O PlayStation teve, oficialmente, 1.278 jogos lançados no Ocidente. Pode não parecer muito comparado aos números megalomaníacos da indústria atual — o Nintendo Switch, por exemplo, tem algo em torno de 12 mil jogos (é difícil rastrear com precisão). Mas ainda assim... é jogo pra uma senhora casseta.
Com tanto jogo lançado, é óbvio que nem todos seriam lembrados, e dentre os menos lembrados ainda existe a subcategoria: “Pera... esse jogo existiu? Nunca ouvi falar disso na minha vida.”. E é justamente aí que entra o jogo de hoje. Mesmo os jogadores mais hardcore, ou colecionadores nível “vendi um rim pra comprar um bundle lacrado”, provavelmente nunca ouviram falar de Bombardeiro Silencioso... E sim, vou tentar ao máximo evitar piadas com peidos. Mas... estamos falando de “bomba silenciosa”. Não prometo nada.
OH NÃO. LÁ VEM. ESSA TARDE VAI SER LONGA...
Mas enfim, Jorge, vamos lá. O Bombardeiro Silencioso e Mortal é um jogo bizarramente obscuro feito por uma desenvolvedora que, curiosamente, é até bem conhecida: a CyberConnect2.
EU LITERALMENTE NUNCA OUVI FALAR DESSA DESENVOLVEDORA ATÉ AGORA.
Talvez o nome não diga muito, mas com certeza você já topou com os jogos deles. Sabe aqueles jogos de luta de anime genérico, com cara de cashgrab desesperado da Bandai Namco? Aqueles jogos semi-abertos onde a equipe de desenvolvimento claramente colocou o mínimo de esforço possível porque sabe que o fã vai comprar só pra ver o Sasuke fazendo pose dramática? Pois é. Essa é a especialidade da casa.
Estamos falando de títulos como Naruto Ultimate Ninja, os 50 jogos de .hack que ninguém mais lembra (não que alguém ainda lembre de .hack, mas nos anos 2000 isso era um evento), e até os esquecíveis jogos de Demon Slayer. Regra do polegar pra cima: se você vagamente lembra que existe um jogo de um anime famoso... provavelmente foi a CyberConnect2 que fez.
E olha só, eu até mesmo já cobri um jogo deles nesse blog, seu título inaugural de gameplay esquecível mas abarrotado de furries com a barringuinha macia e com cheiro de um campo de margaridas numa manhã de sabado, TAIL CONCERTO.
EU DISSE QUE ESSA TARDE IA SER LONGA...
O segundo título deles em sua história é o jogo de hoje, e a notícia ruim é que envolve menos adoraveis meninas-gatinho fofinhas, a noticia boa é que envolve mais bombas. Pq todos amamos bombas, como já profetizava a escola filosofica Tchacabum. Se eu tivesse que descrever Silent Bomber em uma frase, seria algo como "Bomberman depois da puberdade"... o que soa horrível pq lembra aquela atrocidade de tentar transformar o Bomberman em um edgelord trevoso no Xbox, mas a coisa é melhor do que soa realmente.
Enfim, a mecânica central gira em torno de um tipo de bomba principal que pode ser usada de duas formas — e nenhuma delas é, ironicamente, silenciosa. Sim, já começamos sendo enganados pelo título. Parabéns, marketing.
A primeira forma é clássica: você posiciona a bomba no chão, um botão pra colocar, outro pra explodir. Bomberman raíz. Bomberman Moleque. Bomberman Toco-y-mi-voy. E assim como o terrorista mais amado dos games, as explosões que você faz te causam dano.
A segunda exige um pouco mais dos seus dedos: ao segurar o botão de colocar bomba, uma mira aparece na tela. Se essa mira alcançar um inimigo, ela trava nele — e aí você pode grudar quantos explosivos tiver no desgraçado. Também dá pra lançar bombas em outras superfícies — paredes, equipamentos, lugares aleatórios — mas nesse caso a mira não fixa. Também dá pra stackar bombas umas em cima das outras pra gerar uma explosão mais poderosa.
