domingo, 19 de julho de 2020

[AÇÃO GAMES 036] ZOMBIES ATE MY NEIGHBORS (SNES e Mega Drive, 1993)[#438]



Nos anos 90, os videogame muito raramente eram feitos com uma visão artistica. É muito raro alguém querer abordar um tema, mostrar um ponto, contar uma história. Normalmente o que acontecia era você conseguir uma licença para um personagem, ter uma boa ideia para um mascote, um level design interessante ou algo assim e vamo e que vamo. Naquela época videogames não eram utilizados como arte, salvo raríssimas exceções.

Zombies Ate My Neighbors é uma dessas raras exceções. Em 1993 a Lucas Arts (empresa do tio George) decidiu fazer um jogo que era uma homenagem a nobre arte do cinema trash de terror. E por isso eu quero dizer que a Lucas Arts não fez um trabalho porco de só jogar os filmes de terror mais famosos da época como Sexta Feira 13 e Brinquedo Assassino (embora tenham o Djeizu e o Chucky no jogo), eles foram bem além disso. 

Por exemplo, a fase 12 do jogo se chama "Mars needs cheerleaders", onde onde os inimigos são aliens no melhor estilo Marte Ataca (outra referencia) e todas as vitimas a serem salvas são cheerleaders. Isso é uma referencia ao filme de 1967, "Mars needs women".



Mars Needs Women, inclusive, nunca foi lançado no cinema - é um filme trash raíz, que passava de madrugada nos canais mais chinelões - tipo as Band da vida. Então você tem realmente que se importar com o negócio para saber que esse filme sequer existe, ainda mais em uma época que não tinha internet. Ou você sabia, ou tinha que dar sorte de ter alguma revista que fez esse tipo de compilação. Mais fácil você saber.

Não apenas isso, mas toda estética do jogo é baseado nesses filmes - as fontes que o jogo usa, por exemplo, são completamente tiradas dos filmes pulp dos anos 50. ZAMN é um jogo criado por um bando de nerds no Rancho Skywalker (antiga sede da Lucas Company que recebeu esse nome do tio George) que realmente amavam e se importavam com esse tipo de filme. Isso é algo realmente raro nesses dias, videogames não eram feitos dessa forma nos anos 90.

Na verdade, enquanto filmes trash são o tema principal do jogo, ZAMN é um festiva de referencias que deixariam qualquer nerd orgulhoso. Tem desde o depósito do Indiana Jones...


... ao bebê gigante de Querida, Estiquei o Bebê.


Você consegue sentir o quanto a Lucas Arts se divertiu fazendo esse jogo... mas isso resultou em um jogo bom?

Err... então...

O Ataque do Verme Maldito!
ZAMN é um top down shooter com uma proposta diferente: em cada fase existe um número de vitimas a serem salvas de toda sorte de horror que assola a pacata vizinhança. Você não precisa salvar todas as vitimas, apenas encontra-las - pode acontecer de você encontrar uma vitima, os monstros podem chegar nela primeiro (especialmente os Chuckys, essas pestes estão em toda parte e são muito rápidos). Ao acabarem as vitimas de uma fase, abre uma porta e vai para a próxima.

O problema é que o numero de vizinhos a serem salvos nunca aumenta. Se tinham 10 e você deixou morrer 2, na próxima fase serão apenas 8. E assim por diante, até inevitavelmente não ter mais nenhum e é game over (isso sem contar sua energia e suas vidas, que provavelmente darão game over antes). Suponho que eu não precise dizer que o jogo é absolutamente inclemente na dificuldade, e essa não é sequer uma opinião minha mas do próprio criador do jogo, Mike Ebert:

“I think we only did about two focus tests of the game. My goal in the design was to try to make the first 20 levels all feel unique. This worked really well and the kids loved playing the game the very first time, but none of them got past more than level 15 before losing all the neighbors. I feel in the end the game was maybe too hard. Nothing in the game past level 20 was ever tested with a focus group.”
Ninguém da equipe de teste dos criadores do jogo jamais passou da fase 20, ZAMN tem 48 fases. Algo errado não saiu certo aí. Para piorar, o sistema de passwords é bem cagado. Embora voce receba um password a cada quatro fases, sempre começa com a arma básica com a munição do começo do jogo e sem vidas extras. Boa sorte tentando fazer a fase 40 com só 150 tiros da pistola d´água.

E esse é o grande problema com o jogo, os inimigos precisam de tiros demais para morrer, eles vem rapido demais para cima de você e provavelmente você não vai ter munição suficiente de qualquer maneira. Isso é piorado jogando para dois jogadores, a atração mais iconica do jogo.

Frankenstein e A Mosca na mesma cena, estou surpreso de não terem um filme disso

Verdade seja dita, não existem tantos jogos cooperativos assim nos 16 bits, um numero muito perto de zero se desconsiderarmos beat'm up e jogos de esporte. Então ter um jogo de ação cooperativo realmente é uma atração gigantesca, mas o problema é que essa pratica foi implementada de forma... problemática.

Em primeiro lugar, a Lucas não conseguiu implementar tela dividida, o que significa que os dois jogadores tem que estar sempre na mesma tela ... o que significa que metade você vai estar se estressando pela falta de tela porque você precisa do outro jogador para te "dar tela". Mas o pior problema é que os recursos não foram dobrados para dois jogadores, então o resultado mais provavel é que a munição e os kits de energia de um dos dois acabe bem cedo.

Percebo uma crítica as condições de trabalho da Lucas Arts no design do cenário
Esses problemas são verdadeiramente um apena, porque esse é um jogo muito bem produzido e com conceitos muito divertidos. Quando o primeiro nível começa, seus vizinhos estão espalhados pelo nível, parados no mesmo lugar e tentando o máximo para ignorar o apocalipse de monstros que assola ao seu redor, grelhando hambúrgueres ou pulando em trampolins. Eles parecem até mesmo contentes com seus terríveis destinos, mas seus heróis Zeke e Julie não respeitam a decisão dessas pessoas de enfrentar estoicamente sua morte e devem salvar todos, quer eles queiram ou não.

Você consegue perceber que a Lucas Arts colocou algum pensamento nisso, só reparar que os soldados são os únicos na vizinhança que parecem chocados com o que está acontecendo ali - justamente porque eles não são dali! É um detalhe muito bem sacado!



Que vizinhança é essa onde eles estão cagando para o apocalipse? O que NORMALMENTE acontece nesse bairro?

Zombies Ate My Neighbors é um jogo simples, mas executado com um grau de qualidade e finesse que você poderia esperar da Lucas Arts para rivalizar com qualquer jogo de ação no SNES. Os controles são rápidos e responsivos (apesar de uma tendencia a enroscar nas portas que é bastante desagradavel), uma infinidade de armas e itens diferentes. Como eu disse, é um conceito simples executado com habilidade, dos inimigos à música e aos conceitos de armas, tudo no ZAMN é uma paródia encantadora e pateta de filmes B.



Infelizmente os problemas de ZMAN estragam a diversão do jogo pra mim, são coisas que impediam que eu me divertisse jogando quando era criança e nada mudou nos últimos trinta anos.

Ah, um último fun fact: a primeira versão de ZAMN foi mostrada na CES de 1993, em uma versão demo com o nome apenas de "Monsters". A versão beta desse demo vazou e foi pirateado selvagemente, não era realmente dificil achar ZAMN com esse nome nas locadoras brasileiras. E adivinha revista era parceira numero 1 da pirataria?



VERSÃO PARA MEGA DRIVE
EDIÇÃO 046