Eu já comentei algumas vezes neste blog a respeito da história de ascenção e queda da Sunsoft: a empresa que fazia jogos tão bonitos para
o Nintendinho que eles poderiam ser confundidos com jogos de Mega Drive, e que na passagem de geração acabou se perdendo no oceano de mediocridade que abunda nesta época. A única coisa pior do que
ser pobre a vida toda é já ter sido rico e ficado pobre, e de certa forma essa é a trágica história da Sunsoft que passou a quarta geração inteira oscilando entre o absolutamente
pavoroso (como Aero The Acro-Bat, o infame jogo cuja única razão de existir é esse trocadilho) e o apenas medíocre (como Daffy Duck Marvin Missions).
Porém enquanto muitos na Sunsoft já haviam aceitado a derrota e medíocridade, alguns poucos sonhadores ainda sonhavam com os dias de glória do
passado, quando seus jogos eram o assunto na boca de todas as crianças na hora do recreio. Alguns poucos loucos dentro da Sunsoft ainda ousavam sonhar, e sonho que se sonha junto é realidade como já dizia
a frase de efeito postado por garotas entediadas no Facebook.
Capa japonesa |
Tiveram eles sucesso nesta empreitada louca? É o que veremos hoje.
Uma inovação desse jogo: o checkpoint da fase é um item que você pode usar em qualquer lugar. A próxima vez que eu vi algo assim foram os itens de Save em Tomb Raider 2 |
Agora, quando eu falo em um jogo Pernalonga, como é que você imagina que esse jogo deva ser? O que eu visualiso seria transformar alguns episódios em
fases, e usar as gags visuais do coelho maroto como ataques. Isso não soa exatamente como um jogo do Pernalonga pra você?
E, acreditem ou não, foi EXATAMENTE o que a Sunsoft fez. Eles sentaram suas bundas japonesas embaixo do kotatsu apenas porque essa é a melhor invenção
japonesa de todos os tempos atrás apenas da irmãzinha não-relacionada por sangue, e assistiram coletaneas de greatest hits do Pernalonga. Então eles fizeram uma lista dos melhores episódios
e das piadas mais iconicas, e transformara isso em um jogo.
A primeira fase, por exemplo, é inspirada no icônico episódio de “Caça ao Coelho! Caça ao Pato!”
Na verdade, todo o conceito do jogo é baseado no episódio Rabbit Rampage (daí o nome do jogo), que é um dos meus episódios favoritos de
Looney Toons, em que o desenhista fica arengando com o Pernalonga - o que eu acho que foi a primeira vez que eu vi um desenho com quebra da quarta parede (em determinado momento o desenhista desenha o Pernalonga como um cavalo,
então o coelho responde que o contrato dele cita especificamente que ele tem que ser um coelho - ao que o desenhista responde o desenhando como um coelho bem toscão. Aqui também as coisas funcionam mais
ou menos assim, tanto que quando você perde uma vida o Bugs Bunny é apagado por um borraçhão.
Com efeito esse episódio em particular é tão seminal para a Warner que ele foi a base do episódio piloto de Tiny Toon também (que depois
não seguiu por esse caminho, infelizmente).
A próxima coisa que a Sunsoft fez foi transformar alguns dos movimentos mais iconicos do coelho em ataques especiais, como a luta dele contra um wrestler no episódio
Rabbit Punch:
Na verdade, eles fizeram uma coisa mais dedicada e atenciosa que isso até: alguns ataques especiais do Pernão são especificos para algumas fases. Por
exemplo, em uma das fases você luta contra o Demonio da Taz-Mania e, como no desenho, nessa fase tem uma arma especial que são dinamites disfarçadas como frango assado:
Não reciclar assets em um jogo em cartucho é uma das maiores provas de dedicação e comprometimento que uma empresa pode ter, já que não
esqueça que você tem NO MÁXIMO, estourando a boquinha da garrafa, 5MB de espaço para informação. Cada coisa que você usa em uma fase só ocupa um espaço enorme no
jogo que poderia estar sendo repetido várias outras vezes.
O que por si só já é impressionante por si só, mas beira as raias do milagre quando consideramos o quão bonito e bem animado esse jogo
é. A Sunsoft, como em seus dias de glória, fez o melhor que pode para passar a sensação de estarmos jogando um desenho animado dos anos 50. Bem, óbvio que não é nenhum Cuphead
da vida, mas dado o que o Super Nintendo era capaz de fazer, eu diria que não tem como ficar realmente melhor que isso. Ou qualquer melhor que isso, na verdade.
Acho que o Pernalonga desse jogo é o personagem jogavel de Super Nintendo com mais quadros de animação que eu já vi em um jogo até este
ponto. Nos aspectos técnicos, é a Sunsoft fazendo como nos seus melhores dias.
Igual esmero foi colocado na parte sonora do jogo, e esse jogo de Super Nintendo reproduz no melhor das suas habilidades as músicas mais iconicas dos melhores momentos
dos episódios do Pernalonga ao ponto que você lembra do episódio apenas graças a memória auditiva. Considerando que o chip de som do SNES não é capaz de executar únicamente
o som de garfos enferrujados descendo uma ladeira como é o caso do Mega Drive, aqui as memórias despertadas são positivas
“Paranparam param... pam pam!”, é ótimo ouvir isso no Super Nintendo.
