenhum dos dois se beneficia.  


A trama começa forte: George é capturado e deixado para morrer, sua namorada Nico sequestrada, um artefato asteca, um informante morto, uma conspiração global. Mas logo degenera em uma lista de MacGuffins bem generica (encontre as três pedras! Pare o ritual!), com ritmo que oscila entre lento e quase parando. Quando você tem que passar 45 minutos indo e voltando em fetch quests para conseguir passar por uma porta, é sinal que o jogo não está com pressa de ir a lugar nenhum. O folclore asteca, rico em potencial temático, vira um pano de fundo - podia ser qualquer outro deus maligno do mal no lugar de Tezcatlipoca, podia até ser um inventado que não faria diferença nenhuma. 

Compare com CURSE OF MONKEY ISLAND, lançado no mesmo mês: seu enredo é igualmente absurdo, mas as piadas SÃO a história. Broken Sword 2 quer drama apocaliptíco E comédia pastelão — e você não pode comer o bolo e manter ele ao mesmo tempo.  

Broken Sword 2 não é um jogo ruim. É um sintoma. Um sintoma de uma era em que estúdios talentosos eram esmagados pela pressão de vender em um gênero moribundo. Cada piada sem graça, cada vilão caricato, cada puzzle nonsense grita: "POR FAVOR, COMPREM ESSE JOGO!". O que é uma pena, pq sob o caos tonal há vislumbres da visão original da Revolution: a beleza melancólica de uma Paris chuvosa, o silêncio assustador de uma tumba maia, a subtrama subdesenvolvida de Nico. Mas esses momentos se afogam em varios outros momentos de "Lucas Arts da Shopee".

O verdadeiro vilão não é Grasiento ou os deuses astecas — são os anos 90. Este é um jogo feito por talentosos desenvolvedores em pânico, perseguindo tendências no desespero de pagar boletos em vez de aprimorar sua arte. É uma relíquia de um genero caminhando a extinção, onde a “visão artística” curvou-se à “necesidade de sobreviver”.  


Broken Sword 2 é a versão gamer de uma crise de meia-idade: uma série de mistério que compra uma jaqueta de couro para impressionar os descolados. Vale jogar por sua atmosfera, arte e valor histórico como relíquia do gênero. Mas, como o próprio George Stobbart, ele está preso em um Triângulo das Bermudas de identidade — muito bobo para emocionar, muito sério para divertir e muito meh para deixar marcas.  

Em outra linha do tempo, Broken Sword 2 abraçou suas raízes noir e virou um clássico cult. Na nossa, é um alerta — prova de que boletos podem fazer até grandes artistas tropeçarem se duvidarem da sua própria voz. 

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 122 (Dezembro de 1997)



MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 068 (Novembro de 1999)