quarta-feira, 9 de abril de 2025

[#1443][Nov/1999] EARTHWORM JIM 3D


Eu tenho uma relação... única com a Shiny Entertainment. Vamos colocar assim. No campo das ideias, poucas empresas foram tão criativas quanto eles — talvez só a Atlus, porque eu ainda estou tentando processar a franquia de luta da velha beijoqueira, vulgo POWER INSTINCTMas o que eu gosto bem menos nos jogos deles é, veja só... jogar os jogos deles.

WILD 9 se baseia em uma mecanica de agarrar os inimigos com um raio de energia e usar eles como ferramenta no cenário, ideia genial. Execução beeeem marromenos. MDK é a história de um faxineiro espacial e seu cyberdog combatendo uma invasão alienígina com um supertraje que é uma das primeiras tentativas de colocar um sniper rifle em um jogo de videogame, mas jogar o jogo em si é bem mais repetitivo e sem graça do que vc poderia esperar.


Mas se estamos falando dos jogos da Shiny que brilham em conceito mas fracassam na execução a ponto de te dar vontade de enfiar um crayon no nariz... nada supera os clássicos mais famosos deles: EARTHWORM JIM e EARTHWORM JIM 2.

Não existe absolutamente NADA — e eu repito, N-A-D-A — mais criativo no reino dos jogos de plataforma do que as desventuras do nosso glorioso Tiago Minhoca. Recomendo fortemente que você leia minha review de EARTHWORM JIM 2. Os caras estavam em combustão espontânea de tanta insanidade criativa, metralhando ideia bizarra atrás de ideia mais bizarra ainda, sem o menor sinal de desacelerar. O jogo teria que calar a boca pra ser só "maluco".


Infelizmente, o que a Shiny grita em criatividade, eles falham em hit detection, jogabilidade e ter a mais remota noção do que seria uma dificuldade adequada. Pensar sobre EARTHWORM JIM é definitivamente muito mais divertido que jogar a coisa.

Isso tendo sido explicado, agora você pode imaginar que havia uma grande expectativa sobre como seria a primeira entrada do nosso amigo anelídeo na quinta geração de consoles. Bem, vamos ver como isso saiu, sim?

NextGen 61, Jan 2000

Oh boy, esse é um daqueles, né? O circo completo: nota uma estrela da NextGen, video do AVGN zoando o jogo, 8 bilhões de reviews dizendo que esse jogo é pior que cancer de bunda. Então, em minha profunda integridade jornalistica...

"INTEGRIDADE JORNALISTICA", É ASSIM QUE ESTAMOS CHAMANDO AGORA É...

... em minha INCOMENSURÁVEL integridade jornalistica, existem duas perguntas que eu preciso responder: o que EXATAMENTE aconteceu e se o jogo é de facto tão ruim quanto o pintam o diabo.


Vamos começar do começo: entender o contexto de produção desse jogo já explica metade da desgraça. Depois do sucesso comercial de EARTHWORM JIM 2 em 1995, é claro que o mundo estava sedento por um Tiago Minhoca 3.

O problema? A Shiny... não estava nem um pouco afim. E, honestamente, não dá pra culpar os caras: quando você tem uma equipe movida puramente a Red Bull, cocaína e uma obsessão pouco explicada sobre vacas, forçar uma sequência pode parecer o equivalente a colocar um lobo criativo numa coleira.


Só que a esse ponto EJ já era uma franquia completa com quadrinhos, uma linha de brinquedo e até mesmo um desenho animado estrelado por uma das estrelas mais caras da dublagem dos anos 90, Dan Castellaneta (mais conhecido como a voz do Homer Simpson). Logo, é compreensível que a publisher estivesse babando por um novo jogo.

Como a Shiny não estava muito com vontade de fazer um Earthworm Jim 3, eles então decidiram vender a IP para a a Interplay.

David Perry, programador-chefe da Shiny na época, já disse em entrevista que vender a IP foi a coisa na carreira que ele mais se arrepende.

BEM, EARTHWORM JIM 3 NÃO SERIA FEITO ENTÃO PELOS CRIATIVOS CRIADORES ORIGINAIS QUE FIZERAM OS JOGOS ANTERIORES, MAS CERTAMENTE A INTERPLAY ENTREGARIA UM JOGO A ALTURA DAS EXPECTATIVAS, CERTO?

