segunda-feira, 14 de abril de 2025

[#1448][Mar/2000] STREET FIGHTER EX3

E então chegamos a uma milestone muito importante nesse blog: o primeiro jogo exclusivo de Playstation 2! Parece que foi ontem que estavamos esperando os primeiros jogos de Super Nintendo, e agora, cá estamos... estreando essa belezoca noir que atende pelo codinome PS2. Um salto de geração, um novo milênio, uma promessa de gráficos tão reais que sua avó ia achar que o Tekken era noticiário. Mas calma, a história do PS2 — esse monumento ao hype e à fumaça preta do leitor óptico — merece uma introdução mais cinematográfica. Hoje, porém, vamos contar uma história mais... humilde. E um tantinho mais bagunçada.

Estamos falando do fim dos anos 90, quando a Capcom se viu diante de um pequeno detalhe técnico em sua existência corporativa. Em março de 2000, o PlayStation 2 seria lançado com toda a pompa e circunstância de uma revolução tecnológica — o maior lançamento da história dos videogames até então. Era o tipo de evento que fazia até gente que odiava videogame dar uma espiadinha no trailer e pensar: “Isso aí roda filme?”

E claro que a Capcom, rainha dos crossovers e das continuações com nomes confusos, queria marcar presença nesse festim digital. Só tinha um problema, um pequeno probleminha ... uma coisinha mínima, microscópica, quase invisível... Eles. Não. Tinham. Um. Jogo.

Pois é. Faltando poucos meses pro lançamento do console mais aguardado da galáxia, a Capcom olhou pro próprio catálogo e percebeu que tava mais vazio que lobby de MMORPG às quatro da manhã. E quando você quer entrar numa festa dessas, trazer um jogo é meio importante, né? 


ntão surge a pergunta: como diabos você produz um jogo inteiro em poucos meses pra bater o lançamento do PS2? Bem, existem algumas maneiras, mas a que a Capcom escolheu foi abrir a lista de contatinhos e mandar um "oi, sumida!" para a Arika. Você sabe, os caras que fizeram os dois Street Fighter EX anteriores e com quem a Capcom não tinha exatamente a melhor relação do mundo dado o quanto a publisher deixou bem claro que não achava um Street Fighter EX2 necessário.

Porém dois anos depois, a Capcom precisava de um jogo urgentemente e a Arika precisava pagar os boletos do mes urgentemente, e quando a necessidade aperta o orgulho afrouxa. As negociações foram mais ou menos assim:


 Nascia assim então Street Fighter EX3. E agora que você sabe a história de SFEX3, já tem uma boa ideia do que esperar aqui, não?

Então desenvolvido pela Arika e publicado pela Capcom, este jogo foi sim lançado a tempo para o lançamento do PS2... e dá para notar, porque tem todo o polimento e a graça que você esperaria de um jogo montado no time attack para bater o prazo em um hardware que ninguém nunca tinha trabalhado antes. Não que fosse dificil programar para o PS2, mas não muda o fato que ninguém tinha experiencia nenhuma e a documentação para referencia era inexistente, então boa sorte achando para quem perguntar quando algum problema na programação surgia.


Entre dificuldades tecnicas e falta de tempo, isso quer dizer que a Arika teve que começar cortando algumas coisas da jogabilidade para bater o prazo. Todo sistema de Guard Break foi substituído por uma versão bem mais simples, chamada de "Hard Attack". O que ele faz? Ele... ataca... duro? Tá, deixa eu ser um pouco mais técnico e explicar a diferença pra você ter uma idéia do que aconteceu nese jogo.

Vamos lá: nos EX anteriores, existia um ataque chamado "Guard Break", que como o nome diz, quebrava a defesa do adversário. Você faz aperta soco e chute da mesma força ao mesmo tempo e seu personagem dá um golpe que não apenas não pode ser defendido como quebra o especial do adversário se ele estiver usando. Parece bem forte, né? E é, só que ele gasta uma barra de especial para usar, então é uma coisa que vc tem que usar taticamente.


