Nos anos 90, várias desenvolvedoras japonesas perceberam o quão fácil era fazer um dungeon crawler roguelike: você escreve um algoritmo em Java pra gerar aleatoriamente um andar novo toda vez que o jogador entra na dungeon, cola as mecânicas mais básicas possíveis de um RPG ou Action RPG… e cruza os braços, assistindo enquanto os japoneses empilham centenas de horas naquele pixelado inferno procedural.
Embora esse subnicho nunca tenha realmente emplacado no Ocidente, no Japão ele prosperou — principalmente graças à franquia Mystery Dungeon, que começou como spin-off de Dragon Quest (tirando o “RP” do “G”, como se Dragon Quest tivesse lá muita história... mas divago). Com o tempo, ela ganhou versões com Pokémon, Final Fantasy, Shiren the Wanderer, Chocobo, e mais umas vinte skins diferentes.
Quero dizer, sério, o protagonista é literalmente uma galinha amarela gigante que anda, dá bicadas e cuja maior complexidade mecânica é usar itens pra castar magias — que, no fim das contas, são só ataques à distância com um nome mais pomposo.
É o tipo de jogo que você esperaria apresentar como “o primeiro roguelike do seu filho de 6 anos”. Eu só não digo que é exatamente isso porque o RNG te odeia com um fervor religioso, e o jogo pode muito bem decidir spawnar uma armadilha que te impede de atacar ou te jogar num andar lotado de inimigos just because. E aí, é isso. Foda-se você, seu progresso, e o nome da sua prima também.
A mecânica é, de fato, bem básica: embora ele pareça um action RPG à primeira vista, é mais tático do que parece. A cada passo que você dá, os inimigos também se movem uma casa, o que transforma cada corredor em uma dança tensa de posicionamento — tentando dar uma bicada antes que o monstro te devolva com juros.
E é isso. Essa é a fórmula. Enxágue e repita por 7 dungeons, com uma média de 20 andares cada. Você sobe, apanha, desce, apanha mais, volta pra cidade, e repete o ciclo com um sorriso falsamente otimista no rosto e uma profunda dor na alma por ter que administrar um inventário minúsculo enquanto torce por drops de cura — já que sair da dungeon significa começar tudo de novo.
Chocobo’s Mystery Dungeon 2 é o tipo de jogo que você liga, joga por dez minutos, entende exatamente o que vai acontecer nas próximas dez horas, e diz: "É, esse definitivamente é um dos jogos já feitos." E então devolve ele pra prateleira de compras que pareceram uma boa ideia na hora, entre EARTHWORM JIM 3D e QUEST 64 , onde sonhos esquecidos vão morrer.
Mas como fui agraciado com a missão divina de jogar todos esses títulos — uma penitência sagrada que me foi incumbida pela Santa Ausência de Interação Humana e Luz Solar — eu segui em frente. E o que encontrei na primeira hora foi exatamente o que você esperaria. Exatamente.
Tudo aqui grita “o primeiro jogo de dungeon crawler do bebê”. O loop de gameplay é:
- Entra na masmorra.
- Anda em tiles.
- Bica a fuça de um goblin com cara de ouriço.
- Morre porque uma luva amaldiçoada zerou seu ataque e você não conseguiu identificar o item já que seu inventário estava lotado e você teve que jogar fora os pergaminhos de identify.
- Repita.
Como já comentei, o jogo segue um sistema de turnos disfarçado de ação: a cada passo seu, os inimigos também se movem. Parece estratégico… até você perceber que está apenas tropeçando desajeitadamente por corredores estreitos, torcendo pra não pisar numa armadilha que te transforma em sapo — o que te impede de atacar enquanto os inimigos te espancam alegremente no único tile livre à sua volta.
E fora o loop da dungeon? Não tem muito mais.
Eu fiquei esperando por algum plot twist — qualquer coisa. Um “Chocobo, você estava morto o tempo todo”, talvez. Mas não. O que recebi foi Mog, o Moogle, recitando falas de anime genérico de forma verborragicamente tediosa, falando como se estivesse sendo pago por sílaba.
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Porra, Ultros, tu não se ajuda também né? |
Isso não é um jogo. É o produto licenciado número 4785 da semana no Japão. Não que eu já não soubesse disso.
Ou... assim eu pensava.
Não tenho certeza de quando aconteceu.
Talvez tenha sido a oitava vez que reiniciei uma masmorra e notei que o Chocobo inclina a cabeça quando está confuso. Talvez tenha sido quando encontrei um ripoff do Mario da shopee que me seguiu como um cachorrinho leal e levou um golpe que era para mim.
Talvez tenha sido o jeito como a música ficou mais suave quando voltei para a cidade, espancado e com o equipamento todo esbagaçado, só para uma garotinha NPC perguntar: "Você já encontrou meu pai...?"
Não.
Não, droga.
A simplicidade do jogo se tornou… reconfortante. A repetitividade virou um ritmo — uma canção de ninar para minha alma gamer, calejada pelos golpes da vida. E como a vida tem golpes.
Aquela mesmice que antes me irritava passou a ser um abraço pixelado, um ritual de purificação onde eu entrava, apanhava, saía, me curava, e voltava. Um ciclo de sofrimento suave. Um inferno fofo.
E isso me quebrou.
Chocobo’s Mystery Dungeon 2 é um jogo bobo, simples, e irritantemente charmoso que te desafia — com todas as forças do seu design datado — a se importar. Ele não é chamativo. Não é revolucionário. Se repete como um poeta bêbado com um único verso na cabeça. E ainda assim... agora eu entendo.
Entendo o que os japoneses veem nesse ritual estranho de sofrer em dungeons geradas por RNG caótico com uma ave gordinha como protagonista. Por baixo das masmorras procedurais e das mecânicas que nunca ousam ir além do básico e seguro, existe algo real.
Um pequeno RPG aconchegante que sabe que não precisa ser épico, porque às vezes basta vagar pelo perigo, um quadrado de cada vez, só para chegar em casa e alguém dizer: "Bem-vindo de volta".
Veredito Final:
EDIÇÃO 146 (Dezembro de 1999)