Hmm, não exatamente. Vê, naquela época a Interplay tinha um pequeno, minúsculo, imperceptível pequeno probleminha, coisa boba mesmo, mas:


É, tinha isso. A Interplay estava mais quebrada que arroz de quinta, de modo que a única forma de tirar esse jogo do papel seria empregar a equipe mais barata que o dinheiro pode pagar para o papel. O que foi EXATAMENTE o que eles fizeram, sendo esse jogo então feito pela VIS Interactive - mais conhecida por... hã... por... então, eles fizeram antes disso...

Então... o único jogo que eles tinham feito antes disso foi H.E.A.D.Z. – Head Extreme Destruction Zone, um jogo de PC tão obscuro que parece ter sido inventado por um gerador aleatório. E bastam 10 segundos de gameplay pra entender exatamente por que ninguém nunca ouviu falar dele.


BEU TEUS...

Pois é. Os caras da VIS estavam tão perdidos, tão desesperados sem a menor ideia de por onde começar, que a própria Shiny ofereceu um ou dois programadores pra tentar dar alguma luz no caos. Afinal, eles ainda tinham certo carinho pelo Tiago Minhoca.

Só que como desgraça pouca é bobagem, a Interplay estava numa espiral financeira tão feia que o jogo, que inicialmente seria um exclusivo de PC (o único território onde a VIS tinha alguma vaga ideia do que estava fazendo), acabou virando um projeto multiplataforma pra PS1 e Nintendo 64 — feito pelo mesmo time. Sim, a equipe já cambaleando foi forçada a dobrar a carga de trabalho em plataformas completamente diferentes.

O fato da IP ter sido vendida para a Interplay é a razão do Earthworm Jim estar como personagem jogável em CLAY FIGHTER 63 1/3

Como eu já expliquei no texto de SHADOW MAN, ports normalmente são feitos por outros estúdios ou pelo time DEPOIS que o jogo principal foi feito, dividir o seu já limitado time e dobrar a carga de trabalho deles com uma programação inteiramente diferente não é algo que você queira fazer.

Então chegamos ao jogo em si, que como dá pra ver, foi feito por uma equipe sem a mais remota noção do que estava fazendo e sobre carregada por ter que fazer duas versões do jogo simultaneamente (no fim, a versão de PS1 foi cancelada pq eles realmente não seriam capazes de entregar TRÊS versões do jogo).


Para adicionar ofensa a injúria, o jogo foi lançado no mesmo mês que SPYRO 2: Ripto's Rage e um mês depois de RAYMAN 2: The Great Escape... o que torna a comparação com os outros jogos de plataforma 3D da época ainda mais brutal.

Isso tudo até aqui considerado, é compreensível então que Tiago Minhoca 3D seja o acidente de trem que a internet diz que é. Mas a questão que realmente fica é... e aí, o jogo é MESMO essa desgraça toda?


Vamos deixar uma coisa clara: Earthworm Jim 3D não é o pior jogo já feito. Nem de perto. Nem mesmo o pior platformer do Nintendo 64. Mas é, com certeza, uma das transições mais tristes, confusas e esquecíveis de uma franquia 2D para o mundo do 3D.

Vamos começar falando do aspecto positivo: o conceito do jogo é muito interessante. Nossa história aqui é que uma vaca caiu na cabeça Do nosso amigo Jombo (pq é claro que cairia) e ele está em coma no hospital. Então o jogo inteiro se passa dentro da cabeça dele, e ele precisa lidar com as próprias merdas mentais para voltar do coma.


O que soa muito como um protótipo de Psychonauts quase uma decada antes, e dado o histórico psicodélico da franquia poderia ser algo absolutamente incrível e único na história dos videogames... ou, você sabe, pode ser também sobre fases genéricas e absolutamente vazias, é, acho que dá pra fazer assim também.

Os mundos, embora supostamente ambientados dentro da mente de Jim, parecem saídos de um gerador de temas genéricos. “Medo”, “Memória”, “Felicidade”... tudo isso pra você cair em plataformas flutuantes com texturas monocromáticas e sem vida. Existem momentos pontuais de nonsense genuíno, como a arma que atira leprechauns (just because), mas a maior parte do tempo parece que você tá jogando fases rejeitadas de GEX 3: Deep Cover Gecko.


A jogabilidade é como se Jim estivesse patinando em cola quente em cima de um patinete empenado. O level design até é funcional, e a coleta das estrelas douradas para desbloquear novos níveis (aqui representadas por... tetas de vaca douradas. Ok, ponto pra criatividade) oferece um desafio razoável. Mas nada disso importa quando a câmera do jogo parece ter sido programada por um demônio menor invocado com sangue de bode e chiclete mascado.