Então... o "tutorial" — que é, veja só, a parte do jogo feita para ensinar você a jogar, duh — é um caso particularmente curioso. Isso porque ele também tenta introduzir a história do jogo ao mesmo tempo. Mas antes de mergulhar nesse buraco, acho que cabe uma digressão: Eu odeio tutoriais.
NÃO DIGA!VOCÊ É UM FLOQUINHO DE NEVE ÚNICO, DIFERENTÃO, ESPECIAL. POR QUE TODO MUNDO AMA TUTORIAIS, NÉ? SÓ VOCÊ QUE NÃO CONSEGUE APRECIAR UM BOM BLOCO DE TEXTO EXPLICATIVO INTERROMPENDO SUA ADRENALINA.
Sim, eu sei que isso é uma opinião extremamente óbvia, mas o que mais eu ia dizer? Os melhores tutoriais — e aqui é onde a Nintendo é uma referencia até os dias de hoje — são aqueles que estão costurados no gameplay, que ensinam sem você nem perceber. Eles não interrompem o fluxo, não quebram o ritmo, e fazem você aprender jogando, não lendo uma parede de texto como se estivesse na aula de Excel do SENAC. Bufa Silenciosa, infelizmente, não é um desses.
Mas ok, o jogo te interrompe constantemente para explicar as mecânicas. E, embora isso torne o tutorial chato, sejamos honestos: não é o primeiro culpado disso e, infelizmente, também não será o último. Não é nem por isso que estou focando tanto nesse tutorial — é porque, como eu já disse, é nele que a história começa.
Tudo começa bem simples. O tutorial se passa durante a primeira missão do nosso protagonista, Yuta, quando ele ainda era só um recruta raso no exército, apenas cumprindo ordens e talvez acreditando que estava trabalhando por um bem maior.
A missão é destruir uma área inteira. Nada muito fora do esperado, né? Você é o cara das bombas, está em treinamento, tem que demolir um setor desabitado por alguma razão que nem o Yuta questiona — e, sendo sincero, você também não. É só a primeira fase, certo? Explode tudo e segue o baile. Só que aí vem a virada.
No momento em que você cumpre o objetivo, pessoas começam a sair dos escombros. Vivas, em chamas, gritando. E Yuta percebe o detalhe: não são soldados. Não são inimigos. São civis. Surpreso, chocado, ele questiona o comando. E a resposta é apenas "Continue a missão." Sem explicações. Sem empatia. Só ordens. Yuta hesita. Por um instante, você pensa que ele vai parar. Mas ele não para.
Pois é... confesso: a última coisa que eu esperava encontrar num tutorial era isso. Uma cena tão brutal, tão incômoda, tão densa — e ao mesmo tempo, tão significativa para o personagem. É uma sacada de mestre. Porque, da mesma forma que Yuta entra nessa sem saber onde está se metendo, nós, jogadores, também entramos. A gente seguiu as ordens do jogo como ele seguiu as do comando. A gente apertou os botões. Plantou as bombas. Executou a missão. E agora estamos ouvindo os gritos.
NOSSA, ISSO É... SURPREENDENTEMENTE PESADO. EU REALMENTE NÃO ESPERAVA UM TAKE ARTISTICO TÃO PROFUNDO DOS MESMOS CARAS QUE HOJE SÓ FAZEM JOGOS FILLER DE ANIME
Então, realmente essa intro é um principio inesperadamente profundo e aberto a várias discussões possíveis sobre a moralidade da guerra, a Defesa de Nuremberg e várias questões éticas abordadas em obras profundamente artisticas como Spec Ops: The Line ou Metal Gear Solid, e concordo com você que isso é a última coisa que eu esperaria em um jogo da CyberConnect2.
