domingo, 6 de abril de 2025

[#1440][Out/1999] RAYMAN 2: The Great Escape


Raio-Homem 2: A Grande Escapada, é essencialmente o JOHN ROMERO'S DAIKATANA reverso. Se no desastre do João Romero eu disse que fiquei desapontado pq o jogo era ruim mas não TÃO RUIM quanto toda fama dele te leva esperar que ele seja, Rayman 2 tem o efeito o contrário.

Isso pq Rayman 2 é um jogo de plataforma 3D bom. Não, "bom" é o understatement do ano, Rayman 2 é um dos melhores jogos de plataforma 3D da quinta geração - uma geração marcada por gigantescos jogos de plataforma 3D como SPYRO 2: Ripto's Rage ou BANJO-KAZOOIE.


Esse é meio que o problema: esse jogo é mecanicamente bom o suficiente para estar junto com esses dois na conversa... mas ele não está. Quando se discute os grandes jogos de plataforma 3D dos anos 90, Rayman nunca é citado de cara, é sempre uma lembrança de segunda prateleira - uma que todo mundo concorda que é muito bom, apenas não é a primeira escolha de ninguém.

A questão é justamente essa: Rayman 2 é inegavelmente bom, mas... o que está faltando? O que não está clicando aqui? O que é que mantém esse jogo sempre no pódio - mas apenas disputando o bronze, nunca o ouro? É o que discutiremos a seguir.

Mas vamos começar do começo: existe uma razão para Rayman 2 sempre aparecer nas listas de "melhores jogos de plataforma 3D de todos os tempos", mesmo que nunca no topo. Tecnicamente, o jogo é imaculado, chega a ser impressionante como em cada fase alguma coisa nova é sempre apresentada, Rayman 2 nunca senta na zona de conforto e não existem duas fases parecidas em um jogo relativamente longo como esse.

Visualmente… depende de qual versão EXATAMENTE estamos falando. O jogo foi portado para praticamente todos os consoles conhecidos pela humanidade, e cada versão tem suas liberdades. Mas pegando as originais, lançadas em outubro de 1999 para Nintendo 64 e PC, dá pra dizer com segurança: Rayman 2 estava à frente do seu tempo.


Mecanicamente? Sólido, responsivo, e com uma autoconsciência rara. Ele conhece suas limitações e não tenta disfarçá-las — foca no que faz bem e não perde tempo tentando ser o que não é. Eu, pessoalmente, acho o combate uma tragédia: o jogo fecha em uma espécie de duelo, e eu não acho que arrasta mais do que deveria para ser divertido. Mas o próprio jogo parece concordar comigo, já que os combates são bem menos frequentes que as sessões de plataforma, que são claramente onde o jogo brilha.

E essa é a questão aqui: a Ubisoft fez a lição de casa. Eles olharam para os gigantes do gênero, estudaram minuciosamente o que funcionava — e, mais importante, o que não funcionava — e montaram o próprio jogo não pra “participar” da festa… mas pra chegar com os dois pés na porta e sentar na mesa dos garotos populares com os pés em cima da mesa.


Não foi um projeto qualquer. Rayman 2 teve um ciclo de desenvolvimento de quatro anos — um absurdo de longo pra época. E como se isso não bastasse, a Ubisoft ainda lançou um jogo inteiro (o malfadado TONIC TROUBLE) só pra testar a engine e ganhar experiência no design 3D. Isso não é só dedicação, é obsessão. Um nível de perfeccionismo que faria a própria Nintendo parecer relapsa com o controle de qualidade das suas franquias.

Então, tudo no papel sobre esse jogo grita clássico: um esquema de controle fluido que fez a plataforma 3D parecer boa em todas as versões, mesmo que estejamos falando de 5 ports para sistemas inteiramente diferentes. O que por si só é um feito bastante impressionante.


Temos também um mundo assustadoramente belo cheio de mecha-piratas com um design excelente, cavernas ecoantes e florestas melancólicas. Progressão suave, design de nível intuitivo e segredos suficientes para mantê-lo caçando colecionaveis por meses sem exigir backtracking nenhum. Um chuchu. Enfim, não importe por qual angulo você olhe, é uma aula magistral absoluta em design de jogos 3D. Eu realmente não estava exagerando quando disse que a Ubisoft se preparou para liderar o genero.

Mas...

E é aqui que tudo começa a ficar turvo. Complicado. Intangível. A melhor definição que eu posso dar é que Rayman 2 não tem alma nele. Não realmente. Não da maneira que torna algo atemporal.


O QUE ISSO AO MENOS SIGNIFICA? O QUE AO MENOS É UM JOGO "SEM ALMA"?