Quer dizer, eu já peguei a essa altura, a quinta geração é marcada pelo quanto sofremos com o controle de camera em jogos 3D e mesmo jogos BONS sofrem disso. Mas meu amigo... POUTA QUE O PAREO, mesmo para os padrões já baixos da quinta geração, esse aqui leva o troféu pra casa. Sem exagero, só não é a pior camera da história dos videogames porque RASCAL existe.


Eu sei que eu reclamo muito da camera nessa geração de consoles, mas sinceramente é absurdamente exaustivo o quanto você passa seis horas ininterruptas lutando contra ela apenas para ver o que tem na frente do seu boneco. Eu Terminava uma sessão de jogo me sentindo esgotado. Não apenas mentalmente — fisicamente.

A camera que tem uma cruzada pessoal contra a sua sanidade é particularmente terrível ns lutas de chefe, pq alguém na VIS — algum ser iluminado, algum gênio incompreendido — achou achou que esse modelo de lutas de chefe seria vagamente aceitável. Eis como funciona: você pilota um porco quicando na água (o que é algo bem Earthworm Jim, tenho que dar isso a eles) e precisa coletar 100 marbles. Só que o chefe coleta também, e ele dispara misseis - quando você é atingido vc perde as suas marbles.

Então a luta de chefe nesse jogo é um battle mode 1x1 do SUPER MARIO KART, só que o seu porco controla como se você estivesse no gelo, você tem que desviar dos misseis do chefe para não perder as suas marbles, acertar ele pra ele derrubar as dele (atirando apenas dois misseis de cada vez antes de recarregar) e tudo isso com uma camera que não funciona nem parada, imagina nesse Rocket League do inferno.


A boa notícia é que tirando esses momentos pontuais - como citadas batalhas de chefe e sessões terríveis como a parte de dar chicotadas na bunda do Elvis pra fazer ele pular, apesar da descrição maneira isso controla como tentar fazer grau com uma betoneira - na maior parte do tempo Earthworm Jim 3D não é injogável. Os pulos respondem okay, a mira automática funciona melhor que na maioria dos jogos da época e por mais dificil que seja, os inimigos ao menos dropam energia regularmente

A noticia ruim é que ele não é muito melhor que "não injogável" também.Verdade que o jogo faz outras coisas irritantes (tipo toda vez que você morre, sua contagem de bolinhas é zerada, forçando você a se lembrar de tudo que coletou em sua vida anterior), mas no fim do dia o maior pecado do jogo não é ser bugado. É ser esquecível.


Já que você está viajando pelo cérebro de Jim, você esperaria algo realmente único, mas o primeiro nível parece se passar em um armazém, completo com texturas de madeira repetitivas e caixas marrons por todo lugar. O segundo nível é um celeiro "maluco", e até isso parece chato. Não há quase nada da criatividade dos jogos anteriores. Pelo menos o modelo de personagem de Jim parece bem decente e é bem animado.

Dá pra perceber que os desenvolvedores jogaram os jogos anteriores, que entenderam o tom. Mas só porque você assistiu todos os filmes do Tarantino não significa que consegue escrever Pulp Fiction. E isso se aplica perfeitamente aqui. Poderia ter sido uma obra-prima surreal. No fim, é só mais um platformer sem alma com uma minhoca na capa e uma câmera que quer te matar e a todos que você ama.

Deus, eu vou ter pesadelos com essa sessão pelo resto da minha vida...

Humor sempre foi um dos pontos fracos dos videogames, e os jogos do Jim Minhoca eram o mais perto que chegamos de algo genuinamente engraçado. Não tem nada disso aqui. E nunca mais teve, já que a franquia morreu com esse jogo. 

Talvez o que mais doa em Earthworm Jim 3D não seja o gameplay clunky, a câmera homicida ou os mundos genéricos. Tá, isso dói bastante, porém o pior mesmo é perceber que uma franquia que representava pura liberdade criativa, um delírio interativo onde tudo era possível, morreu da forma mais mundana possível: com uma planilha de orçamento e prazos apertados. Ver Jim apagando aos poucos em meio a um jogo esquecível é como assistir uma estrela se apagar — não com fúria, mas com resignação. E isso, no fundo, é mais triste do que qualquer bug ou boss mal programado.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 132 (Outubro de 1998)


EDIÇÃO 134 (Dezembro de 1998)


EDIÇÃO 146 (Dezembro de 1999)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 043 (Outubro de 1997)


EDIÇÃO 063 (Junho de 1999)


EDIÇÃO 069 (Dezembro de 1999)


EDIÇÃO 070 (Janeiro de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 031 (Junho de 1998)


EDIÇÃO 046 (Dezembro de 1999)