Sério, Looney Toons é uma puta aula de slapstick comedy
Então em todos os aspectos tecnicos, esse jogo é de fato uma volta da Sunsoft as suas origens, fazendo jogos visual e sonoramente impressionantes que levam
você a questionar as limitações do aparelho. Adicione que isso é usado ao máximo de suas habilidades para emular algo tão bem feito quanto os desenhos clássicos do Pernalonga,
e temos realmente algo aqui.
Quer dizer, a esse ponto o que possivelmente poderia dar errado? Não é como se, depois de acertar tanto assim, a Sunsoft tivesse esquecido de algo realmente
importante aqui, não é?
Então... a Sunsoft colocou valores de produção inacreditavelmente esmerados e corretos a proposta do jogo, apenas para se embananar com coisas básicas
que uma empresa que já está a mais de dez anos fazendo jogos não deveria errar. Pior ainda, problemas que não existem nos seus outros jogos - mesmo nos seus piores momentos como Aero The Acro-Bat.
A primeira coisa que chama atenção nesse jogo é o quanto a detecção de colisão nesse jogo é ruim. É tão ruim
e tão inconstante que você termina o jogo sem saber se o ataque do Bugs Bunny vai acertar ou não o inimigo porque se você der dois chutes no mesmo lugar, provavelmente um vai pegar e outro não.
Eu diria que a chance de um ataque acertar nesse jogo é por volta de 50/50 e isso é uma coisa que nunca tinha acontecido em um jogo da Sunsoft.
Dois chutes no mesmo lugar, um pegou e o outro não. Acharam que eu tava de sacanagem com vocês?! |
E por pior que isso seja, e é bem ruim MESMO, não é o pior ofensor desse jogo. Não, o campeão aqui vai para a “mecanica diferenciadora”
que a Sunsoft tentou implementar. Em sua tentativa de fazer o jogo único, algo que realmente faltava de forma selvagem em seus últimos jogos, a coisa toda foi ralo abaixo.
O que acontece aqui: a ideia do jogo é fazer um tipo de Mega Man-like, onde cada arma especial seria mais eficiente contra um tipo de inimigo especifico. Por exemplo,
a fase do Marvin Marciano é repleta de marcianos verdes que disparam raios encolhedores. Para derrota-los a forma ideal é usar um item de espelho na frente deles, o tiro vai refletir, encolher eles e então
você pode dar um bicudão nos aliens pequeninhos. Essa é a mecanica intencionada. Todo mundo comigo até aqui? Ótimo.
O mesmo vale para muitos inimigos recorrentes nas fases: os cachorros que explodem com um osso-bomba na primeira fase, o tanque de brinquedo que atira na cara dos robos da
fase da fabrica, e por aí vai. Qual é o problema disso? Bem, o problema é que a Sunsoft quis valorizar essa estratégia no jogo. Use a arma certa contra o inimigo certo e bam, você mata em
um hit.
Só que para você matar o inimigo em um hit ser uma recompensa, então o normal é precisar de vários e vários hits para matar um inimigo.
O seu ataque normal (tanto o chute quanto a torta na cara) levam de 4 a 5 golpes para matar UM inimigo comum da fase. UM.
Até aí tudo bem, vossa magroneza, é só usar as armas certas contra os inimigos certos então e tudo certo, certo? Então, seria. SE
HOUVESSEM ITENS SUFICIENTE PARA ISSO! Os itens de ataque especial que tem na fase não dão para nem 1/3 dos inimigos, então suas opções basicamente são parar e ficar meia hora chutando
todo e cada inimigo desse jogo, ou passar correndo que nem um descumcumbelado, tomando dano e torcendo para sua barra de life aguentar.
Ao menos os inimigos não respawnam (exceto em uma fase) e a barra de life é bastante generosa, então o jogo não é injogavel realmente.
Porém continua sendo desagradavel de se jogar. Se feito redondinho, esse jogo tinha tudo para ser um dos melhores do SNES, mas como as mecanicas são mais frouxas que peido em bombacha, ficou essa coisa modorrenta.
A unica coisa pior que os inimigos normais do jogo são as lutas contra os chefes, porque eles precisam levar tantos hits e isso dura tanto tempo sem dar indicativo visual de
que você está fazendo a coisa certa que você se questiona se está realmente fazendo a coisa certa.
A luta contra o Crusher, por exemplo, você passa mais de cinco minutos SÓ FAZENDO ISSO. Meu deus, é uma eternidade repetindo a mesma ação sem graça! |
É realmente impressionante que eles tenham conseguido fazer um jogo tão bonito e com tantos ataques diferentes como esse ser chato, mas as lutas contra chefe são abissalmente tediosas! Como a Sunsoft conseguiu cagar tanto depois de chegar até aqui é impressionante. Quer dizer, eu até consigo imaginar que pela quantidade de jogos que eles publicaram nesse ano somado a qualidade gráfica e de quadros de animação, é esperado que alguma coisa fosse rodar, mas puta merda cara...
Enfim, certamente existem jogos piores que esse Bugs Bunny Rabbit Rampage, certamente, mas realmente me incomoda que esse jogo poderia ser tão mais, ele poderia ter sido tão top na sua época e devido a cagadas que a própria Sunsoft não costumava cometer, acabou caindo na categoria de "ah, é, eu aluguei uma vez esse jogo quando era criança e nunca mais".
Eu aluguei esse jogo apenas uma vez quando era criança, e após ter jogado ele de novo, o mantenho na categoria de "nunca mais". É uma pena mesmo.
MATÉRIA NA GAMERS
(se você conseguir ler isso)
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