Pois é. Eu avisei que ia ser difícil explicar. Não estamos falando de bugs ou design de nível desleixado. Rayman 2 não tem nenhum dos dois. Estamos falando dos fios invisíveis — a intenção artística, o "porquê" por trás do "o quê". Aquela coisa que você sente no peito quando o mundo de um jogo parece atravessar a tela e sussurrar: “Isso foi feito porque alguém precisava fazer isso. Porque isso importava pra alguém.”

Rayman 2 foi feito porque alguém queria fazer um bom jogo de plataforma 3D. E eles fizeram. Mas foi só isso que eles fizeram. É a diferença entre inspiração e execução.


O primeiro momento em que isso bate é tão logo quando Rayman ganha o primeiro power-up. No RAYMAN original, ele tinha um ataque icônico — arremessava suas próprias mãos flutuantes como se fossem bumerangues. Apesar de todos meus (muitos) problemas com esse jogo, não tem como negar que é um conceito estranho, cativante, memorável.

E aqui? Aqui ele atira... uma bolinha de luz. A coisa mais genérica e placeholder que se poderia imaginar. A razão é provavelmente técnica — deve ser bem difícil simular mãos flutuando soltas em 3D com precisão. Faz sentido. Mas sabe o que não faz sentido?


Substituir uma ideia icônica por uma bolinha feita no After Effects, renderizada em 0,15 segundos, e dizer: “Tá bom assim.” Porque tecnicamente tá funcionando. O botão atira. A hitbox tá lá. Tudo certo.

Só que não tá tudo certo.

Porque isso é exatamente o tipo de coisa que mais importa.

E isso se aplica a todos os aspectos do jogo: tudo funciona, mas nada marca. O mundo, por exemplo, é tecnicamente impressionante — mas eu te desafio a lembrar de qualquer coisa específica dele quinze minutos depois de desligar o console. Vai lá, tenta.

E piora quando você compara com o jogo anterior: o primeiro Rayman tinha florestas distorcidas, arquitetura onírica, dirigíveis pairando em céus violetas. Era uma pintura expressionista em forma de plataforma. Um pesadelo bonito.


Mais de três anos depois de jogar RAYMAN, eu ainda consigo visualizar sua estética com clareza.
Não faz 24 horas que eu terminei Rayman 2, e eu não consigo descrever um único cenário com convicção. O que me vem à mente são comparações... com jogos de segunda prateleira. CROC 2. TONIC TROUBLE.

Suponho que um dos pontos mais apontáveis é que o tom é muito sóbrio para seu próprio bem. Onde o RAYMAN original dançava à beira do caos psicodélico, Rayman 2 se leva mais a sério. Os robôs fazem escravos, a trilha sonora é sombria e as apostas são grandes. Mas essa mudança tonal não é contrabalançada por nenhuma leviandade, calor emocional ou estranheza genuína. Não há atrito entre alegria e medo, nenhuma sensação de contraste — apenas uma paisagem emocional estável e silenciosa. É atmosférico, sim. Mas estéril. Frio. Não há voz narrativa.


O jogo não parece ter algo a dizer. Não é satírico, como Banjo-Kazooie. Não é emocionalmente motivado, como Ori ou Journey. Não é um comentário sobre tropos de fantasia, ou uma celebração de absurdos, ou uma história de perda pessoal. Ele apenas... existe. Como um eco de outros jogos, mas mais silencioso.

A Ubisoft fez um jogo que funciona perfeitamente — mas não saberia explicar pra que fez esse jogo mesmo que sua vida dependesse disso. Ele expressa a visão de ninguém, não foi feito com fogo no coração. É um produto excelente, mas uma mensagem fraca.


Mais tarde, com Rayman Origins e Legends, a Ubisoft encontrou a sua voz. Eles entenderam pra que estão fazendo esses jogos, o surrealismo volta rugindo, a música ri, a animação explode. Os punhos voam novamente. Aqueles jogos pareciam vivos como se alguém da Ubisoft finalmente dissesse: "Dane-se — vamos ser estranhos de novo."

E adivinha? Todo mundo lembra desses jogos com carinho. Todo mundo sente eles. Porque agora eles têm algo a dizer. Uma identidade, um pulso.

Entende a diferença?
Entende o meu ponto com tudo isso?
Provavelmente não.
Mas tudo bem.

O fato permanece: Rayman 2 é um dos melhores jogos de plataforma 3D da sua geração — e ainda assim, um dos mais esquecíveis. É como assistir a um mímico brilhante em uma bela catedral. Cada movimento é perfeito. Cada linha é elegante. Mas não há voz por trás da performance — apenas silêncio ecoando entre os pilares.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 146 (Dezembro de 1999)


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