No EX3 esse comando foi bem simplificado: agora o "Hard Attack" (ou "Surprise Blow" na versão americana) não gasta mais barra de especial, mas em compensação ele pode ser defendido e não quebra mais ataques especiais.

UÉ, PRA QUE ISSO SERVE ENTÃO?

Não tanta coisa, eu temo. Ele dá alguns frames de animação a mais na abertura do oponente para iniciar um combo - algo que o Guard Break já fazia - e todas suas outras funções táticas ficaram de fora do jogo. Ou seja, toda mecanica do sistema foi incrivelmetne simplificada porque, novamente, era o que a Arika conseguiu fazer com o tempo que tinha. E esse é apenas um exemplo, imagine que todos os sistemas do jogo receberam uma enxugada assim e você começa a entender o quão mais pobre esse jogo é em relação ao anterior - e vale lembrar que o STREET FIGHTER EX2 PLUS já não era exatamente a reencarnação do STREET FIGHTER 3: 3rd Strike - Fight for the Future em 3D.


E se o sistema de combate já tinha levado uma bela podada, ele não foi o único setor a sofrer com o facão do orçamento. Elementos bem mais visíveis — e, portanto, mais notáveis até para o jogador mais casual — também acabaram na lista de cortes. O exemplo mais gritante é o elenco de personagens.

Street Fighter EX3 adiciona um único e solitário personagem novo ao elenco, enquanto ao mesmo tempo dá uma bela enxugada nos lutadores disponíveis no jogo anterior — um retrocesso raro no mundo dos jogos de luta, e que nunca é um bom sinal. Esse novo personagem se chama Ace, e... bom, ele é curioso. Vamos colocar assim.


Tirando o fato de que ele tem o carisma de um protetor de tela padrão do Windows XP, sua função no jogo é ser um personagem customizável, permitindo que o jogador monte seu próprio conjunto de golpes usando movimentos de outros lutadores. A ideia em si é ótima — tanto que seria reaproveitada anos depois como base da gameplay de Street Fighter 6 — o problema é a execução aqui, que grita puro "feito às pressas".

Ace aprende um número limitado de golpes (nível Pokémon de Game Boy), e o potencial de customização já perde metade da graça quando você descobre que não dá pra mudar a aparência dele. É isso mesmo. Você monta um Frankenstein de golpes num cara genérico de roupa cinza e fica por isso mesmo.


E tirando o Ace da equação, o restante do elenco também sofreu perdas. Aquele grupo bizarro que ajudava a dar personalidade ao EX2 levou um belo facão: Blaire, Allen e Hayate desapareceram do mapa, enquanto Akuma aparentemente tinha outro compromisso na agenda. Pra piorar, nenhum dos personagens que voltaram ganhou golpes ou especiais novos. Zero. Nadinha. Mais uma vez, é aquela sensação de jogo lançado com o que deu pra fazer, e não com o que deveria ter. Uma sequência que retrocede em conteúdo é sempre um mal sinal, mas quando até os personagens — a alma de um jogo de luta — recebem esse tipo de tratamento, aí a coisa desanda de vez.

Em termos de gráficos, sim, Street Fighter EX3 até parece melhor que o STREET FIGHTER EX2 PLUS. Mas sejamos honestos: fazer um jogo de PlayStation 2 parecer superior a um de PlayStation 1 não é exatamente uma conquista — é o mínimo do mínimo. Você teria que cometer um crime inafiançável contra a engenharia gráfica pra piorar nesse salto de geração.


A comparação que cabe sim ser feita nesse caso é com outros jogos da mesma geração já lançados, e aí a coisa fica bem feia. Basta olhar pro que o Dreamcast já entregava na época — DEAD OR ALIVE 2SOULCALIBUR — e as comparações se tornam... absolutamente brutais. As animações de EX3 são rígidas, travadas, sem fluidez nenhuma. Sim, há mais polígonos e texturas um pouco melhores, mas tudo tem aquele ar de projeto de faculdade renderizado na pressa.