É tão inesperado, de fato, que nem eles mesmos esperavam já que a história não desenvolve a partir daí. Eu honestamente acredito que a CyberConnect2 não estava pensando muito artisticamente e é mais provavel que eles sequer pararam pra pensar no peso da introdução que fizeram. Não que eu DEVESSE esperar alguma coisa de um jogo da CyberConnect2, mas então, realmente não tem como não notar o quã perto eles chegaram de alguma coisa grandiosa apenas para não fazer nada com isso.
Na prática, Silent Bomber é um jogo que se apoia quase que exclusivamente na sua jogabilidade — e, nesse aspecto, faz um trabalho muito sólido. O loop básico de plantar bombas é simples, mas surpreendentemente viciante: ver os inimigos explodirem com um único estrondo gera uma recompensa tátil que torna cada combate contra mobs comuns satisfatório. E, quando chega a hora de encarar um chefe, o design desses encontros exige que você repense seu uso de bombas — seja grudando vários explosivos no alvo ou se posicionando para maximizar o alcance.
No total, o jogo dura cerca de duas horas e meia, distribuídas em 14 missões. Curiosamente, a contracapa afirmava “o dobro disso” — um exagero bem típico daquela época, em que promessas nas caixas raramente correspondiam ao conteúdo real. As primeiras 11 fases equilibram desafio e diversão: dificilzinhas, mas sem deixar você refém de retries intermináveis. A câmera às vezes atrapalha — obscurece tiros inimigos vindo de ângulos estranhos — mas o sistema de respawn generoso e o fato de as avaliações de performance não travarem seu progresso compensam o vexame de algumas cagadas de perspectiva.
Aí chegamos à missão 12, que é o calcanhar de Aquiles de Silent Bomber. Em vez de enfrentarmos uma variedade de inimigos, somos obrigados a proteger um NPC de hordas de um único tipo de oponente, cujo ataque corpo a corpo não é “lockável” pela mira. Para piorar, suas próprias bombas podem ferir quem você deveria defender. Porque pior que uma missão de escolta, é uma missão de escolta que sua única forma de ataque pode causar dano ao seu protegido. Parabéns a todos os envolvidos.
A missão 13 é cronometrada, mas, comparada à anterior, é quase um passeio no parque. Já a missão 14 parece um teste de paciência: você passa minutos e mais minutos lidando com “peças de xadrez” que ressurgem em ondas, até enfim chegar ao chefão. E esse duelo final até é interessante do ponto de vista de design, mas a dificuldade implacável — somada à falta de check-points entre o tabuleiro e o confronto — faz com que cada derrota implique refazer todo o quebra-cabeça gigante. Um golpe baixo, para quem já gastou tanta munição chegando até ali.
No fim das contas, Silent Bomber entrega uma mecânica de ação bem saciada e um senso de progressão honesto, mas tropeça feio em algumas escolhas de level design — e, especialmente, na curva de dificuldade que sobe de 0 a 100 em poucas missões.
O resultado é um jogo que entrega um loop de gameplay funcional, ainda que às vezes um tanto desajeitado. Vale lembrar, porém, que Silent Bomber é um título de PS1 feito com orçamento apertado, contando com uma localização visivelmente econômica e vindo de um estúdio que não era exatamente sinônimo de ousadia criativa (algo que a CyberConnect2 não viria a aprimorar nos anos seguintes).
No geral, Silent Bomber não figura entre os grandes clássicos do PlayStation. É um jogo de ação que se propõe a fazer uma coisa só… e o faz de maneira decente, mas nada extraordinária. Seu ponto mais curioso talvez seja esse flerte inicial entre Bomberman e uma atmosfera meio Spec Ops: The Line, que acaba não passando de um acidente de percurso, deixando-o apenas com o DNA “à la Bomberman”. No fim das contas, é um representante honesto da categoria “mais um jogo já feito”—nem memorável, nem completamente descartável.
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