E como se isso já não fosse o bastante, os cenários conseguem a proeza de serem ainda mais vazios, sem alma e sem graça do que os do jogo anterior — o que, convenhamos, já era uma tarefa difícilSTREET FIGHTER EX2 PLUS já era uma experiência bem "meh" nesse sentido, e EX3 olhou pra isso e disse: “Segura minha cerveja.” O resultado é Um festival de fundos sem vida, com aquela energia de evento corporativo vazio que deveria fazer os personagens se perguntarem: “Como exatamente eu vim parar aqui e por que nada nesse mundo tem cor ou personalidade?”

Então, tem alguma coisa que o EX3 faz direito? Bem, o modo campanha nesse jogo é curioso, isso tem que ser dado a ele. Isso porque ao invés do tradicional "8 lutas até o chefão", aqui o jogo funciona no Dramatic Mode: você abre o jogo enfrentando três caras. Ao mesmo tempo. Na mesma tela. Isso é... diferente, tenho que dar isso a eles. Claro, também é meio tosco porque os bonecos não conseguem passar uns pelos outros então fica você lutando com o cara na sua frente e os outros dois parados ali atrás no engarrafamento... mas é diferente.


Ao derrotar adversários nessa luta, você pode recrutar um deles para o seu time e daí até o fim o jogo alterna entre o Dramatic Mode e o modo Tag Team. Numa luta é todo mundo contra todo mundo na tela, na outra funciona com sistema de tag como em Marvel vs Capcom ou The King of Fighters (o que era moda naquele tempo). Com o multitap do PS2 é possível ter lutas de 2x2 ao mesmo tempo com todo mundo na tela se porradeando e honestamente, é onde o jogo chega mais perto de ser divertido.

Curiosamente, o outro ponto alto é... a tela de créditos. Sim, os créditos. Porque ao invés de simplesmente mostrar os nomes dos envolvidos, o jogo te joga contra uma horda infinita de bonecos enquanto os créditos rolam por cima. É quase um mini Dynasty Warriors do homem pobre, mas é também um raro momento em que o jogo mostra algum fôlego técnico, com uma porrada de modelos renderizados na tela mostrando do que o PS2 era realmente capaz. Sinceramente, tivesse focado mais nisso e sido um beat'm up - ou ao menos dar um modo de jogo assim, como Tekken 3 fez - teria sido bem mais impressionante. 


Porque “impressionante” é exatamente o que falta aqui — o que é, no mínimo, trágico para um título de lançamento do PS2. Sem personagens novos. Jogabilidade que regrediu. Visuais feios e sem alma. Música reciclada. Tudo nesse jogo grita "sim, é mais bonito que um jogo de PS1, mas tivemos apenas quatro meses para montar a coisa toda". 

E esse é o fim da franquia Street Fighter EX. A Capcom e a Arika se separaram depois disso, apenas para uma nunca mais olhar na cara uma da outra. A Capcom seguiu explorando os jogos 3D por conta própria (e, justiça seja feita, com sucesso: Street Fighter IV, anos depois, usaria gráficos 3D com resultados excelentes). 


Já a Arika demorou um pouco mais pra achar seu rumo, mas eventualmente se encontrou. Hoje, eles são especialistas em... Tetris. Sim, Tetris. Mas não qualquer um — são os responsáveis por Tetris 99, um sucesso real, e continuam atuando nos bastidores da cena de jogos de luta, como co-desenvolvedores de Tekken 7 e 8 ao lado da Namco.

Considerando de onde vieram, não é um desfecho ruim. Na verdade, é até surpreendentemente digno, se for parar para ver o quão esquecível é EX3. Porque se é assim que uma trilogia termina... talvez algumas histórias devessem mesmo parar no disco dois.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 150 (Abril de 2000)


EDIÇÃO 151 (Maio de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 069 (Dezembro de 1999)


EDIÇÃO 075 (Junho de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 044  (Setembro de 1999)




EDIÇÃO 056 (Março de 2000 - Semana 2)


EDIÇÃO 061 (Abril de 2000 - Semana 3)